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Fernando Morais: biógrafo ou roteirista de cinema?

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Fernando Morais, autor do livro "Lula, volume 1: Biografia”. - Reprodução
[...] o livro de Morais é, para além de mero texto biográfico, uma obra sobre a História do Brasil.

Este artigo é sobre um livro e duas pessoas: Fernando Morais e Lula. O livro é, como de esperar, o primeiro volume da biografia deste por aquele, recentemente lançado pela Companhia das Letras. O texto de Morais, embora obviamente uma biografia, ultrapassa os limites do gênero. Há drama, há pesquisa histórica, há jornalismo, há literatura, há até humor sarcástico. A biografia de Lula segue o estilo de outras já consagradas, com a diferença de que se trata, inegável e felizmente, de uma peça política, lançada às vésperas da eleição mais importante da história do Brasil.

Quando estive com o livro em mãos, pensei: “deve contar a história de Lula desde o início, sua infância pobre no interior de Pernambuco, a relação conflituosa com o pai, a admiração pela mãe, o pau de arara até São Paulo...”. Uma história admirável e comovente, mas que todos sabemos (sobretudo os que estamos à esquerda do espectro político) de cor e salteado. Que ledo engano!

O livro começa em ritmo frenético e cativante, descrevendo os momentos mais tensos da prisão arbitrária de Lula pelo ex-Juiz Sérgio Moro. Os bastidores do sindicato dos metalúrgicos, a espionagem por parte da Polícia Federal, as negociações com os delegados, o turbilhão de informações que levaram o Presidente a se entregar naquele momento e a confiar que a justiça fosse feita no futuro. Tudo isso com estilo de narrativa leve e convincente, simples e bonita, ao mesmo tempo precisa e envolvente. Em LULA, a biografia, a ordem cronológica é substituída pela ordem lógica. Morais expõe o quebra-cabeça atordoante do lawfare praticado por certos agentes da Lava-Jato e somente depois explica como aquelas peças foram parar ali.

É evidente que o livro de Morais é, para além de mero texto biográfico, uma obra sobre a História do Brasil. Nela, encontram-se importantes passagens da fundação do maior partido de esquerda do hemisfério sul, o PT, com todos os meandros políticos e pessoais que uma empreitada dessa envergadura engendra. É algo reconfortante relembrar quantas pessoas extraordinárias e quantas ideias grandiosas estiveram por trás da formação do Partido dos Trabalhadores.

A modéstia é uma das características do mineirinho Fernando Morais. Quem o vê dando entrevistas, com sua fala pausada, com a voz já um pouco cansada, apontando aqui e ali como quem não quer nada algumas características de suas obras, não imagina o quanto seus livros – mesmo sendo em boa parte biografias – são verdadeiros thrillers. Não à toa vários de seus livros já viraram filmes: Chatô, Olga, Corações Sujos, Os Últimos Soldados da Guerra Fria, todos já foram parar nas telonas.

É também por isso que a biografia de Lula é tão interessante: ela revela muito sobre o maior presidente que o País já teve, mas revela quanto o mesmo tanto sobre o seu biógrafo. Fernando Morais é jornalista, biógrafo, historiador, político, blogueiro, roteirista e, sobretudo, um curioso. Quando terminei o livro, peguei-me pensando “Acho que a modéstia de Fernando Morais não lhe vai permitir escrever uma autobiografia... Quem então escreverá a biografia do biógrafo?”.

 

*Mozart Grisi Correia Pontes é diplomata.

**As opiniões expressadas pelo autor não necessariamente coincidem com a posição do Ministério das Relações Exteriores.

Edição: Heloisa de Sousa