Rio Grande do Sul

DIREITO À MORADIA

Mesmo com chuva, manifestantes protestam em Porto Alegre contra despejos

Manifestação chama atenção para possibilidade de “uma verdadeira tragédia” se suspensão das remoções terminar no dia 30

Brasil de Fato | Porto Alegre |
No RS existem mais de 15 mil famílias em situação de conflito com a posse e dentre essas oito mil famílias com ameaças iminentes de despejo - Foto: Carolina Lima / CUT-RS

“Com luta, com garra, a casa sai na marra”, gritavam manifestantes no ato realizado em frente à Caixa Econômica Federal, na Praça da Alfândega, centro histórico de Porto Alegre, na manhã desta terça-feira (21). Promovida pelo Núcleo da Campanha Despejo Zero no RS, a mobilização teve como objetivo chamar atenção para a possibilidade de milhares de famílias ficarem sem lar, uma vez que o prazo de suspensão de despejos determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) encerra na próxima quinta-feira (30).

O ato faz parte de uma agenda nacional de mobilização que pede, entre as pautas, a prorrogação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que suspendeu os despejos no país, e a criação de uma lei estadual que garanta a não realização de reintegrações de posse. Manifestações aconteceram em mais de 15 estados.

No Brasil, mais de 142 mil famílias vivem sob ameaça de remoção durante a pandemia, das quais fazem parte 97,3 mil crianças e 95,1 mil idosos. Os números fazem parte dos novos dados sobre a situação de famílias despejadas e ameaçadas de despejo no Brasil, da Campanha Nacional Despejo Zero. No Rio Grande do Sul, são mais de 11 mil famílias atualmente ameaçadas de despejo. Uma delas é a de Jéssica, presente na manifestação, que saiu de São Leopoldo, na região Metropolitana de Porto Alegre, mesmo com frio e chuva, com seu filho de colo.

Com cartazes, faixas, apitos, chocalhos, centenas de famílias protestaram em frente à Caixa,  onde são feitos os processos de contratação de empreendimentos habitacionais. Jeferson, morador do bairro Sarandi, de Porto Alegre, espera que a mobilização possa garantir que não haja despejo. “Viemos aqui lutar por moradia digna”, afirma.

 

#AoVivo Porto Alegre Mobilização contra Despejos e Remoções acontecendo no Brasil todo nesta terça-feira

Posted by Rede Soberania on Tuesday, June 21, 2022

Crise econômica e aumento de ocupações

Para o dirigente do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), Cristiano Schumacher, a situação foi agravada pela crise econômica e como as pessoas não conseguem pagar aluguel, recorrem às ocupações. “Agora tem a possibilidade de tomar o único imóvel das famílias”, critica a lembrar do projeto que prevê a penhora da casa própria.

“O governo federal não tem recursos para habitação popular, o governo estadual não tem política e nem recurso e as prefeituras não sabem o que fazer. A gente mantém a política de proteção a essas mais de 500 mil pessoas ameaçadas de despejo ou, se não houver uma atitude do Supremo Tribunal Federal, do Congresso ou das Assembleias, nós vamos viver uma epidemia de despejos nunca vista no Brasil”, destaca o integrante, frisando ainda a exigência de que o governo federal aloque recurso para as famílias da faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, que são as de baixa renda ou que não têm renda.

Abandono das políticas públicas

A diretora do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras do RS (Fetrafi-RS), Caroline Heidner, denunciou o desmonte das políticas habitacionais da Caixa. “O Brasil tem um déficit habitacional histórico e programas habitacionais são fundamentais para fazer frente a essa insuficiência de unidades habitacionais no país. O que o MNLM e demais movimentos vieram solicitar, para além da prorrogação da proibição dos despejos e reintegração de posse, é também a política habitacional que está congelada dentro da caixa”, relata a dirigente.

Ela pontua que o governo de Jair Bolsonaro cortou 98% de verba do Programa Casa Verde Amarela. De acordo com a dirigente, o programa do governo federal na prática não está construindo casas, está paralisado por completo.

Após a mobilização em frente à Caixa, os manifestantes se dirigiram à Assembleia Leguslativa, onde houve mais uma manifestação e também foi realizada uma coletiva de imprensa.

 

#AoVivo Movimento Contra Despejos e Remoções

Posted by Rede Soberania on Tuesday, June 21, 2022

Importância da prorrogação da ADPF

“A gente sabe da urgência da prorrogação da ADPF. Hoje já são mais de 142 mil famílias. A gente sabe que é muito mais”, afirmou a coordenadora do MTST-RS, Claudia Ávila, que em sua fala também destacou os processos de reintegração de posse em comunidades da cidade de Porto Alegre, como a Império, uma comunidade de mais de cem famílias que, por ora, teve a reintegração suspensa.

“A Império, assim como muitas outras ocupações da cidade de Porto Alegre que estão correndo risco de reintegração de posse, faz parte das 14 áreas de interesse social para moradia popular, gravadas pela Câmara e que o então o prefeito Fortunatti, que tinha como vice o hoje prefeito Sebastião Melo, vetou. Essas 14 áreas da periferia de Porto Alegre continuam com as famílias em situação precária e correndo risco de reintegração de posse”, expôs, frisando também a necessidade de existência de política pública.

Em sua intervenção o presidente estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), Amarildo Cenci, disse que o presidente da república e o governador do estado “não gostam de pobre”, assim com a maioria dos prefeitos, entre eles o de Porto Alegre. “Está na hora de tirarmos eles do poder porque não haverá políticas públicas com esses governos que não gostam de trabalhador, trabalhadoras, que não gostam de pobres. A luta continua, despejo zero”, afirmou o dirigente.

