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Coluna

A Colheita se define na semeadura

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19ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico do MST gaúcho será comemorada neste dia 18 de março - Divulgação
Na festa de colheita o que se desenha é um projeto de Brasil. E isso sim, vale uma luta

O grande fato da semana, na minha leitura, é a Festa da Colheita do Arroz Agroecológico do MST gaúcho. E vamos falar sobre ela.

Mas antes, um comentário sobre o plantar e o colher.

As ações de plantio, se não vierem a ser frustradas pelo vasto conjunto de eventos que se impõe aos desejos e ilusões humanas, sempre levarão à resultados qualitativamente pré-estabelecidos.

As colheitas, em sua natureza, não podem se afastar do que foi deflagrado no momento da semeadura. E isso tem se provado como algo independente do que se esconda nos discursos e suas intencionalidades.

Há uma espécie de metabolismo operando no desenrolar de processos deste tipo, e a sabedoria popular é repleta de advertências e aconselhamentos que tratam disso.

Citando alguns casos:

“Desde os primórdios da humanidade, o ato de semear, cultivar e colher tem mudado a forma como o homem se relaciona com o mundo.” 

ou

“A semeadura é opcional, a colheita é certa”; “Você sempre colherá mais do que plantou”;  “mais importante do que a colheita, é a semeadura”...

“Na colheita se revelará o que foi semeado.”

Enfim, “gentileza gera gentileza” e “quem semeia ventos, colhe tempestades”.

Eu gosto especialmente desta frase: “O que semearmos aqui, retornará multiplicado em outras dimensões”.

E é a partir dela que ao final deste texto chegaremos na festa da colheita do arroz orgânico do MST.

Mas antes, vejamos algo sobre o plantio e a colheita do medo, do ódio e das intolerâncias.

Nesta semana a grande mídia nos chegou repleta de notícias sobre brasileiros tolos, que acompanhando mercenários de várias partes do mundo, acorreram à Ucrânia, para brincar de guerra.

O que pensavam que iriam fazer por lá?

Tanto faz. Na real foram ajudar na continuidade de uma guerra que, sem isso poderia ser abreviada.

E por quê? Ao que parece, porque caíram na armadilha da colonização de mentalidades fracas.

É típico, mentes desejosas de atenção e brilho, que aspiram mais do que merecem, e sabem disso, são facilmente induzidas a aventuras rocambolescas.

Pois bem, pessoas deste tipo, ignorando que no presente a terceirização de sacrifícios invadiu o negócio da guerra, e querendo ser heróis de gibi, toparam virar bucha de canhão. Atraídos por algum tipo de ilusão de glória, se juntaram, como que “por esporte”, a profissionais da guerra. Pensaram, talvez, poderem se equiparar a mercenários contratados a peso de ouro (fala-se em R$ 10 mil por dia), gente de outro tipo, gente disposta a unir oportunidade de remuneração à possibilidade de extravasamento, impune, de impulsos bestiais. Se incorporaram, filhotinhos mimados, a alcateias de milícias internacionais dispostas a matar pelos dois lados de qualquer guerra.

Assim, nossos patetas iludidos por fantasias desenhadas por mídias irresponsáveis, talvez imaginando entrar para a história como aqueles componentes das brigadas Internacionais que acorreram à Espanha para lutar contra o fascismo, embarcaram para a Ucrânia. De fato, durante a guerra civil espanhola (1936-1939), pessoas altruístas ao extremo, incluindo alguns brasileiros se jogaram de corpo e alma em defesa de sementes de igualdade cultivadas em uma república democrática que vinha sendo esmagada pelo fascismo de Franco. Se deram mal. Foram traídos, abandonados e morreram em sua maioria. Mas agora a coisa é muito diferente e, além disso, os aventureiros desta guerra são farinha de outro tipo. Não passam de protofascistas que em nada se assemelham àqueles 10 mil brigadistas que morreram em atitude generosa que Hemingway retratou no épico “Por quem os sinos dobram”.


Cartaz da época com a célebre frase de Dolores Ibarruri (LA Pasionaria): “¡Para vivir de rodillas, es mejor morir de pié!” e “¡No pasarán!” / Reprodução

A atratividade dos mecanismos de cooptação adotados na terceirização das guerras atuais tem sido suficiente, segundo a embaixada da Ucrânia, para que (mesmo sem auxílio financeiro), centenas de brasileiros manifestem interesse em morrer longe de casa.

Para isso, são especialmente úteis aquelas imagens do tipo pega-bobo, que se levadas a sério não resistem a qualquer lógica. Vejam por exemplo o caso da empresária bonitona, que teria deixado sua loja de jóias e pegou em armas, para festejar o Dia Internacional da Mulher na frente de batalha. "Provavelmente o melhor 8 de março da minha vida. Quando você é parabenizado simultaneamente por 100 homens e militares" teria declarado a Srta. Emerald Evgeniya, chamada de “Joana d´Arc ucraniana” por segmentos da imprensa internacional.


Ucraniana diz que deixou lojas de jóias para lutar na guerra / Reprodução

Este tipo de coisa deve ter influenciado aqueles brasileiros que para lá foram, no grupo de desmiolados que se deixou levar por impulsos infantis. No mundo real, além de facilitar a derrota dos seus novos companheiros, ao postarem fotos permitindo que o GPS do celular indicasse posições para bombardeios inimigos, devem estar percebendo, agora, que foram enganados e que jamais serão os mesmos.

Frases inicialmente heroicas e valorosas, que de lá vinham, anunciando disposição a grandes feitos, estão agora dando lugar a mensagens de terror e desalento. Coisas do tipo “É incrível como são descuidados e estúpidos os ‘voluntários’ brasileiros na legião estrangeira”, carregando fotos no Instagram para ganhar curtidas e, por causa disso, os russos atacaram o acampamento.” “Ou, mais objetivamente: “a gente saiu correndo”..., “todo mundo morreu”..., “não imaginava o que era uma guerra”.

Estão colhendo o que plantaram. Mas não apenas isso, ajudaram no avanço do caos que se estende aos quintais de todos. Contribuíram para alimentar o inferno na terra. Com isso, chegamos a uma safra de horrores que já provoca, quem sabe, a maior de todas as ondas migratórias da história, que já supera os 3 milhões de refugiados. Acelera-se assim o espectro da fome, se somando à peste e ao avanço global do fascismo.

E é neste quadro de insegurança alimentar com que esta guerra já ameaça o mundo, que voltamos à colheita do arroz e aos ditados da sabedoria popular.

“Apenas semeando amor, não precisaremos ter medo do que iremos colher..."

Pois é bem este o sentido da 19ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico do MST gaúcho, comemorada neste dia 18 de março.

Ela simboliza o oposto de todas as guerras. É uma festa de partilha que envolve elementos de alegria extensivos das pessoas a todos os seres vivos que habitam naquele território conquistado pelo espírito da solidariedade. Ali, com a eliminação do uso de venenos, foi cancelada esta guerra estúpida, da agricultura contra a natureza, que avança contaminando solos, águas e espíritos, alimentando a fome e a miséria na maior parte do território nacional.

Adotando princípios da agroecologia, aqueles agricultores substituíram/eliminaram o modelo dependente de agrotóxicos e insumos químicos importados, que vigora no agro pop. Ali vigoram itinerários técnicos desenvolvidos por eles mesmos, em 15 anos de cuidadosas experiências e observações. Neste processo, que cresce de forma autônoma e praticamente sem apoios oficiais, aquelas famílias estão a indicar para a sociedade que, com o apoio de políticas públicas adequadas, créditos para pesquisa, e fortalecimento de uma agricultura familiar e camponesa amistosa, poderemos vencer a fome e avançar rumo à soberania alimentar com proteção à saúde humana e ambiental.

Na festa de colheita o que se desenha é um projeto de Brasil. E isso sim, vale uma luta.

Entre as implicações salta aos olhos a importância de conscientização da sociedade e das articulações nacionais em defesa de um Brasil de Fato, para todos.

Vejam que a disputa entre a PNARA (PL6670/2016) e o pacote do veneno (PL6299/2002) bem como o avanço das maldades contidas no pacote da destruição resultarão terríveis se não forem enfrentados de imediato. O Ato pela Terra é um exemplo do que isso pode vir a significar. Precisamos tomar o destino em nossas mãos, fugir das mistificações e semear a verdade, avançando no rumo dos bons sentimentos e dos bons conselhos. 

Os mercenários de aluguel e os tolos travestidos de cientistas, políticos e formadores de opinião, que negam e tentam ocultar esta realidade, precisam ser desmascarados, e a divulgação da festa da colheita cumpre papel essencial neste sentido.

Aqui se revela, na forma de realidade concreta, que um mundo novo é possível. Em 2022 vamos necessitar do empenho de todos, para que a sociedade tome conhecimento e faça parte de um esforço de reconstrução nacional, levando em conta o que se passa, de fundo e de simbólico, nesta festa da colheita.

Neste pais riquíssimo onde por ações e omissões de um governo especializado em matar, estamos chegando aos 700 mil óbitos por covid, e já contabilizamos 65 milhões de pessoas sub alimentadas, enquanto o agronegócio predador avança sobre a natureza, com a conivência de parlamentares golpistas e exterminando bilhões de seres que sequer conhecemos, vale retornar ao livro de Hemingway. Na Festa da Colheita aquela frase ecoa: “não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko