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Artigo | Porto Alegre deixou de comemorar sua democracia participativa (parte 3)

Projeto neoliberal contra a democracia participativa quer transformar a capital gaúcha em cidade-mercadoria

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Região do entorno da Orla do Guaíba está cada vez mais valorizada e atrai atenção de mega projetos. Perigo de exclusão dos mais pobres é real - Foto: Luiza Castro/Sul21

A trajetória de Porto Alegre, marcada pela construção da democracia participativa, vem sofrendo claramente um retrocesso. Como visto, essas perdas são verificadas por indicadores internacionais de avaliação dos regimes políticos, num continuum democratização-e-desdemocratização.

Esta é o 3º artigo da série sobre o retrocesso da democracia em Porto Alegre
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O tripé da participação institucional de Porto Alegre sofreu transformações nas quatro dimensões usadas para avaliar as democracias, quais sejam: Amplitude da participação (diminuição das oportunidades de participação com exclusão política de comunidades territoriais, organizações e movimentos sociais); Promoção da igualdade (desequilíbrio anti-redistributivo em função da não alocação de recursos para demandas nas regiões mais necessitas de infraestrutura e serviços); Proteção (retorno de práticas clientelistas causando constrangimentos à participação livre e autônoma); Caráter vinculante das decisões (esvaziamento das instâncias de participação com perda de poder compartilhado na gestão pública e ataques à legitimidade democrática dessas instâncias).

Dessa forma, a trajetória virtuosa que colocou Porto Alegre no mapa mundial perde terreno e caminha na direção da desdemocratização. A cidade está caminhando para uma democracia liberal elitista e minimalista, modelo que sofre de grave crise de legitimidade no mundo e que está abrindo espaços para o conservadorismo de extrema-direita. Isso vem ocorrendo porque a implementação do modelo de cidade-mercadoria, restrito ao comando das elites, corresponde à implementação do projeto neoliberal de desenvolvimento urbano, socioeconômico e ambiental em Porto Alegre.

Trata-se da reação das elites econômicas e políticas para restaurar seu poder na cidade após um longo período hegemonizado por forças democratizantes quanto à inclusão social e à cidadania ativa. Após uma primeira fase marcada pelo projeto social-liberal, com a Governança Solidária, a implementação do modelo ultraliberal de cidade-mercadoria se intensificou e passou a se chocar com a ampla rede da democracia participativa até então construída pela cidade. Essa rede de participação está ligada as funções de alocação de recursos, aferição de prioridades estratégicas, às decisões de políticas setoriais e às formas de uso e ocupação do solo urbano e responsabilidade ambiental.

Nesse sentido, considerando o caráter do projeto privatista e mercadófilo que está sendo implementado em Porto Alegre, é possível compreender seu caráter autoritário. Isso porque o conteúdo antipopular do projeto neoliberal não pode ser viabilizado mantendo-se a democracia participativa em alta rotação e pleno funcionamento, sem provocar choques com ela. Ao mesmo tempo, fica claro que essa coalizão pró cidade-mercadoria se beneficia do contexto nacional autoritário vivido desde o golpe de 2016, e que foi reforçado em 2018, quando a partir de Bolsonaro vem ocorrendo a desconstrução das políticas urbanas, a extinção de políticas redistributivas e o fechamento de instâncias de participação.

Daí porque a resistência necessária ao projeto neoliberal de cidade e de país é ao mesmo tempo de caráter democrático, em sua forma, e popular, em seu conteúdo. A esse processo de perda democrática em Porto Alegre vem ocorrendo resistências por parte de diversos atores da sociedade civil, de movimentos sociais, de membros de conselhos, de vereadores, de grupos acadêmicos e de partidos políticos comprometidos com a democracia e a participação cidadã. Mas fica em aberto até que ponto esse arco social e político conseguirá bloquear o intenso avanço do projeto ultraliberal e autoritário que é antagônico à reforma urbana e ao direito à cidade. Para isso é necessário maior articulação e capacidade de mobilização popular.

* Luciano Fedozzi é professor titular do Departamento de Sociologia da UFRGS e pesquisador do Observatório das Metrópoles ([email protected]).

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira