Rio Grande do Sul

Seca no sul

Ações anunciadas não dão conta de necessidades de atingidos pela estiagem, afirmam agricultores

Expectativa de produtores do RS, SC, PR e parte de MS é frustrada por ações anunciadas até o momento pelo governo

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Perdas consolidadas na estiagem não têm possibilidade de recuperção para os pequenos agricultores - Arquivo MPA

“Quase nada” é como o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) Frei Sérgio Görgen qualifica as ações anunciadas pelo governo federal no que diz respeito aos efeitos causados pela seca prolongada que atingiu o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e parte do Mato Grosso do Sul desde meados de 2021, a mais severa em pelo menos meio século. Görgen explica que os recursos disponibilizados – R$ 1,2 bilhão – ficam muito aquém da necessidade dos afetados nos quatro estados contemplados pelo decreto 11.029, publicado em 4 de abril.

“Para minimamente atender as necessidades dos pequenos agricultores e agricultoras, que de fato produzem o alimento que chega às mesas dos trabalhadores e trabalhadoras urbanos, seria necessário dez vezes o volume de recursos anunciados", afirma Görgen.

Segundo ele, serão necessárias novas mobilizações da parte do setor para pressionar por condições mínimas para a classe recuperar as condições de subsistência e viabilizar investimento na produção de alimentos. “Essa é uma necessidade de toda sociedade, pois o que estamos vendo acontecer com a inflação dos alimentos nos mercados e feiras nas cidades é diretamente proporcional ao descaso e abandono praticado pelos governos em relação à agricultura familiar e camponesa”, ressalta.

O economista Gerson Teixeira, que assessora a bancada federal do Partido dos Trabalhadores, também aponta para essa mesma análise: os recursos são insuficientes e as ações não são efetivas frente a necessidade dos agricultores e agricultoras camponeses e familiares. “Na verdade o rebate a ser dado será de 35,2%, e não de ‘até 58,5%’, conforme noticiou o Ministério da Economia”, afirma Teixeira, acrescentando ainda que, “no caso do custeio, o rebate será aplicado apenas para a quitação da dívida, enquanto para investimento o rebate se dará sobre a parcela vencida ou vincenda”.

Tanto no custeio como no investimento, o vencimento das operações/parcelas para acesso ao desconto abrange o período de 1º de janeiro de 2022 a 30 de junho de 2022, sendo que devem ter sido contratadas até 31 de dezembro de 2021.

“Considerando somente o período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2021, temos que o número e valor dos contratos de 'custeio agrícola e pecuário' com recursos do Pronaf nos quatro estados ‘beneficiários’ foram, respectivamente, de 319 mil, e R$ 14,6 bilhões”, aponta. Em relação a essa amostra limitada, o valor do crédito extraordinário previsto para o rebate (R$ 1,2 bi) corresponde a 8% do valor total do custeio firmado pelo Pronaf em 2021. Não bastasse esse aspecto, ainda há que se ressaltar que muitos contratos têm vencimento posterior a julho, ficando impedidos de acessar o recurso.

Se campo não planta, a cidade não almoça e não janta

Para o professor Lari Hofstetter, dirigente do MPA em Arroio do Meio, as consequências da grave estiagem que assolou o RS e demais estados do Sul estão sendo subestimadas pelos governos estadual e federal, assim como a extensão das consequências que estão sendo notadas há meses nos preços praticados pelo mercado. “A causa principal dos aumentos está na falta de investimentos para quem produz. Atualmente o governo federal tem obstaculizado a busca de recursos mais baratos para a produção de comida”, afirma.

Para o dirigente camponês, com investimentos dessa natureza toda a população brasileira estaria ganhando, pois, poderiam ser produzidos alimentos bem mais baratos.

Acerca das medidas anunciadas pelo governo Bolsonaro, Hofstetter é pontual: “Nós, enquanto MPA, repudiamos esse pequeno e insignificante percentual. As consequências logo estarão aí. A inadimplência aumentará e por extensão ainda serão aplicados menos recursos em uma área que trata da produção de alimentos”.

Outro fator que deve ser denunciado, segundo ele, “é do conhecimento de todos que o Governo retirou todos os programas que haviam no Ministério da Agricultura” e que atendiam à classe familiar e camponesa. “Na próxima safra haverá menos investimentos para o setor, o que acarretará com certeza muito mais fome e miséria em nosso vasto país”.

Já da parte do governo do estado, Hofstetter afirma que ainda está esperando por medidas concretas, pois até o momento tem sido omisso com as necessidades dos agricultores e agricultoras.

Mobilizações se fazem necessárias

Gerson Teixeira explica que “para ter direito ao rebate o agricultor terá que provar que perdeu pelo menos 35% da receita bruta esperada”. Para ele, o decreto é compatível com o desprezo desde sempre demonstrado pelo governo Bolsonaro em relação à agricultura familiar. “Mais que desprezo, chega mesmo a ser ofensivo dada a defasagem entre os discursos e os contornos pífios e restritivos dos termos do decreto para o enfrentamento da dura realidade que resultou dos efeitos socioeconômicos da seca extrema que afetou os estados objeto do decreto”.

Ainda segundo a nota técnica redigida por Teixeira para a bancada do PT na Câmara, os agricultores de maior porte tiveram prejuízos mitigados pelo seguro rural, outros instrumentos, ou absorvidos pelos próprios graus de capitalização e riqueza. Enquanto isso, “a agricultura familiar, sem seguro, com o Proagro praticamente extinto, e com a pobreza aprofundando neste segmento social, enfrenta dificuldades de sobrevivência e muito mais de recuperação das suas condições produtivas”.

O economista aponta que “diante da insignificância das medidas do governo Bolsonaro, devem ser intensificadas as lutas pela regulamentação da Lei Assis Carvalho II e pela aprovação do PL nº 19, de 2022, que trata não apenas do enfrentamento dos desastres da seca, mas também, da destruição produtiva provocada pelas enchentes em outras regiões do país".

Frei Sérgio concorda: "os pequenos nunca conquistaram nada sem luta, devemos estar preparados e organizados para novas mobilizações reafirmando que quem alimenta o Brasil exige respeito".

Para conhecer a íntegra do decreto e todas as condições para alcançar o recurso, acesse esse link.


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Edição: Marcelo Ferreira