Rio Grande do Sul

SAÚDE PÚBLICA

Protesto alerta para fechamento da emergência em saúde mental do Postão da Cruzeiro

Servidores e entidades são contra proposta da Prefeitura de Porto Alegre de terceirizar e transferir o serviço de local

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Fechamento do serviço na Grande Cruzeiro vai ter grave impacto no atendimento, afirmam trabalhadores da saúde - Foto: Marcelo Carlini

O Plantão de Emergência em Saúde Mental do Pronto Atendimento da Cruzeiro do Sul (PESM/PACS), único equipamento ainda 100% SUS de Porto Alegre que acolhe pessoas em surtos psicóticos, com riscos à própria vida e intoxicações por álcool e outras drogas, corre o risco de ser terceirizado. O prefeito Sebastião Melo (MDB) informou ao Conselho Municipal de Saúde que o serviço será entregue para a PUC-RS. Situação que gerou intensa mobilização de trabalhadores da saúde e entidades representativas, que realizaram uma manifestação nesta quarta-feira (11), em frente ao local, mais conhecido como Postão da Cruzeiro.

A manifestação traz o lema “Ninguém mete a mão no Postão! O PACS é do povo, é da cidade, é da Cruzeiro, é do SUS!” e tem como objetivo chamar a atenção da sociedade para os prejuízos da proposta. Foi organizada pela Comissão de Trabalhadores do PACS, a Associação dos Servidores da Secretaria Municipal de Saúde (Assms), o Cores Saúde e o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa).

Segundo as entidades, o fechamento do serviço de saúde mental vai ter grave impacto no atendimento, principalmente à população da Grande Cruzeiro, na zona Sul da cidade, deixando a região desassistida e dificultando o acesso, já que a PUC-RS fica na zona Leste. Criticam ainda a entrega do PESM à iniciativa privada, a exemplo da outra emergência em saúde mental da cidade, localizada no bairro IAPI, sob gestão privada do Hospital Mãe de Deus.

Conselheiro do Conselho Municipal de Saúde e membro da Comissão dos Trabalhadores do PACS, Alberto Terres destaca a importância da emergência em saúde mental 100% SUS no Postão. “Chegam lá pacientes muitas vezes levados pela Brigada Militar, pelo SAMU, muitos em situação de rua, alcoolizados, em surtos na rua, que chegam sujos, até mesmo sem roupa, aqueles pacientes que outros locais dizem não ser o seu perfil”, afirma.

Segundo ele, mesmo sempre com superlotação, já que conta com 14 leitos, mas tem em média 35 pacientes internados, o PESM acolhe essas pessoas extremamente vulnerabilizadas e as estabiliza até que o município disponibilize internação em clínica ou hospital. “Por falta de uma política de apoio psicossocial, de CAPS na cidade, e também de uma rede de apoio na área de direitos, o paciente chega a ficar lá até 20 dias internado, apesar de não ser um hospital. Mas é o único lugar que atende as pessoas de forma isenta com relação a sua classe social”, explica.

Saúde como mercadoria

“O governo Melo está aos poucos transformando o conceito de saúde para mercadoria porque já privatizou em torno de 80% da atenção primária em Porto Alegre, entregando para organizações sociais”, critica Terres. “Entregou o Pronto Atendimento Bom Jesus e o Lomba do Pinheiro para a empresa SPDM, de São Paulo, e agora quer terceirizar o PESM do PACS”, completa.

No seu entendimento, a situação de Porto Alegre está fora do que prevê a legislação. “De acordo com as Leis 8.080 e 8.142, a inciativa privada pode participar do sistema, mas de forma complementar, e a responsabilidade majoritária tem que ser pública. Este governo está invertendo a lógica e colocando o SUS público como complementar da iniciativa privada”, argumenta.


Entrega à iniciativa privada da última emergência em saúde mental da Capital ainda 100% SUS é alvo de críticas / Foto: Marcelo Carlini

Para ele, isso nada mais é do que “transformar a saúde em doença, beneficiando os grandes empresários da doença, que precisam da doença para auferir altos recursos”. Por isso, explica, o ato foi realizado, “contra o fechamento do PESM, em defesa do PACS e do SUS 100% público”.

