Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Bolsonaro e o neoliberalismo

"Com o fracasso político de Bolsonaro, os neoliberais não têm outro projeto político eleitoralmente viável"

Brasil de Fato | Santa Maria |
"Bolsonaro deu aos neoliberais a primeira eleição sem que fosse preciso pactuações sociais e concessões distributivas. E então a máquina terraplanista neoliberal do Paulo Guedes passou o rodo" - Ueslei Marcelino / REUTERS

Com o histórico abismo social e as desigualdades indecentes que existem no Brasil desde antanho, nenhum presidente havia ganho uma eleição até 2018 sem propostas de fundo distributivo.

Na era Vargas, Juscelino e Jango, o mote era o desenvolvimentismo; da redemocratização até o Plano Real era acabar com a inflação; nas eleições de Lula e Dilma foram as questões da fome, da habitação, do emprego e renda, de um projeto nacional de desenvolvimento.

Assim, o neoliberalismo nunca teve espaço eleitoral para ganhar uma eleição com seu próprio projeto...

Até Jair Bolsonaro.

Bolsonaro, porém, nunca foi neoliberal, ele chegou a propor o fuzilamento de FHC pelas privatizações que fez. Mas como ele também nunca teve projeto econômico algum para o país, entregou a um neoliberal raiz a condução da sua política econômica.

E se concentrou no que sabe fazer melhor: agitação política, retórica de ódio, exaltação do armamentismo e do militarismo, confrontação das instituições democráticas e instigação do reacionarismo de costumes.

E foi assim que ele surfou na onda do lavajatismo antipetista, ressuscitou o fantasma do comunismo como quem assusta crianças com o homem do saco, virou cristão freestyle, alimentou suas bolhas nas redes sociais com o sangue fresco das minorias, dos esquerdistas, dos artistas, dos indígenas, dos quilombolas, dos seus inimigos imaginários, usou e abusou de um enxame de robôs e fake News para gadificar seguidores...

Enfim... se elegeu “presidente”.

E assim Bolsonaro deu aos neoliberais a primeira eleição sem que fosse preciso pactuações sociais e concessões distributivas.

E então a máquina terraplanista neoliberal do Paulo Guedes passou o rodo. Em três anos trituraram direitos como nunca antes neste país. E só não fizeram mais, a reforma administrativa que acabaria com os serviços públicos, a privatização do SUS, das universidades e dos centros de pesquisa públicos, a venda total das estatais e do patrimônio nacional, porque foram acossados por dois anos de pandemia que consumiu energia e recursos públicos, e que dividiu o país politicamente, fazendo com que ele perdesse apoio de boa parte dos próprios neoliberais.

Mas agora seu casamento com o neoliberalismo está em crise. Ele não serve mais aos neoliberais, e os neoliberais não lhe servem mais, e os episódios em torno da Petrobras são só a manifestação mais eloquente deste fenômeno.

Bolsonaro é subversivo, agitador, disruptivo, criador de instabilidades políticas e institucionais, e o mínimo que os neoliberais precisam é um ambiente de negócios estável e com garantias contratuais, que só podem ser providos por instituições fortes.

Mas o neoliberalismo é impopular, cria e aprofunda desigualdades sociais, trava a economia, gera inflação, e Bolsonaro é populista e precisa ganhar eleições para se manter no jogo, mesmo que flerte e blefe com golpes.

Bolsonaro serviu temporariamente aos neoliberais, sujou as mãos para fazer as reformas que cassaram direitos e privatizaram parte do patrimônio público brasileiro, mas já começa a dar problemas.

Os neoliberais serviram ao Bolsonaro, garantiram que ele tivesse um plano econômico mesmo ele não tendo ideia do que era isso, e permitiram torná-lo tolerável às elites nacionais, apesar do asco que elas têm ao seu comportamento tosco e iletrado.

Mas o seu neoliberalismo de ocasião provavelmente ferrou sua reeleição. E agora ele briga desesperadamente contra políticas neoliberais, como a política de preços da Petrobras, para tentar reverter seu declínio político.

Bolsonaro já foi útil, mas agora ele é ruim para os negócios neoliberais; os neoliberais já foram úteis ao Bolsonaro na eleição passada, mas agora as políticas econômicas e sociais predatórias do neoliberalismo que ele abraçou ameaçam a sua sobrevivência política.

Há um divórcio em andamento, mas ambos estão à deriva. Com o fracasso político de Bolsonaro, os neoliberais não têm outro projeto político eleitoralmente viável no qual embarcar, e com o fracasso econômico e social das políticas neoliberais, Bolsonaro perdeu totalmente o contato com a realidade, só lhe restaram o mundo dos coturnos, das fadas e dragões, no seu universo paralelo.

E é por aí que ele vai perder a eleição.

Bolsonarismo e neoliberalismo não vão morrer abraçados, provavelmente irão afundar um agarrado ao pescoço do outro.

E eu vou comprar pipocas...

* Renato Souza é professor titular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), formado em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal de Pelotas (1992), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996) e doutorado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2004).

** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko