Rio Grande do Sul

Vida das Mulheres

Comissões debatem desmonte da Casa Viva Maria e da rede de acolhimento no RS

Audiência nesta quarta-feira (22) na Assembleia Legislativa do RS expôs a fragilidade da rede de proteção às mulheres

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Ativistas dos movimentos de mulheres, representates do governo e parlamentares participaram de audiência pública híbrida nesta quarta-feira (22) - Foto: Celso Bender | Agência ALRS

De janeiro até maio deste ano, o Rio Grande do Sul registrou 45 feminicídios, sendo dois registrados na capital gaúcha, de acordo com o Observatório Estadual de Segurança Pública, da Secretaria da Segurança Pública do RS. Em audiência pública conjunta das comissões de Cidadania e Direitos Humanos e Segurança, Serviço Público e Modernização Administrativa da Assembleia, realizada nesta quarta-feira (22), foi debatido como o avanço dos casos de feminicídio expõe a fragilidade da rede de proteção do estado e do encolhimento de atendimento da Casa Viva Maria, em Porto Alegre.

A deputada Sofia Cavedon (PT) e o deputado Jeferson Fernandes (PT) foram os autores da solicitação de audiência. Representantes de órgãos como Polícia Civil, Defensoria Pública, Câmara Municipal e Prefeitura de Porto Alegre, além de movimentos sociais, participaram do debate, que partiu de uma grave realidade de violência no estado somente neste ano: além dos 45 feminicídios, foram 13.092 casos de ameaça, 7.614 de lesão corporal, 864 casos de estupro e 101 tentativas de feminicídio.

Pioneira na Capital, há 30 anos a Casa Viva Maria é um abrigo protegido para mulheres em situação de violência doméstica e sexual, em risco de vida e/ou de novo episódio de agressão grave. Vinculada à secretaria de Saúde de Porto Alegre, a Casa vem sofrendo o encolhimento de suas equipes, em especial nos horários noturnos e finais de semana, que é justamente quando se dá o maior fluxo das demandas de acolhimento das mulheres vítimas de violência doméstica, acompanhadas dos filhos. O local dispõe de garantias legais para acolher mulheres com medida protetiva.

“Estamos enfrentando um problema muito sério de recursos humanos. Temos vários cargos sem servidores para dar conta do atendimento das mulheres no abrigo e isto vem se agravando ao longo do tempo”, enfatizou a coordenadora da Casa, Saionara Santos. De acordo com ela o encolhimento do quadro acaba refletindo no atendimento das demandas do serviço. Ela  também pontuou que não há segurança de que o local continuará na pasta da Saúde ou será deslocada para a Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC). 

A casa recebeu, neste ano 36 famílias, em torno de 86 pessoas, com média de permanência de 26 dias. “Estamos atuando na capacidade máxima de servidores”, afirmou. Contudo, há descontinuidade no atendimento. Ela referiu, ainda, que a violência é uma questão de saúde pública e envolve diversos equipamentos desta área.

O secretário de Desenvolvimento Social de Porto Alegre, Léo Voigt, disse que a Casa Viva Maria é um patrimônio da cidade e nada vai comprometer seu papel ou reduzir sua capacidade e competência de atendimento, independente do órgão ao qual esteja vinculada. Reconheceu que é preciso fortalecer os recursos humanos. “esse diagnóstico está na nossa mesa”, disse, pontuando que a administração busca expandir a capacidade de acolhimento das mulheres além da Casa. Apesar de "estar com crise conjuntural, mas não é crise de encerramento”, garantiu. Citou outros espaços, como a Casa Lilás, e anunciou a Casa de Passagem, com funcionamento 24 horas, durante toda a semana, para mulheres em situação de violência e migrantes.

"Mais do que segurança elas precisam é de acolhimento"

A defensora pública Luciana Artus Schneider, do Núcleo dos Direitos da Mulher, também destacou o papel estratégico da Casa Viva Maria no contexto de enfrentamento da violência contra a mulher e ponderou que a essência da Lei Maria da Penha passa pela existência das casas de acolhimento. Ela referiu a situação dos plantões das delegacias da mulher, onde fica exposto o contexto de desabrigamento. “Mais do que segurança elas precisam é de acolhimento pelo sistema e pela rede de proteção”, assegurou a defensora.
 
