Rio Grande do Sul

Coluna

Ações são semeaduras que podem se estender além de nosso tempo em vida

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XVII Festa Regional das Sementes Crioulas: Resistindo, Partilhando e Preservando, em Mangueirinha/PR, reuniu mais de 1.100 pessoas - Foto: Leonardo Melgarejo
Todos somos sementes e há semeadura em tudo que fazemos

Não é ótimo participar de encontros que evidenciam o rebrotar da vida?

Festas de reconhecimento e partilha. Reuniões onde o transbordamento de esperanças dilui dúvidas, rói incertezas, espanta medos.  

Foi assim na XVII Festa Regional das Sementes Crioulas: Resistindo, Partilhando e Preservando, em Mangueirinha/PR, há 6 dias.

Ali estiveram mais de 1.100 pessoas (talvez dois terços delas com mais de 50 anos). Guardiões de sementes, agricultores, pesquisadores, estudantes, representantes de povos dos campos e das cidades, em busca de congraçamento e reforço de convicções em uma luta desigual, pela saúde de cada um, de cada comunidade, de todos.

Uma verdadeira festa cidadã, organizada pelo Fórum Regional das Organizações e Movimentos Sociais do Campo e da Cidade do Sudoeste do Paraná, com apoio da Assesoar, de cooperativas e representantes de pastorais, do bispado e de diversas prefeituras. O encontro celebrou a biodiversidade e sua importância.

Viabilizou doações e trocas de enorme variedade de sementes, tubérculos, raízes, chás medicinais e mudas frutíferas, em diálogos renovadores da importância dos conhecimentos ali contidos e de sua preservação, para a soberania e a segurança alimentar de todas as famílias.

O encontro definiu sua orientação e relevância por meio de uma carta política que destaca compromissos regionais no combate às desigualdades e pela promoção de políticas protetivas aos direitos humanos, para superação da fome, dos preconceitos e das iniquidades que aceleram quadro de devastação em todo território nacional. Apontaram a necessidade de unir forças para conter o avanço de políticas e mecanismos predatórios que limitam o acesso do povo à terra, à água limpa e a formas de produção amistosas à biodiversidade. Denunciaram o recrudescimento de perseguições a povos e comunidades tradicionais, bem como as contaminações da saúde humana, animal e ambiental, pelo uso de agrotóxicos, pelas degradações ecossistêmicas e pela fragilização de normas constitucionais protetivas.

Reclamaram políticas de apoio à capacidade produtiva e reprodutiva da Agricultura Familiar de base agroecológica, e a reconstrução de espaços de interlocução com instâncias de governo, sucessivamente desativados desde o golpe de 2016.

Enunciando que “Todos somos sementes, portanto há semeaduras em tudo o que fazemos!”, cantaram e partilharam compromissos de manutenção e ampliação de momentos como aquele, que já se repetem desde a primeira festa das sementes, em 2003.

“Todos somos sementes e há semeadura em tudo que fazemos”, ilustra também o anúncio de inauguração de agroindústria de derivados de milho livre de transgênicos da Cooperativa Agroindustrial de Produção e Comercialização Conquista (Copacon), localizada no Assentamento Eli Vive I, Londrina (PR). Ali, com o milho crioulo gerado pela agricultura familiar, serão produzidas, anualmente, 1 milhão de toneladas de derivados de milho não transgênico e de base agroecológica (fubá, farinha de milho biju, canjica amarela e canjiquinha xerém). As estruturas daquela agroindústria tiveram investimento (cerca de R$ 5 milhões) majoritariamente próprios e da FINAPOP – Programa de Financiamento Popular da Agricultura Familiar para Produção de Alimentos Saudáveis, a que se somaram cerca de R$ 600 mil provenientes do governo do Paraná.

Demarca-se assim novo e moderno tipo de estruturação econômica de base comunitária, envolvendo a agricultura familiar e a perspectiva de soberania e segurança alimentar. O fato alcança maior dimensão quando se considera a relevância da produção de base agroecológica, em escala de transformação agroindustrial, para a saúde humana e ambiental. Vale lembrar que no Paraná a contaminação das águas de consumo humano, por venenos agrícolas, atinge mais de 90% das cidades, incluindo a região Metropolitana de Curitiba. Em 326 dos 399 municípios paranaenses, estudos mostram a presença dos 27 tipos de agrotóxicos que a lei obriga pesquisar. Considere-se, neste ponto, que apenas no governo Bolsonaro foram aprovados mais de 1500 agrotóxicos e que centenas de princípios ativos, dos mais de 2150 venenos agrícolas disponíveis no mercado, sequer são incluídos nos testes de avaliação da qualidade das águas destinadas ao consumo humano.

A Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (Sesa), diante disso, ao mesmo tempo em que afirma que “a exposição crônica aos agrotóxicos, mesmo que em pequenas doses por longos períodos de tempo, pode causar diversos agravos à saúde da população”, repete que está tudo OK e não existiriam motivos para preocupação.

