Rio Grande do Sul

MINISTÉRIO PÚBLICO

Investigação aponta 163 militares envolvidos em compras superfaturadas no RS

Linguiça, cebola e outros gêneros foram comprados com preços até quatro vezes superiores aos do mercado

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Contratos sob suspeição atingem R$ 25 milhões em compras para quartéis do Exército e da Marinha no Rio Grande do Sul - Foto: Reprodução

Cento e sessenta e seis pessoas – das quais 163 militares - são suspeitas de envolvimento em compras irregulares para quartéis do Exército e da Marinha no Rio Grande do Sul. É o resultado da apuração do Ministério Público Militar. Dos 163 militares, ao menos 18 são suspeitos de enriquecimento ilícito. Estes serão denunciados por “corrupção passiva”, como adiantou hoje (4) ao Brasil de Fato RS o promotor Soel Arpini, coordenador da Força Tarefa do MPM que investigou a fraude. Somados, os contratos sob suspeição atingem R$ 25 milhões.

“As irregularidades observadas - disse Arpini - se referem à compra de gêneros alimentícios perecíveis. A empresa que praticava as fraudes era a maior fornecedora de gêneros no Rio Grande do Sul para as Forças Armadas”.

Nem o nome das empresas – existe outra envolvida – e nem os dos supostos envolvidos no golpe estão sendo divulgados.

Linguiça e cebola superfaturadas

A descoberta do esquema fraudulento começou em Jaguarão, cidade na fronteira com o Uruguai. Lá, o Núcleo Regional de Pesquisa e Análise de Contas Públicas (NPAC), da Procuradoria da Justiça Militar, passou a analisar as compras e “observou irregularidades que sempre envolviam a mesma empresa”, explicou o promotor.

A Força-Tarefa do MPM estranhou, por exemplo, a compra de meia tonelada de linguiça onde foi pago o dobro do preço do mercado. Em seguida, em Quaraí, na mesma região, 36 toneladas de cebola foram adquiridas por valor quatro vezes superior ao praticado no município.

58 organizações militares

Já em 2018, na cidade de Bagé, também na Campanha gaúcha e onde Arpini está sediado, constatara-se sobrepreço de até 500% nas compras para as unidades militares. E indícios de licitações direcionadas, estelionato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha entre outros crimes.

Arpini afirmou que, comprovado o descompasso entre as compras e as notas apresentadas, foi quebrado o sigilo telefônico dos envolvidos e mais indícios surgiram. Ele atestou que, das 150 organizações militares sediadas no estado, 58 registraram irregularidades nas aquisições de alimentos.

“As irregularidades são praticadas por pessoas e não pelas instituições. Os agentes que cometeram as irregularidades estão sendo responsabilizados”, argumentou.

A “química” do negócio

“A participação de militares ocorreu na entrega dos gêneros, pois ocorria o que no jargão militar é conhecido como "química", a entrega de uma mercadoria por outra. Entrega banana, mas a nota fiscal registra cebola, porque a empresa parceira não venceu o item “banana”, ilustrou o promotor.

“Este sistema, que não controlava o que era efetivamente recebido, pois permitia estas práticas, foi utilizado por alguns militares para enriquecer”, apontou. “Eles pediam para a empresa algum repasse para si, a empresa transferia, emitia uma nota, e adicionava a margem de lucratividade”.

Arpini ainda notou que a empresa parceira era instada a pagar alguns prestadores de serviços, sendo um exemplo clássico a manutenção da câmara frigorífica. “Se o conserto deu R$ 2 mil - exemplificou - ela pagava ao prestador e emitia uma nota fiscal de um gênero que ela tinha ganho no pregão, adicionando o que a empresa chama nas mensagens de ‘margem de lucratividade’, um ágio de 30 a 35%, ou seja, a nota fiscal seria de, no mínimo, R$ 2,6mil”, explica.

Devolução dos valores

Segundo ele, ficou comprovado que, em alguns pregões, houve conluio entre dois grupos empresariais participantes, “que simularam disputar entre si, para que o preço de referência não tivesse deságio, sendo os ítens divididos entre pares e ímpares entre as empresas”.

O promotor ressaltou que, neste tipo de fraude, “não se identificou participação de militares”.

Por enquanto, dois suspeitos vinculados a uma das empresas implicadas fecharam acordos com o Tribunal de Justiça Militar, comprometendo-se a devolver os valores ilegalmente recebidos.

“Quem cometeu irregularidades, mas não enriqueceu, pode, querendo, firmar acordo de não persecução penal, sendo que uma das condições é ressarcir o dano”, explicou Arpini. E agregou: “Quem enriqueceu, será denunciado por corrupção passiva”.


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Edição: Marcelo Ferreira