Contramão do mundo

Enquanto Brasil privatiza, França vai nacionalizar maior empresa de energia elétrica do país

Governo francês quer retomar controle total de companhia energética em busca de soberania

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Brasil privatiza controle de sua geração de energia enquanto França reestatiza - Foto: Marcello Casal | ABr

Dias depois de o governo brasileiro privatizar a Eletrobras, o governo francês anunciou que vai nacionalizar a maior geradora de energia elétrica da França. Enquanto o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) se desfaz da maior companhia elétrica da América Latina, a França ruma no sentido completamente oposto para garantir sua soberania.

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Justamente citando a soberania foi que a primeira-ministra da França, Élisabeth Borne, anunciou na quarta-feira (6) a reestatização da Électricité de France (EDF). O governo francês já detém 84% das ações da companhia – ou seja, é sócio-controlador da empresa. Ainda assim, quer ter 100% do capital da EDF.

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Segundo Borne, a retomada das ações da EDF postas à venda na Bolsa de Valores de Paris em 2005 é necessária para realizar “ambiciosos e indispensáveis” projetos para o futuro energético da França. Parte desses projetos visa tornar a matriz energética francesa mais sustentável e menos dependente do gás importado da Rússia, país que está em guerra contra a Ucrânia desde fevereiro.

Por conta da guerra, o custo da energia na França subiu. O governo interveio para tentar segurar os preços. A intervenção, contudo, foi limitada já que a EDF atualmente tem capital misto, característica que o presidente francês, Emmanuel Macron, resolveu mudar.

Para recomprar a parte das ações da EDF nas mãos de investidores privados, o governo francês terá de gastar cerca de 5 bilhões de euros. Considerando a cotação atual da moeda, seriam mais de R$ 27 bilhões.

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Já o governo brasileiro recebeu cerca de R$ 30 bilhões para se desfazer do controle da Eletrobras, privatizada no mês passado. A União detinha cerca de 70% das ações com direito a voto da empresa. Na contramão do que fez a França, o governo Bolsonaro optou por reduzir sua participação na companhia a cerca de 40%, cedendo espaço sobre as decisões da empresa, inclusive para investidores estrangeiros.

Membros do governo Bolsonaro também têm defendido a privatização da Petrobras, outra estatal brasileira do ramo de energia. A venda do controle da empresa está oficialmente em estudo no Ministério da Economia. Hoje, 45% das ações da petroleira são de estrangeiros.

“Nós estamos indo na direção contrária da França e do mundo”, afirmou economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Há dezenas de empresas mundo afora que estão sendo reestatizadas pelos seus respectivos governos exatamente para garantir o abastecimento de um bem essencial e estratégico, que é a energia. Nós estamos indo para a internacionalização.”

Deyvid Bacelar, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP) ratificou que o Brasil caminha na contramão do mundo.

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Reestatização pelo mundo

Uma pesquisa realizada em 2017 pela entidade holandesa Transnational Institute (TNI) identificou a ocorrência de pelo menos 884 casos de reestatização entre os anos de 2000 e 2017. No total 835 empresas que haviam sido privatizadas foram remunicipalizadas e outras 49 foram renacionalizadas.

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Segundo o mapeamento, a tendência se mostra mais forte na Europa, onde somente Alemanha e França respondem por 500 casos, mas é observada também em outros lugares do globo, como Japão, Argentina, Índia, Canadá e Estados Unidos. Um dos países de maior referência para o sistema capitalista, os EUA figuram na terceira posição do ranking, tendo registrado 67 reestatizações no período monitorado pela TNI.

De acordo com a TNI, as reestatizações estão ligadas à má qualidade na prestação dos serviços de empresa privatizadas e ao aumento de preços. O valor de tarifas de energia na França é uma das justificativas para a reestatização da EDF.

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“A experiência de empresas privatizadas no campo de energia em diversos países apontou a continuidade na insegurança energética e a oscilação dos preços, além de um aprofundamento de ações que impedem a sustentabilidade ambiental”, acrescentou o economista Marcio Pochmann.

Pochmann afirmou que, na década de 1930, empresas de energia dos Estados Unidos foram estatizadas para conter inundações e desmatamentos. Agora, a França também indica que pretende usar uma empresa de energia estatal para tornar sua matriz energética mais sustentável.

O governo Bolsonaro, segundo ele, demonstra não ter esse tipo de preocupação quando privatiza o controle da Eletrobras.

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Brasil pode imitar?

Roncaglia, no entanto, acredita que a privatização da Eletrobras pode ser revista no futuro. Ele lembrou que movimentos populares já apontaram uma série de irregularidades na operação para venda do controle da empresa. Parte delas está em discussão na Justiça.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros pré-candidatos a presidente já disseram que, caso sejam eleitos em 2022, pretendem reverter a venda da Eletrobras. Existe a possibilidade de o governo recomprar as ações que vendeu, apesar dessa operação não ser trivial.

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O pré-candidato Ciro Gomes é um dos que prometeram reestatizar a Eletrobras. Na quarta-feira, ele ironizou o governo Bolsonaro ao compartilhar em redes sociais a notícia sobre reestatização da EDF.

Edição: Rodrigo Chagas