Terres revela que as entidades entraram com representação no Ministério Público “por estas ilegalidades, do ponto de vista dessas terceirizações”. Porém, lamenta a morosidade do órgão, que segundo ele é aproveitada pelo governo. “Ele vai terceirizando e quando o MP se manifesta, o governo já criou aquele conceito de 'está feito e não podemos retroceder’”, diz.

Papel do PESM e a luta antimanicomial

Psicóloga clínica e militante da Luta Antimanicomial do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, Ivarlete Guimarães França lembra que o desmonte dos PACS em Porto Alegre não é um caso isolado. “É parte de uma política de destruição do Estado brasileiro, em que a saúde não é mais considerada um bem público e sim um negócio lucrativo somente para quem pode pagar. Está no bojo dessa conjuntura política que estamos vivendo no país, onde o comportamento genocida, de banalização da vida que flerta com a morte está naturalizado”, avalia.

Ivarlete recorda que o PESM foi criado em 1999 a partir da necessidade de descentralizar os serviços de saúde mental, cumprindo as deliberações da 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental. O serviço nasceu com equipe interdisciplinar no processo de redimensionamento da Rede de Atenção Psicossocial, para assegurar que o cuidado aos usuários ocorresse mais próximo do seu domicílio, dentro da concepção de cuidado no território.

“Uma rede de cuidados foi sendo efetivada tendo o cuidado de emergência do PESM como retaguarda e referência aos Centros de Atenção Psicossocial, que se articulavam com os serviços de geração de renda e as equipes de Saúde Mental localizadas nos dez Distritos Sanitários à época. As internações, quando necessárias, eram encaminhadas aos Hospitais Gerais, conforme preconiza a lei da Reforma Psiquiátrica vigente”, explica.

Conselho de Saúde na mira do governo

O Conselho Municipal de Saúde, que alerta para o desmonte, está na mira de Sebastião Melo. O prefeito encaminhou aos vereadores, em 2021, o Projeto de Lei Complementar 026, que propõe a redução dos membros, altera competências, impõe representantes da prefeitura e retira a autonomia do CMS.

A militante antimanicomial assinala que os Conselhos de Saúde sempre tiveram um papel importante na fiscalização e deliberações das políticas de saúde. Mas lamenta que, nos últimos anos, o SUS vem sendo sucateado e seus trabalhadores precarizados. “O controle social em Porto Alegre passou a ser visto como intruso, impedido de exercer seu papel constitucional. Quando os direitos dos trabalhadores e os dispositivos de cuidados são precarizados, o cuidado aos usuários está ameaçado.”

Destaca ainda que, com a pandemia, “o sofrimento psicológico aumentou assustadoramente”. Para ela, com a ausência de atenção a curto e a médio prazo para conter o sofrimento, a situação ficou fora de controle. “É aumento do feminicidio, uso abusivo de drogas, desemprego, extermínio de jovens negros e negras da periferia, violência de toda sorte”, lamenta, exaltando a resistência e convocando à reação a sociedade, o povo pobre, os movimentos sociais e todos os que defendem a vida.

Audiência debateu desmonte

No início de maio, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa realizou audiência pública, solicitada pela deputada Sofia Cavedon (PT) para tratar do esvaziamento dos serviços no Postão da Cruzeiro. Servidores, dirigentes sindicais, Ministério Público, membros do governo e deputados trataram de diversos problemas na gestão do PACS, em especial do fechamento da emergência em saúde mental.

Na ocasião, diretor adjunto do Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência da Secretaria Municipal da Saúde, Francisco Isaia, negou qualquer sucateamento do PACS e disse que “os agravos na área da saúde mental, epidemiologicamente, estão sendo priorizados”.

Negou que a terceirização vai trazer prejuízo ao lembrar que o serviço já é prestado de forma híbrida. “O processo de ocupação do trabalho naquela unidade já vem há muito tempo sendo tratado de maneira híbrida e nem por isso diminuiu o trabalho e vigilância da gestão para a qualidade do serviço”, assegurou.

A reportagem do Brasil de Fato RS contatou a Secretaria Municipal de Saúde a fim de ter o contraponto às denúncias levantadas pelos servidores e entidades. Até o fechamento desta matéria a resposta não foi enviada. Assim que chegar será disponibilizada na matéria.


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Edição: Katia Marko