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Guerra na Ucrânia: Rússia entre possíveis definições e novas frentes

Desdobramentos da operação militar russa e proximidade do feriado do Dia da Vitória redesenham rumos da guerra

Rio de Janeiro (RJ) |

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Manifestação em apoio à operação militar russa na Ucrânia, em Simferopol, Crimeia, em 7 de abril de 2022. - AFP

Cresce a expectativa de uma definição dos rumos da guerra na Ucrânia por parte do presidente russo, Vladimir Putin. A proximidade das comemorações do Dia da Vitória, em 9 de maio, pressiona Moscou a apresentar resultados da empreitada na Ucrânia, enquanto a região separatista da Moldávia entra em alerta para expansão da guerra para além das fronteiras ucranianas.   

Após recuar suas tropas do norte da Ucrânia e dos arredores da capital da Kiev, a Rússia anunciou a segunda fase do que classifica como “operação militar especial” no país vizinho, concentrando as forças sobre as regiões das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia.

Transnístria: região separatista pró-Rússia pode delimitar alvos do Kremlin

A região separatista pró-Rússia da Moldávia, a Transnístria, sofreu uma série de atentados na semana passada, gerando acusações de provocação de ambos os lados do conflito russo-ucraniano. E com isso, veio o temor de a guerra se expandir para a Moldávia, país que faz fronteira com a parte ocidental da Ucrânia.

O governo da Moldávia atribuiu os ataques a "forças internas que buscam provocar uma guerra e desestabilizar a situação". A chancelaria russa, por sua vez, classificou os incidentes como atos de terrorismo. 

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, também se pronunciou, acusando Moscou pelas explosões na região da Moldávia. Segundo ele, a Rússia estaria tentando desestabilizar a região e arrastar outros países para a guerra com a Ucrânia.

A Moldávia é uma ex-república soviética de 2 milhões e meio de habitantes, localizada entre a Ucrânia e a Romênia, e que pleiteia uma vaga na União Europeia. A Transnístria é uma região separatista do país, onde há um grupo operacional de tropas russas, implantado no território desde o colapso da União Soviética. As principais ações da força-tarefa são uma missão de paz e a proteção de depósitos militares.

Os temores na região cresceram depois que um general russo disse que a ofensiva do Kremlin visava criar um corredor terrestre através do sul da Ucrânia até a Transnístria.

Durante o anúncio da segunda fase da operação russa na Ucrânia, em 22 de abril, o comandante interino do distrito militar central da Rússia, major-general Rustam Minnekaev, declarou que a tomada de controle do sul da Ucrânia forneceria a Moscou "outra saída para a Transnístria". De acordo com ele, "houve casos de opressão da população de língua russa" na região separatista.

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O cientista político Pavel Usov, em entrevista ao Brasil de Fato, observa que os incidentes na Transnístria são tentativas de provocações que visam, de alguma forma, “desconectar possíveis subdivisões da Ucrânia com o Leste da Europa para romper as defesas” ucranianas. Ou seja, segundo ele, a tática de Moscou prevê reforçar uma cisão entre as regiões pró-Rússia e as fronteiras ucranianas.

De acordo com Usov, as provocações na região da Moldávia são um desdobramento do controle que a Rússia pretende estabelecer em territórios pró-Rússia para contornar fracassos de dominar regiões mais amplas da Ucrânia no começo do conflito.

O cientista político acrescenta que a estratégia militar russa tem como meta de curto prazo demonstrar um sucesso parcial na guerra em curso na Ucrânia. O prazo seria o feriado do Dia da Vitória, em 9 de maio.

“Eu não acredito que até o dia 9 de maio, independente da intensidade dos confrontos no leste da Ucrânia, será possível tomar completamente o território das regiões de Lugansk e Donetsk, e o que testemunha isso são as tentativas de provocações na direção de Transnístria nos últimos dias”, afirma Usov.


