Minas Gerais

DESIGUALDADE

Número de pessoas em situação de rua ultrapassa a quantidade de vagas nos abrigos em BH

Especialistas afirmam que é preciso pensar a moradia como política estratégica e aliada a outras medidas

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
De acordo com dados do Cadastro Único (CadÚnico), do total da população em situação de rua, 84% se autodeclaram negras - Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

Cerca de 9 mil pessoas em Belo Horizonte vivem em situação de rua. O número, levantado pelo Polos de Cidadania, projeto vinculado à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em dezembro de 2021, supera a capacidade de locais de abrigo e de recolhimento na cidade. Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), existem cerca de mil vagas nos equipamentos públicos para acolher essa população.

Com a chegada do inverno, Claudenice Rodrigues Lopes, cientista social e coordenadora da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, se preocupa com a falta de vagas e com a dificuldade de atendimento aos desabrigados. “O número de vagas está muito aquém do número de pessoas vivendo em situação de rua e, na maioria das vezes, a condição e a qualidade do atendimento não possibilitam um acolhimento que garanta autonomia, cuidado e proteção”, avalia.

Na opinião de Wellington Migliari, pesquisador da UFMG que trabalha com estudos jurídicos e dados no Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, a ampliação das vagas de abrigo e do auxílio para pagar o aluguel, além da desburocratização para acessar os espaços de acolhimento, são medidas urgentes para mudar essa realidade. “O município possui 600 vagas diárias de acolhimento na modalidade de casas de passagem, com alimentação, instalação para higienização pessoais, guardas de pertence e pernoite. Esse número, no entanto, está muito menor do que o necessário”, explica.

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De acordo com dados do Cadastro Único (CadÚnico), do total da população em situação de rua, 84% se autodeclaram negras, entre pretas ou pardas, 87% têm entre 18 e 59 anos, e 91% vivem em condições de pobreza e extrema pobreza. Segundo Wellington, esses dados são importantes porque demonstram a realidade do país. “Precisamos entender a moradia como uma medida estratégica de longo prazo para ruptura de modelos de concentração de renda, racismo estrutural e pobreza”, aponta.  

Políticas públicas e luta por moradia digna

Em concordância com Wellington, Claudenice, coordenadora da Pastoral de Rua, reafirma que os abrigos não são a solução para quem vive em situação de rua, já que são medidas emergenciais e temporárias. Para ela, é preciso que haja uma confluência de políticas públicas, que perpassem pela moradia, pelo emprego e pelo direito à cidade.

“Um programa que tem dado certo é o Bolsa Moradia, que tem sido um caminho possível para assegurar proteção, cuidado e organização e é fruto de luta dessa população. Além disso, também existem as ocupações urbanas, que são formas legítimas de lutar por esse direito”, relata.

No entanto, para Claudenice, a política ainda é insuficiente para atender à demanda da população.

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De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, foi instituído em 2018 um processo de habilitação e classificação para o programa Bolsa Moradia. Na ocasião, 684 famílias ou indivíduos foram habilitadas. Entre 2019 e 2020, 76 novas famílias foram inseridas e em 2021 mais 424 famílias, totalizando 500 inserções no período. Ainda, segundo a prefeitura, a expectativa é que todos os classificados e habilitados restantes sejam convocados ainda neste ano para acesso ao benefício.

Muita casa sem gente e muita gente sem casa

Belo Horizonte, assim como a maioria das capitais brasileiras, apresenta um índice elevado de imóveis e terrenos vazios. Segundo o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, na cidade há mais de 64 mil domicílios vagos, 17 mil lotes vagos e 323 áreas que se encontram zoneadas. Essas áreas zoneadas são territórios que devem ser destinados à implantação de empreendimentos de interesse social, compostos de terrenos vazios e edificações existentes, subutilizadas ou não utilizadas.

“A gente vive em uma cidade que o número de imóveis ociosos é muito maior do que o número de pessoas sem casas. Se houvesse um comprometimento político, é real a possibilidade de investimentos para que essa realidade mude, para que as pessoas consigam conquistar condições de superar a vida nas ruas”, comenta Claudenice.

Edição: Larissa Costa