A coordenadora dos Direitos da Mulher da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Fernanda Mendes Ribeiro, explicou que a partir da demanda das delegacias especializadas a administração focou na criação da Casa de Passagem, que entrará em funcionamento a partir de agosto deste ano. Ela explicou que o espaço terá equipe 24 horas para regulação das vagas, disponibilidade para 20 famílias, não terá limite de idade para a permanência dos filhos e vai encaminhar para a rede de apoio. Ela disse ainda que é preciso aumentar as vagas na Casa Viva Maria, que não perderá sua função como política pública.
 
Apesar do anúncio da Coordenadoria dos Direitos da Mulher, de funcionamento a partir de agosto de Casa de Passagem, a urgência e a vulnerabilidade das mulheres vítimas, que diariamente são atendidas no plantão da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, exigem garantias de que a Casa Viva Maria tenha estrutura e equipes disponíveis para acolher a demanda, disse a delegada Cristiane Machado Pires Ramos, diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher. “A DEAM não tem como esperar até agosto”, desabafou a delegada, que rotineiramente acolhe as mulheres depois dos encaminhamentos legais e não encontra local para o abrigamento noturno, muitas vezes utilizando recursos de vaquinha da equipe policial para alimentação e local às vítimas e seus filhos.

Encaminhamentos

Para tratar desse assunto, a deputada Sofia Cavedon encaminhou a realização de nova reunião com o secretário Léo Voigt, nas próximas semanas, assim como contato com a Federação das Associações de Municípios do RS (FAMURS) para tratar dos Centros de Referências Municipais, uma vez que apenas 25 estão disponíveis no estado justamente quando a violência aumenta contra as mulheres e a rede de proteção é abandonada.

Outro assunto vinculado ao tema é a eleição do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, órgão desativado pelo governo estadual e que também reflete no recuo das políticas públicas para as mulheres. “Precisamos que as políticas públicas sejam articuladas”, destacou a deputada, citando a desativação do Centro de Referência Vânia Araújo, em Porto Alegre, como exemplo da desativação das ferramentas básicas para enfrentar o feminicídio e os crimes de gênero no RS. Cavedon indicou ainda encontro com as delegadas das DEAMs, para apurar em detalhes situações de falhas na rede de proteção. Além da CCDH, também a Procuradoria da Mulher e a Força Tarefa Contra o Feminicídio participarão das agendas.

A deputada Luciana Genro (PSOL) também apontou que há um “problema de fluxo” uma vez que as delegacias especializadas buscam vagas e as mulheres ficam nas escadarias das delegacias. “Alguma coisa está errada”, disse ao reclamar do “esforço zero” do estado em aplicar recursos para o combate à violência contra a mulher. O que para ela reflete o padrão do governo federal.

O deputado Jeferson Fernandes (PT) pontuou que a situação da Casa Viva Maria precisa ser resolvida com brevidade e observou que é preciso ampliar o debate a respeito das casas de abrigamento e acolhimento no estado. Autor de lei estadual sobre acolhimento de mulheres vítimas de violência, lamentou que na prática esses locais não estão sendo disponibilizados, justamente quando o discurso de ódio contra as mulheres provoca crimes quase diários no país.

Pela Força Tarefa de Combate aos Feminicídios da Assembleia Legislativa, vinculada à comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do estado, a ex-secretária de Política para as Mulheres, Ariane Leitão, apresentou relatório de 42 páginas com o trabalho de dois anos que apurou o enfraquecimento das políticas públicas para as mulheres no estado e o descumprimento da Lei Maria da Penha.

"Além da falta de políticas públicas, não há orçamento direcionado para o combate à violência contra a mulher", denunciou Ariane, que apresentou também diversas recomendações de ações para enfrentar a situação. 

O Levante Contra o Feminicídio se manifestou através de nota. De acordo com a organização, por mais que a maioria dos feminicídios sejam cometidos pelos companheiros ou ex-companheiros das vítimas, os chamados crimes íntimos, e estes precisem ser responsabilizados e punidos integralmente pela violência extrema cometida, é o Estado que está por trás desse crime hediondo, seja por não coibir e prevenir como deveria, seja por não oferecer uma rede de proteção efetiva às mulheres. Segundo o projeto Lupa Feminista Contra o Feminicídio de janeiro até 14 de junho deste ano, foram registrados 50 feminicídios no estado.

Manifestaram-se ainda os vereadores Jones Reis (PT) e Laura Sito (PT), Cristina Bruel pelo Conselho Estadual dos Direitos Humanos, o Major Donato da Brigada Militar, além da presença de diversas ativistas dos movimentos de mulheres.

*Com informações da Agência de Notícias da ALRS.


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Edição: Marcelo Ferreira