Falaram ainda em frente à Assembleia o representante da CSP-Conlutas, Alexandre Nunes, e a vereadora de São Leopoldo Ana Affonso (PT).


Após manifestação em frente à Caixa Econômica Federal, manifestantes caminharam até a Assembleia Legislativa / Foto: Carolina Lima / CUT-RS

Luta para evitar “uma verdadeira tragédia”

Na abertura da coletiva de imprensa, Cristiano Schumacher lembrou que desde março está tramitando na Assembleia o projeto de lei de Despejo Zero no RS. De acordo com o dirigente, há no estado cerca de 80 mil pessoas que correm o risco de serem despejadas.

Integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e da Campanha Despejo Zero, Karla Moroso resgatou o surgimento da iniciativa, que surgiu durante a pandemia e envolve mais de 170 organizações no país, e falou também de sua organização. De acordo com dados da   Campanha Nacional Despejo Zero, desde o início da pandemia, em março de 2020, houve aumento de 655% no número de famílias ameaçadas de perder sua moradia (18.840 famílias entre março e agosto 2020/ 142.385 famílias ameaçadas até maio 2022). E aumento de 393% no número de famílias despejadas (6.373 famílias entre março e agosto de 2020/ 31.421 famílias até maio de 2022).

“No RS existem mais de 15 mil famílias em situação de conflito com a posse e, dentre essas, 8 mil famílias com ameaças iminentes de despejo, identificadas a partir de 2020. Mais de 700 famílias foram despejadas durante a pandemia no período de 2020 a 2022”, continuou Karla. Segundo ela, os dados são importantes para avaliar a situação dentro de um contexto de completa ausência de políticas habitacionais e de um aumento de mais de 20% da população de rua.

“A partir do dia 30 de junho, caso ações efetivas não aconteçam para evitar uma verdadeira tragédia com relação a falta de moradia no país, vamos ter de 220 mil pessoas na rua. Essa ação, que vem acontecendo durante esse primeiro semestre, tem como premissa básica evitar os despejos no país e garantir o direito à moradia”, frisou Karla.


Durante a coletiva foram apresentados dados recentes da Campanha Despejo Zero / Foto: Carolina Lima / CUT-RS

Movimentos sociais fazem o trabalho que deveria ser do Estado

A integrante do MNLM, Ceniriani Vargas, iniciou sua fala lamentado que entidades precisem estar mobilizadas em torno da luta da suspensão dos despejos. “Nós iniciamos nosso ato em frente à Caixa justamente porque falta política pública de habitação, falta produção habitacional para famílias de baixa renda. O que a gente vem enfrentando nos últimos anos é reflexo do que estamos vivendo hoje, dessa falta de investimento em política de habitação. Bolsonaro acabou com o Minha Casa Minha Vida, que mais garantiu moradia para quem precisa, criou um programa que não serve ao público e às famílias que vivem em extrema vulnerabilidade”, afirmou a integrante, ressaltando que por conta da falta de política pública milhares de ocupações surgiram no país durante a pandemia.

Ceniriani também destacou os números de crianças que são atingidas pelas ações de despejo, que segundo dados da Campanha são em cerca de 97,3 mil. Também pontuou sobre o processo de privatização da CEEE, que aumentou o preço de energia elétrica, assim como a falta de saneamento básico e água nas ocupações.

“São os movimentos sociais que vem tentando dar conta da fome, da falta de moradia no Brasil. A gente faz porque precisa, a gente faz não querendo fazer no futuro, para que a sociedade realmente assuma a responsabilidade, para que todo mundo tenha casa, possa comer. Ontem mesmo chegou uma família na ocupação Povo Sem Medo com uma ordem de despejo individual a partir do não pagamento de aluguel”, relatou o coordenador do MTST-RS, Eduardo Osório.

Conforme sublinhou Eduardo, os números mostrados pela Campanha são só a ponta do iceberg da situação da moradia e despejos no país. “A gente não tem a mínima noção do tamanho da realidade. São dados levantados a partir dos movimentos sociais, das ocupações e das denúncias recebidas, mas provavelmente eles não refletem o tamanho do buraco que a gente está. A Justiça, os governos estaduais e municipais não fazem esse levantamento, não tem a mínima ideia.”

“Não existe projeto habitacional, existe as pessoas ocuparem suas casas”

Juliano Felipe, do Conselho Regional de Moradia Popular, iniciou a sua intervenção dizendo que a Campanha Despejo Zero é a prova cabal de que a unidade consegue fazer a força. “Os dados estão comprovando o que significa a falta de compromisso do governo municipal, estadual e muito mais do federal. A gente sempre diz que ocupação é o único projeto habitacional que existe no país. Não existe projeto habitacional, existe as pessoas ocuparem suas casas, ocuparem áreas que não têm sua função social, que estão lá simplesmente para a especulação imobiliária, e as pessoas ocupam e constroem suas casas atendendo aquilo que o Estado não faz”, ressaltou.

Também se manifestaram durante a coletiva do deputado estadual Edegar Pretto (PT), e o integrante da direção do MST/RS, Jeronimo Pereira da Silva (Xirú).

Clique aqui para conferir os dados atualizados da Campanha Despejo Zero.


Manifestantes concentrados na Assembleia Legislativa / Foto: Carolina Lima / CUT-RS

Abaixo, a coletiva na integra:

 

#aovivo Entrevista Coletiva Movimento Contra Despejos e Remoções

Posted by Rede Soberania on Tuesday, June 21, 2022

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Edição: Marcelo Ferreira