Pernambuco

SAÚDE MENTAL

"PasseAto" marca Dia da Luta Antimanicomial na capital pernambucana nesta quarta (18)

Após dois anos sem mobilização nas ruas, movimentos organizam ato cobrando financiamento das políticas de saúde mental

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Lema deste ano é "Trancar não é Cuidar: Liberdade e Resistência contra toda forma de manicômio" - Maria Lígia Barros

Após dois anos sem a realização de ato em razão da pandemia da covid-19, movimento populares, usuários da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e profissionais da saúde mental retornaram às ruas do Recife nesta quarta-feira (18), data em que se celebra o Dia da Luta Antimanicomial. A concentração teve início às 13h na Praça do Derby, na área central da capital. Os manifestantes caminharam pela Avenida Agamenon Magalhães carregando o tema "Trancar não é Cuidar: Liberdade e Resistência contra toda forma de manicômio". 

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"A gente escolheu esse lema porque a gente entende que ele fala da nossa história de luta, da reivindicação por uma sociedade sem manicômios, mas que a gente tem muito a avançar", afirma a psicóloga Anny Souza, militante do Libertando Subjetividades - Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial de Pernambuco, movimento que mobilizou o "PasseAto" na programação da 10ª Semana da Luta Antimanicomial.

Ela lembra que o Brasil tem vivido um momento de ampliação de leitos em hospitais psiquiátricos e de multiplicação de Comunidades Terapêuticas (CTs), a que se refere como "novos velhos manicômios"."Nossa luta é pelo fim dos manicômios físicos e também dos manicômios mentais - essa lógica manicomial de exclusão e violência", pontua.

A psicóloga ainda elenca outros pontos preocupantes que compõem o cenário atual, como o sucateamento da Raps, a dificuldade de ampliação da rede com a Emenda Constitucional que congela gastos em saúde e o investimento na rede privada. "a gente tem vivido principalmente de 2016 para cá uma série de retrocessos nas nossas políticas que foram instituídas com muita luta. Isso mostra a importância da nossa luta e também a fragilidade dessas conquistas na sociedade capitalista. A gente fica preocupado diante dessa situação", analisa Anny.


Atividade teve também um momento de música e ciranda com a participação de usuários do sistema de saúde e profissionais da área / Maria Lígia Barros

Todas essas questões se refletem em desdobramentos que são sentidos por quem acessa os serviços da Raps. Tony Renné, de 45 anos, é usuário do Caps AD Campo Verde - o único voltado para pessoas com problemas relacionado ao uso de álcool e drogas no município de Camaragibe, no Grande Recife -, e conta que o equipamento enfrenta uma série de problemas estruturais. 

"Deixa muito a desejar. Hoje não tem água lá. As vezes não tem gás - e quando tem gás, não tem comida. Não tem como fazer almoço lá", denuncia o usuário.


Tony Renné, de 45 anos, é usuário do Caps AD Campo Verde, em Camaragibe / Maria Lígia Barros

Segundo ele, por conta disso, as atividades dos grupos terapêuticos - um dos serviços do Caps - foram praticamente interrompidas.
"Sempre tem algum empecilho para esses grupos não estarem acontecendo. Isso prejudica muito a gente. Cheguei em julho, participei de dois grupos e depois parou mesmo", lamenta. A reportagem do Brasil de Fato Pernambuco procurou a Prefeitura de Camaragibe para ter um posicionamento e aguarda retorno. O espaço está aberto.

Tony participou do ato também para cobrar por melhorias nos equipamentos da Raps. "Isso é mais um movimento para a gente conquistar as coisas que faltam em todos os Caps da Região Metropolitana do Recife, para que não chegue a faltar tantas coisas que deixam a desejar no tratamento do usuário. Cada movimento que é benefício nosso eu estou aqui, não é de hoje, faz tempo. Isso é muito importante para a gente conseguir nossas conquistas", fala.

Os profissionais da Raps que estiveram na manifestação também fizeram protestos nesse sentido. A enfermeira Débora Lima trabalha no Caps AD Campo Verde e é técnica de referência da Unidade de Acolhimento dos Camarás, em Camaragibe, e conta ser difícil lidar no dia a dia com o sucateamento. "A gente vê que não tem o investimento necessário para o cuidado em serviços substitutivo, e os gestores e políticos investindo nesses outros serviços asilares. Mas o Caps continua sendo forte, resistente, e continuamos trabalhando com as possibilidades que o território dá e nós funcionários podemos dar, mesmo com esse sucateamento", diz.

O psicólogo Jorge Luiz da Silva, que atua no Caps AD Espaço Travessia René Ribeiro, levanta que essa não é uma questão apenas municipal, destacando o processo de desinvestimento do Governo Federal, que é quem dá um direcionamento à política pública e garante boa parte do recurso para a efetivação dos serviços do SUS. "Ao mesmo tempo que se extingue o financiamento dos serviços da Raps, por outro lado se oferece financiamento bem expressivo para as CTs e agora diretamente o retorno dos hospitais psiquiatricos. O Governo Federal lançou um edital de R$ 10 milhões para reabertura de hospital psiquiátrico", critica.

Ainda assim, ele acrescenta que o movimento tem enfrentado dificuldades na cidade do Recife. "A gente tem um líder [o prefeito João Campos (PSB)] que de alguma maneira está alinhado com a bancada evangélica, e a gente tem uma bancada na nossa Câmara dos Vereadores que é de muito de base evangélica. Essa base está muito ligada porque são os donos das CTs, então o interesse está todo aí. A prefeitura lançou um edital oferecendo R$ 2,4 milhões para vagas em comunidade terapêutica, e nossos vereadores alinhados até tentaram cancelar, mas tivemos uma derrota esmagadora, porque é de interesse de quem está no poder no momento", aponta.

A passeata terminou no Parque Amorim, com um momento de música e ciranda, às 16h. Estiveram presentes no ato o vereador do Recife e pré-candidato a deputado estadual Ivan Moraes (PSOL) e o pré-candidato a governador Jones Manoel (PCB).

Edição: Vanessa Gonzaga