Rio Grande do Sul

VETO A "TOD@S"

Vereadores aprovam lei que proíbe linguagem neutra nas escolas de Porto Alegre

Projeto também censura o uso da linguagem inclusiva na comunicação externa dos órgãos governamentais da cidade

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Projeto foi aprovado na Câmara de Vereadores nesta quarta-feira (4), por 20 votos a 11 - Foto: Ederson Nunes/CMPA

A Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou, nesta quarta-feira (4), por 20 votos a 11, projeto de lei que veta o uso da linguagem neutra - conhecida também como linguagem não-binária - nas escolas municipais e na comunicação externa dos órgãos governamentais da cidade. A proposta é de autoria das vereadoras Fernanda Barth (PSC), Comandante Nádia (PP) e Psicóloga Tanise Sabino (PTB) e dos vereadores Alexandre Bobadra (PL), Ramiro Rosário (PSDB), Jessé Sangalli (Cidadania) e Hamilton Sossmeier (PTB).

De acordo com a justificativa dos autores, "a dita linguagem neutra" propõe a troca da vogal marcada, por exemplo, o uso de xs alunxs ou @s alun@s como forma de substituir o masculino genérico - quando se usa os alunos para se referir a uma sala com meninos e meninas. "O que supostamente revelaria uma característica sexista da sociedade. A linguagem 'neutra' buscaria solucionar esse problema. Obviamente, é uma noção extremamente equivocada", afirmam.

Durante a sessão, Comandante Nádia disse que o projeto “nem precisaria existir se não houvesse grupos que querem simplesmente acabar com a língua portuguesa”. Defendeu que professores não possam usar o recurso em documentos e provas. “É uma pseudoinclusão que estão tentando fazer, com substantivos inexistentes, com pronomes falsos, com regras estapafúrdias que não dizem respeito à língua portuguesa”, disse.

Em sua argumentação, disse que se a troca da língua portuguesa fosse questão de respeito, ainda seria algo útil. “Mas tal como acontece na questão da violência doméstica, quando tantas pessoas da esquerda se levantam com as mulheres vítimas e as entendem como frágeis, que precisam ser protegidas, quando há um estupro, são essas mesmas pessoas que são contrárias à castração química.”

O vereador Leonel Radde (PT) rebateu ironizando que a vereadora trouxe “informações incontestáveis sobre o quanto a língua portuguesa é imutável”. “Eu fico olhando Dom Pedro II falando; hoje em dia, seria algo ininteligível”, completou. Disse achar um absurdo que a argumentação da extrema direita vincule o público LGBT com estupro e pedofilia. “Depois vão responder processo no STF e ficam chorando”, afirmou. “Ficam com essa conversa de que ‘a esquerda é contra a castração química’, mas vão estudar, vão estudar um pouco o básico, parem de usar o sentimento, o medo das pessoas, esse sentimento de repulsa para vincular o que é crime com a esquerda”, criticou, relacionando a atitude com as fake news.

Na avaliação de Radde, ninguém estaria falando sobre isso na Casa se não fosse a extrema direita. “Fazem isso para não debater sobre o Queiroz, Adriano da Nóbrega, não debater o desemprego, o gás de cozinha, o combustível, a população indígena que vem desaparecendo, os garimpeiros, as mortes”, disse, ressaltando que o projeto é inconstitucional.

"Comportamento que mata"

A vereadora Daiana Santos (PCdoB) considerou que o projeto é uma censura aos professores e uma vergonha para a população de Porto Alegre e do Brasil. "Este é um parlamento que representa a todes, a todos e a todas, mulheres e homens negros, a população LGBTQIA+, mulheres trabalhadoras, trabalhadores. A gente precisa ter a decência de subir aqui e ter responsabilidade com o que se fala", criticou.

"É inadmissível que se questionem coisas básicas num contexto como este que a gente vive em 2022. Sim, o Brasil continua sendo o país que mais mata a população LGBTQIA+ e sabe por que? Por conta deste tipo de comportamento extremamente repulsivo e que fala com deboche da população que neste momento está sofrendo com estupros corretivos, que é retirada do seio familiar, que neste momento é a população que não tem o direito de conseguir avançar socialmente porque tem a sua liberdade de expressão cerceada", disse Daiana.

Segundo ela, os proponentes do projeto deveriam ir às escolas para ver as reais necessidades. "Vocês sim merecem todo um processo de reforma, e não só ortográfica, mas uma reforma política nessas mentes arcaicas", afirmou. Ela disse que a língua é viva e lembrou ainda que esse tipo de comportamento mata. "A professora Helena, da rede municipal, sofreu um ataque dentro do Shopping João Pessoa, aqui ao lado, por conta deste comportamento político de vocês", denunciou.

Nas redes sociais, a vereadora Bruna Rodrigues criticou a aprovação do projeto. “Algo que parece muito com uma cortina de fumaça para deslegitimar as reais lutas que o município precisa levantar em relação a educação, como as mais de 5 mil vagas de creche que faltam para atender nossas crianças”, escreveu.

A Associação Mães e Pais pela Democracia criticou a aprovação do projeto, que afirma ser de autoria “dos que pregam o pensamento único na escola e na sociedade”. A nota destaca que o país teve 175 vítimas de transfobia em 2020. “Eles não se importam. Não querem inclusão de gênero. Não querem educação e nem se preocupam com a falta de professores e funcionários nas escolas. Eles querem pessoas que obedeçam e se submetam ao sistema podre e patriarcal que rouba o nosso colorido e o nossa chance de ser mais”, diz a entidade em nota.

Em março, a Justiça Federal derrubou uma portaria do governo federal, de outubro de 2021, que vetava o uso da linguagem neutra em projeto financiados pela Lei Rouanet. A decisão atendeu pedido do Ministério Público Federal (MPF), que argumentou que proibir seu uso configura censura prévia. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), vinculada à entidade, disse em nota técnica que a linguagem neutra é fator de inclusão.


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Edição: Marcelo Ferreira