Rio Grande do Sul

Eleições 2022

Artigo | O tabuleiro das eleições 2022 em três tempos: passado, presente e futuro

"Temos um cenário difícil, trabalhoso, incerto e repleto de oportunidades pela frente", analisa a cientista política

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Tanto Lula quanto Bolsonaro possuem um eleitorado fiel e proporções estáveis de intenção de voto, rejeição e potencial eleitoral" - Ricardo Stuckert e Agência Brasil

O cenário político brasileiro nos últimos anos tem sido marcado por desorientação e imprevisibilidade, isso não dificulta só a vida dos próprios jogadores desse tabuleiro, mas também de quem busca compreender as disputas de poder no país.

Por isso, é importante começar esse artigo informando que não pretendo responder quem vai ganhar as eleições de 2022. Talvez não seja a melhor estratégia começar frustrando o leitor, mas preciso ser sincera. Na verdade, o que vou fazer aqui é expor e analisar as principais questões que podem interferir no pleito eleitoral desse ano. Ao final, prometo que estaremos munidos das ferramentas necessárias para avaliar os desdobramentos políticos que teremos até o final de outubro. É uma oferta razoável, em contrapartida, não?!

Na ciência política, as principais correntes explicativas sobre eleições são a perspectiva sociológica, psicológica e a teoria da escolha racional; ao olhar para a realidade brasileira atual, vamos levar em consideração cada uma delas.

Começando por um fato central que domina a dois anos a vida da população e a agenda política: a covid-19. A pandemia tem pautado o discurso de quase todos os pré-candidatos à Presidência do país. Além da gravidade da crise sanitária em si, uma série de fatores agravaram o impacto da mesma no Brasil. Talvez a principal delas tenha sido a ausência de uma liderança nacional articulada, eficiente e em conformidade com as normativas da ciência e das autoridades internacionais no assunto. A falta de centralidade e coesão das políticas públicas gerou confusão e insegurança na sociedade, além de descoordenação federativa e transferência de responsabilidades para estados e municípios. Com isso, os governadores e prefeitos passaram a ser os protagonistas no combate da covid-19.

Neste contexto, há importantes possíveis consequências na disputa eleitoral desse ano. Primeiramente, na perspectiva do voto racional, Bolsonaro deve ser punido pela sua ineficiência na gestão da crise sanitária, bem como alguns de seus opositores se beneficiariam pelo destaque no combate à doença. Da mesma forma, pelo lado psicológico, há autores que argumentam que parte dos apoiadores do presidente podem ter mudado seus posicionamentos e escolhas políticas diante do “medo da morte” (Pereira; Medeiros; Bertholini, 2020).

Crise econômica é o principal desafio do presidente e candidato Jair Bolsonaro

Como principal desdobramento da pandemia da covid-19, temos a crise econômica, e esse é com certeza o principal desafio do presidente e candidato Jair Bolsonaro para 2022. Sua missão “quase impossível” é conter a estagflação e o aumento do desemprego e da miséria. Esse é um tópico chave, não só porque sabemos que a situação financeira do país e dos indivíduos é um forte preditor do voto, mas também porque atinge diretamente todas as classes da sociedade, da elite ao mapa da fome.

Lançando mão das ferramentas analíticas da escolha racional e do voto retrospectivo, temos como critérios relevantes na escolha do voto a avaliação que as pessoas fazem do desempenho dos políticos e seus governos no que diz respeito à eficiência, à honestidade e à solidariedade social.

Visando justamente melhorar seu desempenho sobre a solidariedade social e minimizar os impactos da crise econômica, o presidente usa como argumento a política de auxílio emergencial oferecida durante a pandemia. Além disso, Jair Bolsonaro lançou um programa em substituição do Bolsa Família. O Auxílio Brasil não só busca soterrar o programa lançado anteriormente por Lula (PT) – principal opositor de Bolsonaro no pleito eleitoral, mas também superá-lo ao aumentar o valor recebido pelos cidadãos.

Com isso, Bolsonaro tenta atingir diretamente o coração dos mais necessitados, em uma estratégia que disputa diretamente com discurso petista de “colocar o pãozinho e o café de volta à mesa do povo”. Resta continuar observando para ver se essas ações serão tão bem-sucedidas quanto já foram para o líder petista, e auxiliarão agora Jair Bolsonaro a melhorar a avaliação de seu governo e o seu desempenho nas pesquisas de intenção de voto.

Do ponto de vista da eficiência na gestão da economia em si, atualmente Bolsonaro não é reconhecido como bem-sucedido ou eficiente. Enquanto isso, Lula conta com o desempenho e a memória saudosa do período próspero do fim do seu primeiro mandato e início do segundo. É crucial para essas eleições e para a democracia em um sentido mais de longo prazo, o fato de que uma percepção negativa sobre a situação econômica do país afeta também a avaliação que as pessoas fazem do regime político, e por sua consequência, o apoio ao mesmo. A crise econômica e o empobrecimento da população favorecem o fortalecimento de figuras políticas autoritárias e “salvadoras da pátria”.

No que se refere ao quesito moral, a honestidade, tanto Lula quanto Bolsonaro contam com um histórico que não os favorece. Ambos possuem denúncias de corrupção e a instauração de CPIs durante seus governos. Neste aspecto, ganham vantagem quando usam esse argumento outros candidatos como: Ciro Gomes (PDT), João Dória (PSDB) ou até mesmo Simone Tebet (MDB) que participou ativamente da CPI da Covid recentemente. Esses escândalos de corrupção afetam não só os dois principais candidatos atuais à Presidência, mas também o processo democrático em si, uma vez que reduzem a confiança e a legitimidade dos representantes e das instituições democráticas.

As ondas evangélica e conservadora deverão ter um papel importante em 2022 novamente

Saindo um pouco da escolha racional e passando para uma perspectiva um pouco mais sociológica e psicológica, as ondas evangélica e conservadora influenciaram fortemente as eleições de 2018 e tendem a ter um papel importante em 2022 novamente. Há quatro linhas principais na qual as forças sociais e políticas religiosas e conservadoras atuam no Brasil, são elas: econômica, moral, securitária e societal. É fundamental estarmos atentos quando esses temas surgem nos discursos e debates das eleições deste ano, porque eles terão forte apelo mais uma vez.

Ao que tudo indica, eles voltarão a mostrar a sua força pela forma com que esses grupos seguem organizados, atuantes social e politicamente e, também, pelo resultado das eleições de 2020 – que mostrou um eleitorado consolidado à direita política e um bom desempenho de candidatos conservadores ligados à igreja e à segurança pública. Com efeito, esses grupos crescem justamente em cenários como o atual: de empobrecimento e ausência do poder público na resolução dos problemas mais básicos da sociedade como saúde e condições mínimas de vida. Isso ocorre por diversas razões, mas entre as principais estão o assistencialismo e a ausência de referências ou de fonte de esperança.

Outra característica da disputa presidencial de 2018 que teremos novamente em 2022 é a polarização política. Diversos partidos têm se organizado em frentes que buscam construir uma terceira via, mas por enquanto essas tentativas não tiveram êxito e os candidatos fora da polaridade seguem “apagados”. É muito difícil transpor essa condição uma vez que tanto Lula quanto Bolsonaro possuem um eleitorado fiel e proporções estáveis de intenção de voto, rejeição e potencial eleitoral.

O fato de serem os dois candidatos com maiores índices de rejeição também reforça a polarização. Ambos garantem uma fatia de 30% ou mais do eleitorado, além disso mais de 30% dos eleitores têm afirmado em pesquisas que não possuem uma segunda opção de candidato que não seja um dos dois. Além disso, a quantidade de pessoas que dizem não votar de jeito nenhum em Lula nem em Bolsonaro é pequeno, apenas 13% (conforme o Poder Data). Isso deixa uma margem de manobra estreita para ser partilhada entre todos os demais candidatos.

Quem são os eleitores do Bolsonaro, do Lula e da terceira via?

Vamos olhar mais de perto as projeções desses três grupos principais: eleitores do Bolsonaro, eleitores do Lula e a terceira via. A força de Lula vem sobretudo dos cidadãos nordestinos, das mulheres, dos jovens e dos indivíduos que rejeitam o presidente atual. Jair Bolsonaro tem apoio principalmente entre os homens, nas regiões Sul e Norte e das classes média e alta. Neste sentido, é preciso reforçar que mesmo com todas as turbulências na gestão da pandemia, na situação econômica do país e nos episódios de acusação de corrupção, o governo atual segue com uma avaliação positiva de ao menos ¼ dos brasileiros.

Com isso, a estratégia de ambos os candidatos é manter mobilizados os eleitores mais leais e explorar a rejeição do oponente. À terceira via, muitas vezes, não resta alternativa senão reforçar o coro da rejeição aos dois candidatos, contribuindo ora para o argumento de um, e ora para o discurso do outro. A grande quantidade de candidatos fora da polarização mostra a necessidade desse enquadramento para a política brasileira, mas revela também a ineficiência em coordenar as candidaturas.

Redes sociais serão novamente centrais nas eleições

Hoje em dia, é inviável encerrar um texto sobre eleições sem falar do papel da internet, especialmente das redes sociais. Indo direto ao ponto, o que faz da internet um fenômeno político que afeta eleições é a sua alta capacidade de distribuir amplamente a mensagem a um baixo custo de forma mais orgânica, a formação de grupos/bolhas para o fortalecimento de ideologias, o estabelecimento de opiniões alternativas às linhas editoriais da grande mídia, a simplificação da informação e a disseminação de fake news.

A disputa eleitoral brasileira de 2022 será marcada pelos chamados “marqueteiros anônimos” ou “cidadãos marqueteiros” (termos cunhados pelo professor Joel Penney em 2017). Ou seja, veremos novamente um bombardeio diário de informações em redes abertas e fechadas; nesse contexto, merece destaque os efeitos crescentes da plataforma WhatsApp, por meio do qual fake News, memes e drops informativos vêm sendo rápida e amplamente veiculados.

Tradicionalmente, nos estudos de psicologia e comunicação política considerava-se a transmissão da informação passada nos grandes veículos de informação como um filtro para a mensagem. Em um ambiente de redes sociais, dos grupos de amigos e família a fonte de informação passa a ser diretamente as pessoas mais próximas e em quem se tem maior confiança. Destarte, mesmo com as novas resoluções normativas sobre o uso da internet na campanha eleitoral de 2022 apresentadas pelo TSE em dezembro da 2021, será difícil ter algum controle sobre essa ferramenta.

Já que a “nova” política não funcionou, voltamos à “velha”?

Por fim, pensando na combinação entre o resultado das eleições de 2020 e a projeção das eleições atuais, nem Bolsonaro, nem Lula tiveram resultados favoráveis. O primeiro se furtou de apoiar muitos candidatos do centrão que obtiveram sucesso e que hoje podiam ser seus cabos eleitorais. Por outro lado, o Partido dos Trabalhadores e a esquerda de modo geral, também não tiveram um bom desempenho nas disputas por prefeituras. De fato, a centro-direita foi a grande vencedora da última disputa, contudo, neste momento não consegue se organizar de forma forte e unificada em prol de alguns candidatos com real potencial de quebrar a polarização atual.

Talvez um dos grandes questionamentos com o qual os eleitores brasileiros terão que lidar em 2020 é: já que a “nova” política não funcionou, voltamos à “velha”? Segundo o antropólogo Victor Turner, a crise é um momento de drama social composto por quatro fases: ruptura, crise, ação corretiva e reintegração. Vivemos de rupturas e crises, resta saber se nessa eleição iniciaremos o processo de ação corretiva mesmo em um contexto de clara polarização.

Após todo esse passeio pela conjuntura e pelos fatores determinantes das eleições presidenciais de 2022, podemos afirmar que o que temos de certo é um cenário polarizado, com um eleitorado posicionado à centro direita, com forte atuação de grupos religiosos e conservadores. Além disso, as preferências eleitorais resultarão preponderantemente de elaborações emocionais associados à fidelidade a certos líderes e à forte rejeição de outros. Teremos como pautas centrais o combate à pandemia da covid, a situação econômica do país e as acusações de corrupção.

Cada um dos principais grupos enfrentará desafios particulares. Bolsonaro luta contra a crise econômica e a má avaliação retrospectiva de seu governo. Lula busca se ancorar na percepção de eficiência de seu governo e mobilizar o saudosismo para transpor sua rejeição e o desgaste de seu partido. Por fim, a centro direita ou a terceira via, tem como missão construir uma candidatura coesa e forte para fazer frente aos dois principais candidatos e conquistar a maioria dos cidadãos, ou seja, aqueles que rejeitam Bolsonaro e/ou Lula. É um cenário difícil, trabalhoso, incerto e repleto de oportunidades; logo não temos como bater o martelo sobre seu desfecho, mas agora conhecemos claramente cada rota que poderá definir o rumo do país pelos próximos anos.

* Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Faz parte dos grupos de pesquisa do World Values Survey Brasil, sediado na UFRGS, e de Comportamento e Opinião Publica na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko