Rio Grande do Sul

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Grande perigo à vista

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"A que ponto a bestialidade chegou ao Brasil em 2022! Os últimos acontecimentos são, em primeiro lugar, chocantes. Em segundo, são extremamente perigosos" - Sergio Lima / AFP
Os tempos são perigosos. Preparemo-nos! Com diálogo, organização, esperança

“Bolsonaro não quer clube de tiro virando biblioteca; prefere biblioteca de bala” (Fernando Brito, tijolaco.net, 30.06.2022) “Na sua live de hoje, vangloriando-se de termos já quase 1 milhão de atiradores licenciados, com um crescimento de 72% no número de lojas de armas e de 90% no de clubes de tiro, Jair Bolsonaro criticou Lula porque este iria fazer com que estes fossem transformados em bibliotecas.”

Presidente Jair Bolsonaro: “Não se esqueçam. que o outro cara, o de 9 dedos, falou que vai acabar com a questão do armamento no Brasil, tá? Vai recolher as armas, clube de tiro vai virar... vai virar biblioteca” (Blog da Cidadania, 01.07.2022). “Em um segundo mandato, seremos capazes de passar leis sobre armas muito parecidas com as dos EUA” (Brasil 247, 01.07.2022).

Grifo meu: notem que as declarações e as manchetes são de vários dias antes do assassinato do militante do PT, Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu!

“O número de caçadores, atiradores e colecionadores de armas de fogo aumentou 325% de 2018 a 2021 no país” (Dom Jaime Spengler, ´Um Clamor pela Paz´, Zero Hora, 09.10/07/2022).

“O Exército admitiu ser incapaz de produzir relatórios detalhados sobre os tipos de armas atualmente nas mãos dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores)” (Diário do Centro do Mundo, em ´Exército perde o controle sobre armas nas mãos de CACs, 03.07.2022).

“Eduardo Bolsonaro comemorou seu aniversário no domingo com um bolo que trazia um revólver calibre 38 feito de glacê. Deputado comemorou 38 anos de vida; como o presidente, defende a ampliação do acesso da população ao porte de armas” (Poder 360, 11.07.2022).

A que ponto a bestialidade chegou ao Brasil em 2022! Os últimos acontecimentos são, em primeiro lugar, chocantes. Em segundo, são extremamente perigosos.  

Deixam um alerta sobre o que pode acontecer a qualquer um na rua, na festa do seu aniversário, em missa, culto, celebração na igreja ou terreiro, no campo de futebol, ou mesmo dentro da própria casa.

Quem escreve este artigo, eu, não é alguém que não saiba, de alguma maneira, do que está falando. Nos anos 1950, década do meu nascimento, e herdado do avô, em tempos anteriores, papai, como quase todas, senão todas, as famílias de Santa Emília, interior de Venâncio Aires, Rio Grande do Sul, agricultores familiares, papai tinha uma arma/espingarda de dois canos, das boas, em casa. Papai a usava de vez em quando e apenas para necessidades urgentes: perigo de animais grandes, até onças, que rondavam a casa cercada de mato, caçar algum pássaro ou bicho maior, não alcançado pelo bodoque, e coisas assim.

Nós crianças mal, ou nunca, víamos a espingarda, que ficava muito bem guardada e escondida no quarto dele e de mamãe, bem longe dos nossos olhos, braços e curiosidade. Que eu me lembre, nunca a peguei na mão. Jamais essa espingarda foi usada para atirar em alguém por quem quer que fosse, nem mesmo ameaçou alguém. Não lembro de nenhuma morte ou assassinato de pessoa da comunidade naqueles tempos. Mais tarde, a espingarda de papai foi desativada, quando a vi e peguei na mão uma que outra vez.

A ordem primeira lá em casa era: estudar, ser o melhor da sala de aula, aprender a ler e escrever bem. Eu, o mais velho dos nove filhos, disputei durante os 5 anos do primário na Escola São Luiz quem era o melhor da minha turma. Estive sempre entre os três primeiros e melhores, às vezes o primeiro, incentivado por papai e família. Filhos de colonos, os nove filhos e filhas de papai Léo e mamãe Lúcia têm pelo menos o segundo grau completo. Na casa da minha família, interior do interior, há uma biblioteca, guardada no meu quarto, que mantenho hoje: livros com bem mais de um século de vida e história, muitos em alemão, alguns em alemão gótico, como Bíblias, romances, revistas, um tesouro que nos fizeram aprender a ler, eu a escrever, rezar, a gostar de cultura e entender o mundo.

Por isso, na paz, na solidariedade comunitária que aprendi naqueles tempos e por toda vida, digo hoje, 2022, repito e reafirmo o que disseram autoridades e alguns Mestres.

“Sociedade armada é sociedade oprimida. A sociedade precisa armar-se do seu voto, consciência política, sentimento de justiça, coexistencialidade” (Ministro Edson Fachin, Jornal do Brasil, 07.07.2022).

Dom Jaime Spengler, franciscano, Arcebispo de Porto Alegre reflete (Artigo ZH, citado acima): “Urge não fechar os olhos diante da corrida armamentista no Brasil. Sim, pátria amada não é pátria armada! ´O gasto com armas de fogo é um escândalo, suja o coração, suja a humanidade´ (Papa Francisco), particularmente quando alimentado por discursos fundamentalistas, inclusive religiosos, que transformam adversários em inimigos e comprometem a fraternidade. A vida é o maior dom! Promover a vida e cuidar dela implica trabalhar artesanalmente pela paz, pela justiça social e pelo bem comum, sempre no respeito pelas diferenças, valorizando a liberdade religiosa e a verdade, dialogando até a exaustão.”

Luis Fernando Verissimo: “O nosso lado está com a razão, mas o lado deles está armado.”

“Quem fala de paz e não a faz está em uma contradição. E quem fala de paz e favorece a guerra com a venda de armas é um hipócrita. Um político nunca deve semear ódio e medo, mas esperança” (Papa Francisco).

Os tempos são perigosos. Preparemo-nos! Com diálogo, organização, esperança. E no voto contra as armas, a favor de livros e bibliotecas. SIM À VIDA E À PAZ!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko