Pernambuco

Desigualdade

PE: Em meio à escassez de teste de covid, festas de Carnaval têm centros de testagem exclusivos

Em uma festa privada realizada no Recife, os testes eram feitos por R$ 35, menos que a metade do valor nas farmácias

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Para especialista, é inacreditável que pessoas sintomáticas precisem de um diagnóstico enquanto a prioridade seja a manutenção de eventos - Divulgação/ SES

No último mês, conseguir fazer o teste de covid-19 no Recife tem sido uma tarefa difícil em meio ao surto de influenza H3N2 e à alta de casos da covid-19 por conta da chegada da variante super transmissível Ômicron. Isto é, a não ser que se tenha ingresso para alguma das grandes prévias privadas de Carnaval que acontecem na capital. Já que a apresentação do teste negativo é um requisito para entrar nos eventos, conforme foi estipulado pelo Governo de Pernambuco, as festas estão montando centros de testagem exclusivos para os clientes, com testes a preço menor, inclusive, que o praticado nas farmácias.

Com entrada custando até R$ 480, o Bloco de Seu Antônio está disponibilizando dois pontos de testagens na cidade com exames a R$ 80 para quem vai para a prévia, marcada para este sábado (5). O mesmo valor foi cobrado nos três locais oferecidos pela festa Fika Trankili, realizada no sábado passado (29) pela Carvalheira na Arena Pernambuco. Nessa mesma data, o Bloco do Caos estava fazendo testes rápidos nos consumidores por apenas R$ 35, menos da metade do que a população geral paga nas farmácias do Recife. 

Nas redes de lojas que oferecem o serviço, o teste antígeno não sai por menos de R$ 99, e, de acordo com pesquisa realizada pelo Procon Recife na semana retrasada, chega a até R$ 200. O órgão de fiscalização constatou ainda que, para o sorológico, os preços variam de R$ 150 a R$ 240, e, para o RT-PCR, de R$280 a R$385. Esse último estava sendo vendido por R$ 430 em uma farmácia no Derby, na área central da cidade, consultada pela reportagem do Brasil de Fato Pernambuco nessa quinta-feira (3). 

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Mesmo quem tem esse dinheiro para desembolsar não passa livre das filas e transtornos. Com pressa para fazer o exame após ter tido contato com um caso positivo de covid-19, a estudante Gabriela Andrade, de 29 anos, procurou, no último dia 20, seis farmácias até encontrar uma em que os testes não estivessem em falta e que não fosse necessário agendamento prévio. Depois disso, ainda esperou 3 horas pela sua vez. 

“Foi muito angustiante, só tinha uma profissional para fazer o teste e para dar o laudo, então demorou muito para poder acontecer. Só cinco pessoas por vez podiam entrar na farmácia, o resto ficava do lado de fora, então ficamos horas no calor, sem informações do por que estava demorando. Foi uma experiência muito cansativa”, relatou.

A farmácia não era a primeira opção de Gabriela, mas a superlotação dos centros de testagem da rede pública com atendimento por demanda espontânea a dissuadiu. "Primeiro eu fui no Compaz, estava muito cheio, com uma fila imensa. Depois, procurei outro local de testagem, que também estava muito lotado. Fui também ao Cecon, mas só era aberto a partir das 14h e eu estava muito angustiada para saber logo o resultado", contou.


Festa Fika Trankili aconteceu no sábado passado (29) pela Carvalheira na Arena Pernambuco / Divulgação/Fika Trankili

Com a demanda aumentada, quem precisa ir a um desses locais atualmente encara horas de espera. O historiador Felipe Ribeiro, 24, ficou quase 3 horas na fila para fazer o exame em um dos pontos de testagens itinerantes da Prefeitura do Recife no início de janeiro. Mais ou menos o mesmo tempo que a estudante Vivian Leite, 23, levou para conseguir se testar na Fundação de Saúde Amaury de Medeiros (Fusam) no último dia 15.

No momento, os pontos de testagem gratuitos que não precisam de marcação - Cecon (Olinda), Parque Dona Lindu (Boa Viagem), Seduc (Várzea), Geraldão (Imbiribeira) - são todos do Governo de Pernambuco. Já os disponibilizados pela Prefeitura do Recife hoje em dia só podem ser acessados mediante agendamento pelo aplicativo Atende em Casa ou pelo site testecovid19.recife.pe.gov.br. As vagas são abertas diariamente na plataforma às 15h, mas antes disso começa a peleja de quem deseja agendar.

A jornalista Cláudia Parente só conseguiu no terceiro dia de tentativa, porque os horários rapidamente se preenchiam. “A partir das 14h50 eu já ficava entrando e saindo no site, até que, quando faltava 1 minuto para as 15h, eu consegui abrir a lista das opções e agendei”, diz.  “O exame no Parque da Macaxeira foi bem organizado, foi rápido. Cheguei lá 9h20, às 10h já tinha o resultado. Fazer o teste foi mais fácil que conseguir a vaga."

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No interior de Pernambuco, conseguir o teste também é uma dificuldade. Em Petrolina, no Sertão do estado, a farmacêutica Paula Núbia de Macêdo, 28, contou que decidiu realizar o exame na rede privada em uma tentativa de driblar “as filas de 4 a 5 horas”, mas que teve dificuldade de encontrar. “Liguei para uma clínica no sábado (dia 22) e falaram que estavam sem material e me indicaram para outra clínica. Liguei para a outra, e eles falaram que também estavam sem o insumo, que havia mais de uma semana ou duas que estavam esperando chegar”, relembra. Ela só teve sucesso  no dia seguinte, na segunda farmácia que buscou, onde recebeu o diagnóstico positivo para covid-19.

Prioridade para assintomáticos

O infectologista Filipe Prohaska considera "inacreditável" que se tenha pessoas sintomáticas precisando de um diagnóstico e que, simultaneamente, a prioridade seja a manutenção dos eventos. "Quinta, sexta, sábado e domingo - se for multiplicar o número de festas por 3 mil (limite de público determinado por decreto estadual), nós estamos fazendo muito mais testes em pessoas assintomáticas que sintomáticas", afirmou. 

Ele pontua que os reflexos dessa política já estão aparecendo: "As mortes vêm aumentando. Nessa quarta-feira (2), batemos o recorde de números de casos de Pernambuco, e, nesta quinta (3), voltamos para a faixa de mil mortes por dia [no Brasil], como se nada estivesse acontecendo", levantou. 

O médico ainda reforça que as redes de consórcio vêm recomendando a suspensão de eventos públicos e privados em Pernambuco. "O Consórcio Nordeste, o próprio Ministério Público também pediu explicações, já que o Governo de Pernambuco mantém o posicionamento de indiferença frente aos números", citou. "A prioridade não tem sido para os sintomáticos, isso tem sido visível”, criticou.

O Plano de Convivência com a covid-19 e a possibilidade de imposição de novas medidas restritivas serão pauta de reunião do Comitê Técnico de Acompanhamento da pandemia do Governo de Pernambuco, marcada para a próxima segunda-feira (7), revelou o secretário estadual de Saúde, André Longo, em coletiva de imprensa nessa quinta-feira. A discussão foi antecipada para antes do fim da vigência do atual decreto, que vigora até o dia 15, em virtude da alta de casos.

Edição: Vanessa Gonzaga