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Coluna

Luís Inácio avisou: São 300 picaretas com anel de doutor

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"No Brasil, os agrotóxicos que matam, no mundo todo, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), perto de 193 mil pessoas ao ano, recebem estímulos na forma de isenções de impostos e incentivos que alcançam perto de R$ 10 bilhões/ano" - Arquivo / EBC
Aquele milhão de toneladas de agrotóxicos jogadas anualmente nas lavouras brasileiras não desaparece

Na noite desta quarta-feira, 9 de fevereiro, evidenciou-se mais uma vez o domínio do agronegócio internacional sobre a maioria parlamentar da nossa Câmara Federal. Naquela noite, dois terços dos deputados que em tese deveriam trabalhar pela saúde, segurança e soberania dos brasileiros agiram de forma a merecer o apelido de vendilhões da pátria, com o que Brizola costumava rotular este tipo de gente.

Por serem o que são, aprovaram o “Pacote do Veneno” com a enorme maioria de 301 votos, contra 150 contrários. Ainda houve duas abstenções que não alcanço entender.

O essencial é que os 301 votaram com base nos mesmos argumentos usados há vinte anos, para tentar destruir a lei dos agrotóxicos, de 1989. Eles falaram em superação de bloqueio à modernização de um setor que não para de crescer. Falaram em ampliação na oferta de alimentos, coisa que aqui se reduz na proporção em que a soja, a cana e o algodão avançam sobre áreas de agricultura familiar anteriormente destinadas à produção de feijão, mandioca, abóbora, batata doce e outros itens da cesta de consumo popular. Falaram em maior proteção à saúde e ao ambiente, mas votaram pela supressão do papel dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, e pela supremacia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), tutelado pela Bancada Ruralista, nas decisões sobre o registro de agrotóxicos.

Falavam em qualificação nas decisões sobre agrotóxicos, e garantiram aceleração em processos avaliatórios simplificados, que desde o golpe de 2016 garantem sucessivas quebras de recordes. 


Apenas em 2021, foram autorizados mais 562 agrotóxicos / Reprodução

Apenas em 2021, na ausência de qualquer problema “novo” em nossa agricultura, foram autorizados mais 562 agrotóxicos. Falaram na qualificação dos agrotóxicos, pelo acesso a formulações modernas, escondendo o fato de que, 94% dos 562 venenos aprovados em 2021 eram meras "cópias" de produtos antigos, com patentes vencidas, ou misturas com base em ingredientes já existentes no mercado brasileiro. Os ridículos 6% com princípios ativos inéditos incluíram produtos perigosos ou muito perigosos para o ambiente e não classificados pela ANVISA, em termos de riscos para a saúde humana (Halauxifen-metil, Ciclaniliprole, Oxatiapiprolim, Ametoctradina, Isofetamida, Impirfluxam, Mefentrifluconazol), alguns dos quais com uso não autorizado na União Europeia (Ciclaniliprole, Fenpropimorfe, Impirfluxam).

Destaque-se que com o avanço dos conhecimentos sobre os problemas causados pelos agrotóxicos, suas vendas se reduzem e crescem as restrições ao uso dos produtos perigosos. Com isso, os mercados se retraem e os fornecedores dos venenos se obrigam a reduzir os preços, para atrair compradores pouco cautelosos.

Pois não é que com base nisso, os 301 entendem haver vantagens na transferência daquele lixo para o Brasil?

Para não estender esta conversa finalizo destacando que dois terços de nossos deputados federais votaram pela restrição à possibilidade de que vereadores, prefeitos, deputados estaduais e governadores formulem e apliquem legislações mais protetivas a seus concidadãos. Também votaram pela eliminação de cautelas nas propagandas de agrotóxicos e pelo fim da proibição de comércio de agrotóxicos cancerígenos, genotóxicos, teratogênicos e com impactos sobre o sistema reprodutivo, em nosso país. Disfarçaram a canalhice com o anúncio de uma categoria de risco aceitável, para problemas daquela magnitude.


Confira os deputados gaúchos que votaram a favor do Pacote do Veneno / Divulgação

A maldade está na vista grossa ao fato de que para pessoas com quadro hereditário de câncer na família, as estatísticas médias globais não se aplicam. Ali, assim como nos casos de covid, o risco aceitável para alguns corresponde à grande probabilidade de morte, para outros.

Aquele milhão de toneladas de agrotóxicos jogadas anualmente nas lavouras brasileiras, não desaparece. O veneno escorre acompanhando a água. Aquelas moléculas mais persistentes se acumulam ao longo dos anos e, em algum momento entrarão em contato com as pessoas e impactarão sobre o Sistema de Saúde Pública.

Um exemplo? Em 2021 o TRF-4/SC reconheceu e o INSS pagou indenização retroativa a 2015, aposentando por invalidez a agricultora Elena Lugaresi da Rosa, que contraiu câncer por contato com o herbicida glifosato. Nos EUA a Bayer-Monsanto, condenada a pagar US$ 289 milhões de dólares ao jardineiro Dewayne Johnson, diagnosticado com câncer terminal após utilizar aquele mesmo herbicida, está negociando indenizações a milhares de vítimas acometidas por Linfomas Não Hodgkin. E aqui? Bom, aqui os agrotóxicos que matam, no mundo todo, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), perto de 193 mil pessoas ao ano, recebem estímulos na forma de isenções de impostos e incentivos que alcançam perto de R$ 10 bilhões/ano.


Isenções de impostos e incentivos alcançam perto de R$ 10 bilhões/ano / Divulgação

Com a percepção de que isto está errado, é ofensivo e deve ser enfrentado, 150 deputados federais e centenas de entidades ambientalistas tentam agora aprovação do PL 6.670/2016, que cria a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA).

As possibilidades de sucesso dependerão de ampla mobilização popular, que impeça o Senado de referendar a decisão da Câmara quanto ao Pacote do Veneno, e esclareça a sociedade, nos detalhes, sobre o que devemos esperar por conta das maldades ali contidas.

Para isso, e como neste ano teremos eleições, vale trazer a público o nome dos 301 vendilhões da pátria e das implicações do que eles fizeram, ao garantir atualização daquela música do Paralamas.

 

Confira também a coluna em áudio.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko