Rio Grande do Sul

ENTREVISTA ESPECIAL

“É preciso usar até a religião para abordar a questão do lixo”, afirma Joice Pinho Maciel

​​​​​​​Para a especialista em gestão ambiental, é preciso educação e repensar a cadeia de produção e consumo

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Joice Pinho Maciel é Doutoranda em Engenharia Civil, Gerenciamento de Resíduos Sólidos, na Unisinos em São Leopoldo - Foto: Daiana Schwengber

Duzentas mil garrafas PET por minuto. É a avalanche que a Coca-Cola joga no mercado e por extensão no meio ambiente. Se o refrigerante mais famoso do mundo produz três milhões de toneladas de lixo por ano, a Nestlé vem nos seus passos com a produção de dois milhões de toneladas/ano.

Nenhuma das duas multinacionais se responsabiliza pela imundície que espalha. Esta questão – a das empresas que sujam o planeta e deixam a conta para o poder público e seus contribuintes pagarem – é um dos muitos temas que a especialista em gestão ambiental e social, Doutoranda em Engenharia Civil, Gerenciamento de Resíduos Sólidos Joice Pinho Maciel, discute nesta entrevista com Brasil de Fato RS. Ela também é auditora líder ISO 14001 pela BSI Management Systems e pelo Instituto Lixo Zero Brasil/ZWIA – Zero Waste International Alliance, movimento internacional de organizações que desenvolvem o conceito e princípios Lixo Zero no Mundo.

Brasil de Fato RS - Qual o diagnóstico da coleta de lixo em Porto Alegre? 

Joice Pinho Maciel - Porto Alegre encaminha seus resíduos para o aterro em Minas do Leão. Esse resíduo viaja 100 km para ir e voltar. São 200 km para chegar até a destinação final, o aterro sanitário da Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos (CRVR). Do ponto de vista sanitário, é um tratamento adequado, mas se a gente for pensar no desperdício de materiais, não. Há desvalorização de materiais potencialmente recicláveis.

Porto Alegre foi pioneira na coleta seletiva, mas hoje não é mais referência

Porto Alegre tem em torno de 18 unidades de triagem que recebem resíduos da coleta seletiva, programa pioneiro no estado e no Brasil. A coleta seletiva iniciou aqui na década de 1980 como programa de referência para o país, mas hoje está bem aquém de outros estados. Essas cooperativas recebem um valor contratual para reciclar esse material. Não têm autonomia de coleta porque hoje existe a Cootravipa, uma cooperativa de coleta de resíduos recicláveis e esse resíduo é encaminhado até as unidades de triagem.

Há um conflito nesse gerenciamento porque as unidades reclamam da qualidade dos materiais. Além de ser uma quantidade baixa, a qualidade também é baixa. E os contratos são precários e não cobrem nem a infraestrutura básica. Hoje, os contratos com essas unidades giram em torno de R$ 6 mil, valor muito baixo. Há cooperativas que só de energia gastam três mil. As cooperativas têm sido sucateadas. Não conseguem realizar melhorias, como pavimentação, equipamentos etc. Requerem prensa, carrinhos, uma série de mecanismos. Têm dificuldades para buscar financiamento. Dependem muito do público ainda e também do privado.

Enquanto as cooperativas vivem dificuldades, start ups estão lucrando com os resíduos

Existem alguns projetos de logística reversa, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, mas ainda são muito tímidos. As verbas que chegam são muito pequenas. Então, o privado tem se beneficiado porque essas empresas que estão surgindo, startups, que trabalham com valorização de resíduos ou reciclagem, enxergam uma oportunidade grande. Detém o capital, possuem infraestrutura mais adequada e conseguem pegar um mercado privado para fazer o gerenciamento de resíduos sólidos, que não é o caso dos domicílios. Isso gera um conflito porque é uma competição. Ao mesmo tempo, essas unidades de triagem formadas por catadores e catadoras são uma resistência porque conseguem se manter mesmo com todas as dificuldades. 


Cooperativa Chocolatão é uma das 18 unidades de triagem que recebem resíduos da coleta seletiva em Porto Alegre / Arquivo pessoal

BdF RS - E isso se vê também na Região Metropolitana? 

Joice - Existe diferença. Na Região Metropolitana tem municípios bem mais avançados. Posso citar aqui São Leopoldo, onde eu moro, Novo Hamburgo, Dois Irmãos, que, apesar de ser uma cidade pequena, tem uma gestão muito organizada e feita essencialmente por cooperativas. Não existe uma separação do resíduo domiciliar e do reciclável porque é a mesma cooperativa que coleta. Hoje, quanto ao material encaminhado para um aterro sanitário, a forma de pagamento final é por tonelada. A lógica é quanto maior o volume de resíduos, maior o valor a ser pago para os aterros sanitários. O que precisa sair dessa fração de resíduos que vão para o aterro são os resíduos potencialmente recicláveis. Não faz sentido enterrar resíduo reciclável pensando em toda a cadeia dos materiais, em todos os recursos naturais, que a gente está explorando sem retorná-los ao ambiente natural.

Em Dois Irmãos, uma cooperativa transforma plásticos em pallets

Em Dois Irmãos, a coleta é feita pela mesma cooperativa. Tem a coleta do orgânico em um dia, que são os restos de alimentos. O caminhão passa em um dia para fazer a coleta desse material e no outro a da seletiva. Então, não compete. Aí você tem uma usina super organizada, que recebe esse material triado, comercializado. Existe outro fator. A cooperativa, além da coleta, triagem e comercialização dos resíduos, também faz a valorização de algumas resinas plásticas. Transforma resinas plásticas, como polietileno. Existe um processo em que o material é selecionado, lavado, triturado até virar um pallet. Uma garrafa de amaciante, por exemplo, passa por esse processo e vira outro produto, como um cesto de lixo, uma pá, enfim, uma série de utensílios. O material retorna à cadeia produtiva.

BdF RS - Então eles não mandam nada para aterro? 

Joice - Mandam, mas um volume muito menor do que outros municípios, como Porto Alegre manda. A gente precisa pensar assim: “O que deve ir para o aterro sanitário?” Rejeitos. Então, não precisa ficar mandando materiais com potencial reciclável. É burrice. Sem falar da perda econômica de bilhões de reais por ano.

Nosso modelo deveria priorizar a separação dos materiais e incentivar mais programas de compostagem nos municípios para que fossem para o aterro sanitário somente os resíduos sem condição potencial de serem reciclados. Está na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Mas a realidade não é essa. Quando você observa, por exemplo, o caminhão de lixo passar na frente da sua casa, ele leva tudo. E por que ele está levando tudo? Porque não existe uma organização. Existe uma responsabilidade do município fazer essa gestão, mas o cidadão também é responsável. Em casa, ele precisa separar, entender que existe um dia para o resíduo comum e outro dia para a coleta seletiva.

Pagamos o IPTU para aterrar lixo reciclável e não ganhamos nada com isso

No final das contas, quem está sendo onerado somos nós mesmos que pagamos os impostos, porque essa taxa de lixo é cobrada no IPTU e a gente paga duas vezes. Pagamos o IPTU para aterrar lixo reciclável e não ganhamos nada com isso. A comunicação é muito falha nas prefeituras. Deveriam investir em educação ambiental. Dois Irmãos é pequena, com 60 mil habitantes, mas é um modelo que outras cidades deveriam seguir. Se se paga um contrato para aterramento de resíduos então por que você não gira esse investimento para uma usina (de reciclagem) ao invés de pagar para aterro sanitário? Porque se o dinheiro já é gasto todo mês e os contratos geralmente são mais altos do que, por exemplo, investir em qualidade de usinas e educação ambiental, você pode transferir, remanejar, esse investimento de aterro sanitário para novas usinas.


"O investimento em coleta seletiva traz ganhos em saúde, geração de renda e na limpeza da cidade", defende Joice / Arquivo pessoal

A implantação de coleta seletiva é mais cara do que ter um sistema de coleta domiciliar, essa que vai para aterro sanitário, porque precisa ter uma estrutura maior. Mas quando a gente pensa não só no custo financeiro, que é transporte, coleta e destinação, e inclui os outros aspectos sociais, econômicos e culturais, é possível que esse custo seja absorvido pelos ganhos em saúde, geração de renda e na limpeza da cidade. 

BdF RS - Ambiental também?

Joice - Nesse caso, o ambiental é o que menos pega. As pessoas ainda não são educadas para entender que o controle ambiental e sanitário é um fator de saúde. Não entendem que coletar seu resíduo e encaminhar para a reciclagem, para que seja tratado de maneira adequada, é evitar doenças relacionadas a (falta de) saneamento. O resíduo na rua vai trazer problemas sanitários e vai aumentar despesas com saúde. As pessoas não fazem esta relação. O modelo que se consolidou em Dois Irmãos existe há 22 anos e funciona muito bem. Entra prefeito e sai prefeito e é mantido esse projeto.

Aí a gente sai de Dois Irmãos e vem para São Leopoldo, com 240 mil habitantes, onde tem oito cooperativas. Você percebe que existe espaço para ter mais usinas. É outro fator importante porque a gente não recicla 10% do resíduo que geramos. Se reciclo 10% do resíduo reciclável que gero e tenho oito cooperativas operando, o que isso significa? Que eu poderia ter o dobro de usinas em São Leopoldo. Os contratos são milionários com os aterros. Quando você compara um contrato pago, por exemplo, para a CRVR, com o valor de contrato que uma cooperativa recebe, fica pensando: “Nossa, mas olha o benefício que uma usina de reciclagem traz não só ambientalmente falando, mas para a economia da reciclagem, que é uma cadeia enorme”.

Em Porto Alegre, existe a coleta ilegal em que pessoas e empresas pegam o lixo na madrugada

São Leopoldo, por exemplo, paga em torno de R$ 25 mil reais por contrato. A diferença é que São Leopoldo tem uma autonomia de coleta porta a porta. O que que isso quer dizer? Tem um caminhão, subsidiado pela prefeitura e projetos privados, que leva para a cooperativa, faz a triagem e comercializa. Só que essas unidades de triagem não recebem pagamento por serviço ambiental. Se recebessem, deveriam ganhar muito mais, no mínimo, R$ 150 mil a 200 mil reais. Estamos falando de um contrato de R$ 25 mil, que mal supre a infraestrutura. A coleta seletiva de São Leopoldo é considerada solidária porque é feita por catadores e catadoras.

Saímos de São Leopoldo e vamos para Canoas, que tem um modelo parecido com quatro cooperativas. Com mais de 300 mil habitantes, Canoas poderia ter muito mais. Mas consegue fazer a gestão, a remuneração e a coleta porta a porta. Aí a gente sai desses municípios que têm uma organização maior em termos de gestão pública e programas de coleta seletiva, e vai para Porto Alegre. Aí não se consegue entender o que acontece. O porquê de ter sido uma cidade referência na década de 1980 e enxergar hoje o que é. São 18 unidades de triagem que precisam trabalhar de três a quatro vezes para dar conta e ainda recebendo material de baixa qualidade. A cidade tem um fenômeno que a gente chama de coleta ilegal. Muitas pessoas coletam resíduos durante a madrugada, o que já criou muitos conflitos. 

BdF RS - Mas são populações carentes? 

Joice - São empresas, pessoas físicas. Não estou falando de catadores, de carrinheiros em situação de rua, mas de alguém que tem financiamento de caminhões para coletar. Aí quando a Cootravipa passa para fazer a coleta do reciclável, tem um mísero resíduo lá. Aí tu me perguntas: “Como é que está hoje a renda dessas unidades de triagem?” Cada ano que passa diminui mais. As unidades recebem muito pouco pela venda dos materiais porque o resíduo baixou muito e, com a pandemia, triplicou a colega ilegal. A prefeitura teve que intervir de alguma forma, mas é um assunto bem delicado para tratar. É um cenário complicado de gerenciar. Aí tu me perguntas: “Mas melhorou a seleção dos materiais?” Um pouco, porque ainda continua indo um volume muito grande para os aterros sanitários. Este percentual ainda não avançou dos 10%. Ou seja, a gente ainda é muito ineficiente nos programas.

BdF RS - Qual seria a alternativa aos aterros sanitários? 

Joice - O primeiro ponto que precisa ser trabalhado é a educação ambiental. A população consome como se os recursos fossem infinitos. O que gera um impacto muito grande para o gerenciamento de resíduos. O que deve ir para os aterros sanitários são rejeitos. Hoje, 50% do que geramos em casa são resíduos orgânicos. Se cada família fizesse a compostagem, já se reduziria pela metade o resíduo gerado. Sobrariam os recicláveis e os rejeitos, que são os resíduos de higiene pessoal e que não tem como fazer a reciclagem. Se retiramos o potencialmente reciclável, o que sobra não seria 10% ou 15% do nosso resíduo diário. Assim, nossos aterros durariam muito mais. A gente precisa aumentar programas de compostagem local. Mesmo um programa de compostagem em grande escala gera impacto. Compostar em grandes usinas gera metano, gás nocivo para o meio ambiente, gás do efeito estufa que contribui para o aquecimento global. É preciso incentivar as residências para que façam a compostagem. É um material que pode virar adubo, o humus para o plantio...

É preciso responsabilizar as empresas pelas embalagens que colocam no mercado

BdF RS - Tem o projeto das hortas comunitárias…

Joice - Sim, elas poderiam ser beneficiadas. A origem do problema é que temos milhões de embalagens colocadas no mercado de forma desnecessária. Quem produz embalagens precisa produzir embalagens que retornem à cadeia produtiva. Não posso produzir uma embalagem plástica porque isso significa que ela vai virar lixo. E quem está pagando isso? É a população. Não é a empresa que fabrica aquela embalagem. A gente precisa responsabilizar as empresas pelo que colocam no mercado. Elas são as responsáveis pela embalagem.


"A educação ambiental é fundamental, o que deve ir para os aterros sanitários são rejeitos", afirma Joice / Arquivo pessoal

BdF RS - Esses produtos ultraprocessados são os que mais geram embalagens e os que mais mal fazem à saúde. E essas empresas não contribuem nem para a saúde, nem para o SUS, e nem para a gestão de resíduo público... 

Joice - Exatamente. Quem paga essa conta são os municípios e a população. A gente precisa voltar para essa cadeia de produção e consumo para que essas empresas sejam responsabilizadas pelo que colocam no mercado, por exemplo, plástico de uso único. 

BdF RS - Quais são os plásticos de uso único?

Joice - Isopor, canudo... 

BdF RS - Agora nós já temos canudos de material reciclável também…

Joice - Também, mas se pararmos pra pensar, é mais um material que está no mercado e que a gente precisa fazer a gestão. A pergunta a ser feita é: “Eu preciso usar o canudo?” Não adianta eu tirar o canudo de plástico e colocar o de inox. Olha a quantidade de matéria prima. É um material nobre que tiro da natureza para um canudo. Só trocar o material, às vezes, não é a solução. Deixa-se de usar o plástico, que vai para os oceanos matar a fauna marinha, para usar aço que também já está em falta, para tomar um suco? As empresas colocarem no mercado uma embalagem com potencial para serem recicladas é um ponto crucial. Não basta ser pet.

PET é totalmente reciclável, mas se não volta para a cadeia, vai parar lá no Guaíba

O PET é totalmente reciclável, mas se não volta para a cadeia, vai parar lá no rio Guaíba, no oceano. Tem que seguir uma lógica de retorno. PET ainda tem uma cadeia consolidada, mas se você vai ao supermercado, vê aquele mar de embalagens dos alimentos. A maioria não tem potencial de serem recicladas e estão indo para aterros sanitários. E os programas que existem para o retorno dessas embalagens são pífios. 

BdF RS - E por que propostas de aterros regionais? A lógica de cada município cuidar do seu lixo não seria melhor? 

Joice - Até um ponto sim. Mas, às vezes, os municípios são muito pequenos para dar conta de um aterro local. No caso de São Leopoldo, tinha uma área disponível para isso. Ter uma solução de aterro regional é fazer consórcios de gerenciamento, juntando cinco ou seis municípios em uma rota de coleta e encaminhando para um único local. Se cada um desses municípios tiver um aterro, o impacto passa a ser maior em termos de infraestrutura, manutenção, impacto ambiental.

Qual é o município com programa de compostagem? Nenhum

Hoje, 90% dos resíduos gerados nos domicílios estão indo para aterros sanitários. Aí (o aterro) não dá conta. Minas do Leão já não está mais dando conta, São Leopoldo recebe resíduo de 32 municípios. É preciso ampliar programas de usinas e de compostagem. Qual é o município com programa de compostagem? Nenhum. Todas as iniciativas de compostagem nas cidades são privadas. São de ONGs. O município não olha pra isso. Se fizesse isso, reduziria 50% do resíduo gerado nas casas. Incentivar a população a fazer a compostagem em casa, dar desconto no IPTU, fornecer kit de compostagem de graça.

Se tivesse um projeto decente de educação ambiental com a população e ainda incentivando com desconto no IPTU, a população iria participar. Há o Método Lages de Compostagem (MLC), desenvolvido pelo professor Germano Güttler, em Lages (SC). Você composta e, depois de um tempo, planta. No momento em que vivemos uma insegurança alimentar no país inteiro, você compostar seu resíduo e plantar, cria a possibilidade de também estar suprindo a alimentação de pessoas de baixa renda. O modelo dele, inclusive, foi premiado. Ganhou financiamento da Caixa Econômica Federal para aplicar. Modelos assim tinham que ser divulgados. São pequenos, de baixo impacto e não vão gerar metano em uma grande usina. A gente precisa descentralizar e simplificar as soluções.

A logística reversa hoje, em nosso país, é um impacto cínico

BdF RS - A Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê tudo isso?

Joice - Sim, a política foi muito bem escrita, inclusive, com padrão de modelos internacionais e a gente não consegue colocar em prática. Você vai nos municípios e todos eles têm planos de gerenciamento de resíduos sólidos, mas o que é que está sendo feito? Aí está a questão: os municípios têm que fazer o dever de casa e muitos deles nem revisaram sequer o plano, que foi elaborado em 2012. A política está lá, com todas as suas premissas. A logística reversa hoje, em nosso país, é um impacto cínico. As empresas não estão se responsabilizando pelo retorno das embalagens e têm muito interesse por trás para que não funcione mesmo.      Pouquíssimas estão colocando programas para poderem, de fato, de maneira séria, fazer com que esses materiais retornem.

BdF RS - Quais são os interesses? Quem domina?

Joice - É um lobby. São as grandes corporações de alimentos, de cosméticos, as que dominam. Posso citar Coca-Cola, Unilever, Nestlé, Pepsico, Mondelez, etc. Colocam a maior parte das embalagens no mercado e você vê poucos programas sérios que bancam a infraestrutura de retorno para a cadeia produtiva. Muitas dessas embalagens não têm potencial para serem recicladas. Essas embalagens de baixa qualidade estão aqui na América do Sul. Na Europa, já estão proibindo embalagens de sachês. Esses sachês podem até ser econômicos do ponto de vista da logística. Se você tira de uma embalagem de vidro e coloca em uma embalagem de plástico, significa que você está diminuindo peso e o peso significa custo em logística. Mas e aquela embalagem? Ela é lixo. Vai gerar custo onde? Lá no aterro sanitário, que está sendo pago pelo público. 

Coca-Cola é a número 1 entre as empresas que mais jogam plástico no mundo

No Atlas do Plástico, elaborado pela (Fundação) Heinrich Böll, tem um dossiê sobre a produção do plástico. Aparecem as empresas que mais colocam plástico no mundo. A Coca-Cola está em primeiro lugar. Então, fica uma coisa ética: “Ah, eu tomo Coca-Cola, mas ela é a número um, a que causa mais impacto no mundo em termos de poluição. Como me posiciono? Continuo tomando Coca-Cola? Continuo contribuindo com essa poluição?”


Segundo o Atlas do Plástico, corporações multinacionais que controlam o mercado planejam adicionar 40% a mais de plástico ao comércio até 2025 / Fonte: Atlas do Plástico

É uma questão ética muito forte porque nessa questão de produção e consumo, existe a demanda. Se tem Coca-Cola é porque tem gente que consome. Por isso, não basta só pensar na destinação. Passa pela produção e o consumo. Se a população não está sendo educada para isso, também está indo nessa maré. A educação é uma arma poderosa. A gente é um agente transformador de opinião. Se não, somos um mero brinquedinho conduzido para qualquer lugar. Por que a educação não é valorizada no país? Eu sou doutoranda e vim da escola pública. Talvez não tivesse chegado à universidade se não fossem os programas de acesso à educação. Aí quando a gente está na rua com essa galera e troca uma ideia, cadê? Não tem senso crítico. É só mais uma Coca-Cola que está tomando, não sabe para onde vai, de onde veio. Aí é difícil. 

Fulano, se você ficar gerando resíduo, você vai para o inferno

BdF RS - Nocivo para o planeta e para o nosso corpo, né? 

Joice - São as duas coisas. Uma conhecida minha dizia que a abordagem do resíduo deve passar por duas questões para mexer com o senso comum: a questão ética e a questão da religião. Existe uma grande massa de pessoas evangélicas, católicas. As igrejas deveriam trazer essa abordagem. O Papa Francisco já traz. Do cuidar da casa, da compaixão pela natureza, por tudo que envolve a saúde planetária. É como dizer: “Fulano, se você ficar gerando resíduo, você vai para o inferno”. Seria uma forma boa de fazer com que as pessoas pensem de outro ponto de vista, o da religião, sobre o mal que fazem ao meio ambiente. Se você for falar em educação ambiental, as pessoas dizem “Lá vem essa ecochata”... Então, é preciso pensar maneiras mais criativas de abordar o assunto.

O pobre compra produtos de baixa qualidade, mas quem gera mais lixo é o rico

Dizem que quem gera mais lixo é o pobre. Na verdade, é o rico, que tem mais potencial de consumo. O pobre acessa produtos de baixa qualidade, os ultraprocessados, de gordura vegetal, saturada, miojo, batatinha, salgadinho, o suco que a mãe está dando para o filho. O rico vai comprar água de côco em garrafa de vidro e está tudo bem. Ele está preocupado se aquele vidro vai para a reciclagem ou não? Não está nem aí. Gera mais resíduos e não faz questão nenhuma de contribuir. Já vi muitos casos de gente com nível superior, de grana, sem fazer a separação do resíduo em casa. Assim, como já vi pessoas mais humildes que fazem a compostagem em casa. Em Santiago, cidade que estou pesquisando, entrevistei 200 pessoas e a maioria faz compostagem sem ter nem incentivo da prefeitura. Perdemos esse contato com a natureza, com a terra. A gente foi ficando muito urbanizado. 


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Edição: Ayrton Centeno