Rio Grande do Sul

Educação

Fechamento de creche da UFRGS causa insatisfação entre servidores da universidade

Com quase 50 anos de história, espaço será transformado na Casa do Estudante Indígena

Sul 21 |
Desde a semana passada, antiga creche abriga estudantes indígenas com seus filhos - Foto: Alass Derivas

A reivindicação da Casa do Estudante Indígena da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) parece estar encaminhada. Depois de atravessarem o mês de março pleiteando uma definição para a antiga demanda, desde a semana passada a solução enfim tomou forma. A UFRGS ofereceu o espaço da creche da instituição para abrigar a futura casa do estudante e, na última quarta-feira (30), durante vistoria do local, cerca de 30 estudantes indígenas com seus filhos decidiram já permanecer na área.

A solução encontrada pela universidade para atender a demanda dos estudantes, todavia, abriu outra frente de reivindicação. Agora são os funcionários da UFRGS que começam a criticar o fechamento da creche e exigir sua criação em outro local. Há o cuidado dos trabalhadores em não reclamar da criação da Casa do Estudante Indígena e o discurso é de que ambas as demandas são justas e devem ser atendidas.

Localizada no Campus Saúde, a creche da UFRGS, batizada de Creche Francesca Zacaro Faraco, fechou as portas durante o começo da pandemia do novo coronavírus, em março de 2020, e desde então não voltou a funcionar plenamente. Nos últimos meses, apenas funcionários frequentavam o espaço, e foram surpreendidos pela decisão da Pró-Reitora de Assuntos Estudantis em transformar o local em casa do estudante.

Aberta há quase 50 anos, a creche já enfrentava problemas antes da crise causada pela pandemia. Segundo Maristela Piedade, coordenadora jurídica do Sindicato dos Técnico-Administrativos da UFRGS, UFCSPA e IFRS (ASSUFRGS), a possibilidade de fechamento da creche existe desde 2017. Uma das razões é o fato do último concurso para funcionário técnico-administrativo da universidade ter sido em 1994. Desde então, as contratações são somente de funcionários terceirizados e, a partir de 2017, mesmo essas contratações diminuíram.

“A gente já estava vislumbrando que a intenção do reitor na época, o Rui Opperman, era de fechar a creche. Naquela época, os professores e os pais que tinham crianças e filhos na creche, a Asssufrgs, fizeram protestos em defesa da creche, e foi se empurrando a demanda pra mais adiante. Os editais diminuíram, a quantidade de crianças que entrava já não era mais a mesma de antes. Daí houve a pandemia e a creche ficou fechada por causa do distanciamento social, com a maioria dos trabalhadores atuando remotamente”, explica Maristela.

Servidora da Faculdade de Farmácia, ela enfatiza a legitimidade da luta dos alunos indígenas da UFRGS por terem uma casa do estudante, para que eles possam cursar a universidade com tranquilidade e também como forma de respeito à comunidade indígena. A questão, diz, é que uma demanda não pode se sobrepor a outra.

“Claro que a gente defende a casa do estudante indígena. O que acontece, que nós da ASSUFRGS pensamos e os técnicos da UFRGS de forma geral, é que a gente não tem que decidir pela creche ou a casa do estudante indígena. Nós temos as duas demandas, e nós temos espaço para as duas demandas. O que se pede é que seja feito um estudo de espaço físico dentro da universidade e que se atenda as duas demandas, que tenha sim a casa do estudante indígena, e que tenha sim a creche pra atender a comunidade de estudantes, professores e técnicos. Então, a gente vai lutar pelas duas coisas. A comunidade apoia a casa do estudantes indígena e a comunidade demanda uma creche que seja próxima do trabalho das mães, que nossas crianças sejam bem atendidas. A gente precisa das duas coisas e vamos lutar pelas duas coisas”, afirma a coordenadora jurídica da ASSUFRGS.

Maristela chama de “interventor” o atual reitor da UFRGS, Carlos Bulhões, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) mesmo não tendo vencido a eleição interna da universidade. Para ela, Bulhões é “apático” às demandas sociais existentes na universidade.

“Uma reitoria que faz uma proposta dessas, de tirar creche de mães trabalhadoras, dos técnicos, de estudantes que poderiam colocar seus filhos na creche pra conseguir ter um tempo de qualidade no trabalho e nas aulas, é uma Reitoria apática as demandas sociais da universidade. O Bulhões não presta a atenção que deveria na sua comunidade acadêmica, tanto é que fez uma proposta que, pra nós, é o retrato mesmo da intervenção na UFRGS, da falta de cuidado que ele tem com a comunidade acadêmica. É uma Reitoria que não não tem conversa. Só dele fazer essa proposta já demonstra o absurdo que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na sua grandeza, está vivendo”, lamenta a servidora da Faculdade de Farmácia.

Boas lembranças

Também servidora técnica na Faculdade de Farmácia, Carla Rosane Dias da Silva usufruiu da facilidade da creche da UFRGS durante seis anos, entre 2007 e 2013, período em que seu filho ficou aos cuidados dos funcionários do espaço. Foi, inclusive, a última turma que fez o ciclo completo de seis anos dentro da creche – com a reforma do ingresso na 1ª série, o período total diminuiu para cinco anos.

Carla recorda que trabalhar com o filho por perto foi uma tranquilidade e uma segurança. Ela até mesmo podia se deslocar para amamentar a criança. “Eu sabia que estava bem cuidado, que estava logo ali perto, além de toda a questão logística e emocional, sem falar do lado financeiro”, conta.

A técnica em laboratório da Faculdade de Farmácia diz ter ficado surpresa com a decisão da Reitoria em acabar com a creche, um espaço do qual guarda ótimas lembranças. “Para mim, a creche era tudo de bom. Era como se tivesse uma ‘babá particular’. Isso para nós é um orgulho, como servidor”, afirma Carla, destacando com carinho a história de décadas da creche. “Todo mundo tem uma boa história de lá.”

Atualmente, ela conta ter três colegas com filhos pequenos em idade de ir para creche. De acordo com a universidade, o espaço está desativado desde o ano passado e a demanda “passou a ser atendida pelo Município de Porto Alegre”.

A UFRGS também informa que o fechamento da creche atendeu orientação jurídica. “As atividades da creche da UFRGS foram extintas em razão de não estarem alinhadas às atividades-fim da Universidade, atendendo assim a orientação jurídica recebida.”

Apesar das justificativas da universidade, Maristela Piedade, coordenadora jurídica da ASSUFRGS, diz que a luta pela criação de uma nova creche deve continuar.

“A nossa luta não é contra o estudante indígena ocupar o espaço da creche. A nossa luta é contra a intervenção dentro da UFRGS. A luta da ASUFRGS pela creche se soma à luta dos estudantes indígenas pela demanda da casa estudante indígena. Então nossas lutas não são conflitantes de maneira nenhuma. Nossa luta é junta. Nossa luta é somada contra o reitor interventor Bulhões.”

Edição: Sul 21