Pernambuco

FOME

Ações para vítimas das chuvas em Pernambuco têm encontrado grande demanda de famintos

Volume de pedidos por solidariedade é muito maior que número de atingidos pelo temporal; campanhas têm cobertor curto

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Inicialmente pensadas para as vítimas das chuvas, campanhas de solidariedade encontraram alta demanda de famintos - Mãos Solidárias

Os temporais que atingiram o litoral de Pernambuco no fim do mês de maio provocaram, até agora, 130 mortes e deixaram quase 10 mil desabrigados e desalojados. Várias iniciativas de solidariedade surgiram, organizadas pelo poder público ou pela sociedade civil, na busca por reduzir a dor e as necessidades das famílias afetadas. Mas as ações solidárias estão encarando uma demanda muito maior que a das famílias atingidas: a fome que só cresce no país tem exigido bastante das campanhas.

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Pesquisa divulgada no último dia 8 revelou que, no intervalo de pouco mais de um ano, o Brasil viu saltar de 19 milhões para 33,1 milhões o número de pessoas em situação de “insegurança alimentar grave”, ou fome grave (quando a família reduz a quantidade da comida consumida ou mesmo não tem certeza se fará três refeições no dia). Esses milhões de brasileiros correspondem a 15,5% da população do país. As regiões Norte (25,7% da população em fome grave) e Nordeste (21%) são as que enfrentam pior quadro.

Foi essa situação que Géssica Lima, de 20 anos, encontrou na região metropolitana. A jovem baiana é brigadista voluntária do MST atuando na campanha Mãos Solidárias, contribuindo em comunidades na fronteira entre Camaragibe e Recife. “Já atuávamos dentro daquele território desde 2020, através dos agentes populares de saúde. Mas com as chuvas surgiu a demanda por alimento e roupas para as famílias atingidas”, diz ela, que lembra que o grupo ampliou sua atuação para outras comunidades pensando nas vítimas dos temporais.

Mas logo os brigadistas do Mãos Solidárias perceberam que o trabalho de atender os atingidos pelas chuvas ficaria muito aquém da demanda. “Pensamos na demanda emergencial e estávamos produzindo 150 marmitas. Mas já na primeira semana percebemos que não eram só as famílias atingidas que estavam pedindo”, recorda Géssica. “Então aumentamos a produção de marmitas e chegamos a 300 por dia, distribuindo para todo mundo, mas ainda foi pouco diante da demanda real da comunidade”, lamenta a militante.

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O perfil dos demandantes variava, mas todos com algum nível de necessidade alimentar. “São muitas pessoas sem acesso a alimentação, seja porque tiveram as casas alagadas e perderam eletrodomésticos, seja por não terem dinheiro para comprar gás, seja por não conseguir comprar o próprio alimento”, explica Géssica Lima. “Então a demanda que passamos a atender é muito maior do que os atingidos pelas chuvas”, completa.


Cozinhas Populares também têm servido como ponto de arrecadação de donativos / Mãos Solidárias

O “centro” das ações na região tem sido a Cozinha Popular Solidária de Camaragibe, construída na comunidade Bondade de Deus II na semana seguinte ao trágico sábado 28 de maio. “Além de produzir marmitas, a cozinha passou a ser um ponto de arrecadação de roupas e donativos”, conta Lima. O local também funciona como banco popular de alimentos do Mãos Solidárias. “As pessoas fazem doações e preparamos cestas para algumas famílias que mapeamos e que estão mais necessitadas”, diz a brigadista. A cozinha tem preparado alimentos duas vezes por semana, produzindo e distribuindo 200 marmitas por dia.

A pesquisa que atualizou os números da fome no Brasil também mostra que, considerando a insegurança alimentar leve (incerteza se num futuro próximo a família terá alimentos em quantidade e qualidade necessárias) e insegurança alimentar moderada, ou fome moderada (quando a família já precisou mudar a qualidade da alimentação, substituindo carne por salsicha, por exemplo), somadas às famílias em fome grave, o Brasil hoje tem 58,7% da população em alguma situação de insegurança alimentar. Isso totaliza 125,2 milhões de brasileiros.

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Esse número aumentou 7,2% desde 2020 e, olhando apenas o período que compreende o governo Bolsonaro, esse número subiu 60% desde 2018. Em um ano, a situação piorou consideravelmente nas famílias com crianças: em 2020 eram 9,4% das famílias com crianças em situação de fome, enquanto agora 18,1% dessas famílias passam tal necessidade. Os números atuais mostram que o Brasil regrediu 30 anos, voltando aos níveis de fome dos anos 1990.

O estudo informa que 8,2% dos entrevistados relatam tristeza, vergonha e constrangimento diante dos meios que têm utilizado para conseguir alimentar a família. Na zona rural do país, a insegurança alimentar chega a 60% dos lares, sendo 18,6% com fome grave.

O estudo em questão foi realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), que deu o título de “2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”.

A pesquisa foi conduzida entre dezembro de 2021 e abril de 2022 pelo Instituto Vox Populi, visitando 12.745 residências de 577 municípios de todos os estados brasileiros. O estudo foi financiado pela Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Oxfam Brasil, o Ibirapitanga e Sesc.

Edição: Elen Carvalho