Rio Grande do Sul

PAPO DE SÁBADO

“Tenho receio real de um atentado contra Lula”, diz Leonel Radde

Para o vereador e policial, a expansão do bolsonarismo impulsionou grupos neonazistas e animou as redes de ódio

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Leonel Radde elegeu-se vereador de Porto Alegre na condição de “policial antifascista” - Divulgação/Câmara

Nos últimos dias, o vereador de Porto Alegre Leonel Radde (PT) foi notícia nacional por duas vezes. Ambas por ameaças de morte que recebeu contra si próprio, a deputada federal Maria do Rosário, também do seu partido, o ativista do movimento negro, Antonio Isuperio, e o ex-presidente Lula.

"Vamos te matar, seu lixo. Sua cara vai ficar cheia de balas", avisaram. Marcaram até data para o assassinato, o dia 31 de outubro. "Se prepara, você, Lula e o Isupério estão ferrados, vamos acabar contigo, seus vermes, lixo, macacos de merda”, anunciaram. Os ataques vieram após Radde denunciar uma loja por vender produtos com símbolos nazistas.

Na quinta-feira (31), nova ameaça. Um internauta identificado como “Fábio Luis” postou em um grupo de militares e ex-militares no Whatsapp sua disposição de assassinar Lula caso Jair Bolsonaro prometa ajuda a sua família. O que Radde considerou “extremamente grave” uma vez que os integrantes do grupo “têm acesso a armas de fogo e treinamento”.

Formado em Direito e História, mestre em Direito na área de Direitos Humanos, Bacharel em Direito com pós-graduação em Direito Penal, Radde elegeu-se na condição de “policial antifascista” como ostenta nas suas camisetas. Candidatou-se a vereador após sofrer “uma série de perseguições dentro da polícia” e questionando o fato de a esquerda não dialogar sobre segurança pública.

Raro exemplo de policial com postura de esquerda, o vereador é também aikidoka – praticante da arte marcial japonesa Aikido – ex-ator, vegetariano, zen budista e militante contra o racismo, a misoginia e a homofobia. Nesta conversa com Brasil de Fato RS, ele fala sobre seu trabalho mapeando neonazistas e suas preocupações com a segurança de Lula.

Brasil de Fato RS - Você foi ameaçado de morte por grupos de extrema-direita. Conta com proteção policial por conta disso?

Leonel Radde - Esta é uma informação sensível. Se, a partir das ameaças, eu conto com proteção policial. A gente não pode declarar assim. O que posso dizer é que a gente tem tido cuidados redobrados e que temos sim um suporte da Polícia Civil.

BdF RS - Você coordena a operação Bastardos Inglórios, que é um canal de denúncias tocado em parceria com a autoridade policial. Fale um pouco sobre a tarefa do canal.

Radde - Temos feito uma operação que é a Bastardos Inglórios. É o monitoramento de redes de ódio, exposição destas redes e encaminhamento para a polícia. É a maneira que a gente tem atuado, através de denúncias que chegam no nosso número de celular, tanto WhatsApp quando Telegram que é o 51 9967 76718. Nossas redes sociais também recebem as denúncias e fazemos busca ativa. Dialogamos com (a pesquisadora de grupos neonazistas) Adriana Dias, da Unicamp, que também nos repassa alguns dados. Checamos e encaminhamos para as autoridades competentes, para a polícia e ainda expomos nas redes sociais.

Grupos neonazistas do Sul utilizam as mesmas simbologias dos ucranianos

BdF RS - Já em 2016, a polícia gaúcha investigava um agrupamento neonazista que recrutava mercenários ou voluntários para combater na guerra civil da Ucrânia ao lado da ultradireita ucraniana. O que pode dizer sobre esta prática de recrutamento no Rio Grande do Sul?

Radde - Não temos muitas informações, mas sabemos que boa parte dos grupos neonazistas do RS tem vinculação com os grupos ucranianos, inclusive com as simbologias que eles utilizam em comum como o Sol Negro, Runa de Odal. Então, eles dialogam diretamente com estes grupos ucranianos, trocam informações e seguem a parte mais estética. Em termos de recrutamento, nenhuma informação chegou para a gente.


Leonel Radde recebe ameaças de morte de nazistas, que prometem ainda matar Lula / Reprodução

BdF RS - Este recrutamento teria a ver com a existência, nos anos 1930 do século passado, de um forte movimento de apoio à Alemanha nazista entre os imigrantes alemães do Sul do Brasil?

Radde - A gente sabe que o Sul do país, o Rio Grande do Sul inclusive, teve grande influência alemã e italiana. Estas raízes permanecem nesta lógica de simpatia à pauta neonazista ou a pautas fascistas em algumas regiões. Tem relação, claro, com o que aconteceu na década de 30. Foi permanecendo no inconsciente e, agora, com o avanço do bolsonarismo, estes grupos se sentem mais empoderados.

Existem mais de 500 grupos neonazistas no Brasil

BdF RS - Quantos grupos neonazistas atuam no Rio Grande do Sul e no Brasil?

Radde - No Brasil, temos um cálculo de mais ou menos 540 grupos. No Rio Grande do Sul, identificamos pelo menos 40 militantes de diversas células. Existe uma estimativa de que teríamos em torno de 40 grupos, mas não tenho este dado tão específico. A gente fez a identificação destes indivíduos. Alguns dialogam entre si, outros fazem parte de outras organizações, mas existem atuações um pouco diferentes. Alguns atuam de uma forma mais como gangues, aquela atuação mais clássica skinhead, de gangues e tal. E outros atuam mais na deep web, na internet através da propagação de discurso de ódio e ações do tipo terrorista.

BdF RS - Tais grupos podem representar uma ameaça em uma campanha eleitoral que será muito polarizada em 2022? O que você teme?

Radde - Estes grupos neonazistas já representam um risco real neste processo eleitoral. Alguns foram desarticulados já organizando ataques a escolas para fazer alguma situação mais extremada e causar um pânico. E alguns deles, nestes grupos de motociclistas e atiradores etc., muitos até vinculados à criminalidade mais comum, estão articulando sim, atos de violência neste processo eleitoral. Não se resume só aos grupos supremacistas e neonazistas. É uma lógica da extrema direita.

Por motivo de segurança, não deve haver acesso irrestrito a Lula

BdF RS - Qual seria o peso da ascensão do bolsonarismo na expansão das ideias nazifascistas e na estruturação de coletivos armados?

Radde - O peso da ascensão do bolsonarismo tem relação direta com a expansão destes grupos e a propagação do discurso de ódio porque eles se sentem empoderados com os discursos do Bolsonaro, que tem uma lógica fascista. Tem uma forte ligação, comprovadas por cartas que o Bolsonaro enviou a estes grupos, por apoio que eles fizeram ainda em 2011, um vídeo de apoio dos neonazistas ao Bolsonaro em São Paulo. Esta situação do descontrole do desarmamento é, nitidamente, uma forma de criação de milícias armadas para causar caos.

BdF RS - Você teme um atentado contra o Lula durante a campanha? O que sugeriria para o pessoal da segurança do ex-presidente?

Radde - Sim, eu tenho um receio real de um atentado contra o Lula. Acredito que a organização da campanha também tenha este receio. Sugiro que o Lula não transite em demasia pelo país (ou) que tenha o máximo cuidado quando fizer isso. E que não haja acesso irrestrito a ele e que a gente continue monitorando a movimentação destes grupos.


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Edição: Katia Marko