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“Eu não vejo hoje nenhuma prerrogativa para o alcance de êxitos mínimos. em nenhum plano. Êxito seria a tomada de amplos territórios com grandes cidades, antes de tudo no leste da Ucrânia e o estabelecimento de corredores da região de Kherson até a Transnístria, isto seria um programa mínimo [da estratégia russa]”, completa.

Já o cientista político e ex-presidente do Conselho de Ministros de Lugansk, Marat Bashirov, ao falar com o Brasil de Fato, reconheceu que a operação militar russa ocorre “de maneira lenta”, mas afirma que isso se deve ao fato de que Putin “deu a ordem aos militares russos para que protejam ao máximo a população civil”.

“Por isso vem sendo realizada a preparação de artilharia para ataques aéreos sobre agrupamentos de combatentes identificados, é verificado se ali existe uma população civil, se ela está coberta, então somente depois disso há a determinação de que as nossas tropas podem entrar no território com o apoio do equipamento pesado”, argumenta.

De acordo com Bashirov, se determinado território continua resistindo, “as tropas param novamente, recuam, estabelecem um cerco, e começa o processo de novo”.

9 de Maio: Putin pode definir rumos da guerra?

Estes desdobramentos acontecem às vésperas do Dia da Vitória, em 9 de maio, importante feriado nacional em que os russos comemoram a vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda guerra Mundial. A data também tem sido usada como um instrumento político por Vladimir Putin

A expectativa é que o pronunciamento do presidente russo indique os rumos da nova fase da estratégia russa e apresente vitórias da operação militar, hoje concentrada na região de Donbass, no leste ucraniano.  

O secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, declarou anteriormente à rádio LBC que "não ficaria surpreso" se Putin dissesse que a Rússia está agora "em guerra com nazistas de todo o mundo" e anunciasse a necessidade de um recrutamento em massa.

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De acordo com Wallace, o presidente russo pode abandonar o termo "operação especial" e declarar uma guerra em grande escala, já que ele disse anteriormente que as hostilidades na Ucrânia estão se transformando em uma "guerra por procuração" e "há nazistas não apenas na Ucrânia, mas também na Otan".

Representantes do Ministério da Defesa e do gabinete presidencial da Ucrânia também citaram a possibilidade da Rússia adotar uma mobilização em massa, nenhuma das fontes apresentou evidências para comprovar a suposta estratégia do Kremlin.

Ao comentar a possibilidade de um anúncio oficial de guerra e uma mobilização em massa na Rússia, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou na última quarta-feira (4) que todas as alegações da mídia ocidental sobre este tema “são absurdas”.

O líder separatista de Lugansk, Marat Bashirov, observou que as comemorações do 9 de Maio deste ano terão uma particularidade diretamente relacionada à guerra na Ucrânia. O ato "Marcha dos Imortais", na qual a população faz uma passeata carregando retratos de parentes vítimas da Segunda Guerra Mundial, desta vez terá participantes carregando retratos dos militares russos que combateram durante o conflito na Ucrânia.

Outro cenário que pode se apresentar no dia 9 de Maio é o anúncio de certos êxitos da operação militar russa, considerando que a segunda fase da operação previa um “total controle” sobre as regiões das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk.

De acordo com o cientista político Abbas Galyamov, Putin pode anunciar durante a parada militar que as tarefas da "operação especial" foram concluídas - as Forças Armadas da Ucrânia foram derrotadas e a segurança de Donbass foi garantida. 

Em texto publicado nas redes sociais, Galyamov argumenta que, caso haja o anúncio da conclusão das tarefas da operação militar, “a Rússia estará pronta para interromper as hostilidades” e, se Kiev concordar, “seus representantes serão convidados para a mesa de negociações”. “Se não, a Rússia forçará a Ucrânia à paz com a ajuda de armas nucleares táticas”, acrescenta o analista.

“A opção descrita está longe de ser perfeita, mas todo o resto - incluindo a mobilização em massa - na minha opinião, é ainda pior [...] Aqui há pelo menos algumas chances de restaurar o status quo e rastejar de volta com perdas mínimas”, completa.

Edição: Thales Schmidt