Percebe-se que com o suporte de uma pseudociência, deixa-se de dar atenção ao crescente número de casos de intoxicações e depressões que inclusive podem levar ao suicídio, e que se relacionam em grande parte ao uso de agrotóxicos. Cabe lembrar que o número de suicídios no Brasil já supera o equivalente a queda de três boeings/mês, e tende a crescer na medida que avançam os casos de desequilíbrios mentais, ansiedades e depressões relacionados ao somatório de crises por que passamos, e que, à sombra de omissão do governo, se fazem potencializadas pelo impacto dos agroquímicos sobre o sistema nervoso central de pessoas de todas as idades.

Esta situação que nos é conhecida e afeta especialmente – mas não apenas – os habitantes do rural, tende a ocorrer em países dominados por interesses de um agronegócio predador, associado a governos pouco afeitos à preocupações com a saúde da população. Nestes casos, e contando com apoio da mídia, de formadores de opinião, pesquisadores, pseudocientistas e agentes públicos tutelados por interesses econômicos, são comuns absurdos que ofendem o mínimo de racionalidade científica. Como exemplo, considere-se que o limite máximo “aceitável” para resíduos de glifosato, na água destinada ao consumo humano dos brasileiros (500 microgramas/litro) é 5 mil vezes maior do que o limite estabelecido para os europeus (0,1 micrograma/litro).


"Acredito que estamos em ponto de mudança que depende de ampliarmos nossa consciência" / Reprodução

Por estas e outras, acredito que estamos em ponto de mudança que depende de ampliarmos nossa consciência, proatividade e apoio às pessoas e organizações empenhadas em viabilizar iniciativas como a festa de sementes e a cooperativa acima referidas.

Vejam que os exemplos opostos também prosperam, também são semeaduras.

Poucos dias depois daquela pessoa que dizia “vamos fuzilar a petralhada” ter dado aos seus a senha de que “sabemos o que temos que fazer antes das eleições”, um de seus apoiadores (Jorge José Guaranho), gritando AQUI É BOLSONARO, invadiu a festa de aniversário de um petista e o matou a tiros, na frente na frente da família. A pessoa (Claudinei Coco Esquarcini) que atiçou o assassino, mostrando para ele gravação em vídeo do que acontecia na “festa petista”, logo a seguir, apareceu morto. Suicídio. 

Assim como teria sido suicídio a morte inesperada, em Brasília, de Sérgio Ricardo Faustino Batista, dirigente da Caixa Econômica Federal encarregado de apuração de irregularidades naquela estatal.

Suicídios, atestando ausência de elementos para buscar conexões de eventuais motivações políticas, suas origens e consequências, na Caixa Econômica e no assassinato de Foz do Iguaçu.

O presidente com a mesma perspectiva, ligou não para a viúva de Marcelo Arruda, ou para os filhos, mas sim para os irmãos bolsonaristas da vítima. Queria pedir apoio deles, junto à imprensa. Perdeu tempo. Os irmãos se recusaram a contribuir com tese daquela delegada rapidinha, que concluiu – sem examinar todos os elementos – por ausência de motivação política, para assassinato perpetrado, desde a largada, mas a seu entendimento não no desfecho, por motivações políticas.

Para completar a semeadura que alimenta nossa indignação, esta semana o presidente ainda convocou embaixadores de 40 países e na caradura aproveitou para, reciclando mentiras e distorcendo fatos, cometer crimes inéditos que desmoralizam ainda mais a representatividade das instituições nacionais.

Assessores presidenciais e coordenadores de sua campanha, alegando-se isolados do processo, e dada sua repercussão negativa inclusive nos EUA, trataram de botar a culpa do evento golpista no coronel Mauro Cesar Cid, velho amigo do presidente.

Embora as rápidas e fortes reações do presidente do Senado e dos demais presidenciáveis ninguém foi tão claro quanto o ministro Fachin, que convocou a sociedade civil a reagir contra o golpe em articulação por Bolsonaro, que estaria buscando “o envolvimento da política internacional e também das Forças Armadas" contra a democracia, violando  “as bases históricas do contrato social da comunicação, assim como premissas manifestas da legalidade constitucional”, em tentativa de "sequestrar a opinião pública e a estabilidade política".

Semeadura, sementes, colheitas.

Me ocorre que podemos fazer nossa parte, apoiando os grupos que nos enchem de esperança e mostrando aos demais nossa indignação. Para isso, basta criarmos a prática de andar em grupo, saindo pelas cidades a pé ou de bicicleta. Em blocos de 20, 30 ou 40 pessoas, com camisetas e bandeiras, em silêncio ou não. Sem aceitar provocações, mostrando quem somos e o que queremos plantar e colher.

Em músicas, me vieram duas.

Em homenagem à esperança que vence o medo, O sal da terra, de Beto Guedes, porque vamos precisar de todo mundo para banir a opressão... bem-vinda Anitta e todos não petistas a esta jornada em que, bem sabemos, um mais um é sempre mais que dois.

 

Em respeito à indignação, que também vence o medo, lembrando da Pamela, viúva do Marcelo, da Monica, viúva da Marielle, da Beatriz, viúva do Bruno, e da Alessandra, viúva do Dom, e tantas outras Marias e Clarices que não conhecemos, mas que sofrem pela semeadura do mal que precisamos extirpar, a música é O bêbado e a Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, com Elis Regina.

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko