Pernambuco

MEMÓRIA

Edifícios do Centro Histórico do Recife sofrem com falta de preservação e correm risco

No mesmo bairro onde está a terceira rua mais bonita do mundo, construções históricas correm risco de desabamento

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Àrea possui 4191 imóveis, conforme levantamento realizado em 2018 pela Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural - Vídeo - Iggor Gomes/PCR

A cidade do Recife tem em sua arquitetura os vestígios dos seus 485 anos. O centro da capital pernambucana reflete nas ruas e prédios uma história que começa pouco depois da invasão portuguesa e passa pelo período do domínio holandês na cidade.

Os bairros que formam o centro histórico são áreas pulsantes da cidade, com intensa circulação de pessoas por serem núcleos comerciais e políticos. Mas, quem passa por ali encontra um cenário degradado. Sem preservação, as marquises estão com rachaduras e já tiveram episódios de desmoronamento. Augusto Ferrer, arquiteto e co-presidente do departamento Pernambuco do Instituto de Arquitetura do Brasil, alerta que o problema é uma questão de manutenção

Leia: Museu Casa de Quinca Moreira expressa o processo de ocupação do sertão do Ceará

“A marquise é um elemento construtivo, como são as paredes, colunas e as vigas; e, assim como todos esses elementos, ela precisa de manutenção. Eles não são construídos para durarem para sempre, eles precisam ser observados. Uma coisa que a gente fala muito em preservação é o uso, preservação pelo uso. Os edifícios precisam ser utilizados para que sejam preservados, porque é aquela infiltração que aparece que você vê e resolve logo, é uma folha que você viu que impede a calha de funcionar corretamente e você tira a folha, é um mofo que aparece e você resolve”, destaca o arquiteto.

Comércio Informal

Entre os impactados estão os ambulantes da cidade, que muitas vezes trabalham em áreas de risco, mesmo sem saber. Recentemente, os trabalhadores precisaram ser removidos das imediações da Avenida Guararapes, no bairro de Santo Antônio, para a recuperação de uma marquise.


Ambulantes correm risco ao utilizar marquises como abrigo / CUT PE

“Nesse lugar, as marquises estavam com os ferros do lado de fora e eles estavam querendo fazer a manutenção do prédio e lá tem barracas instaladas embaixo, não é carroça que você vai e tira. São barracas que estão lá há mais de 30 anos”, aponta Lu Mendonça, diretora do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal do Recife (Sintraci) e diretora-executiva da União Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Camelôs, Feirantes e Ambulantes do Brasil. 

A terceira rua mais bonita do mundo ao lado da rua do prédio com risco de desabamento

Já no bairro do Recife, a Rua do Bom Jesus, recebeu o título de terceira rua mais bonita do mundo por uma revista especializada em arquitetura, a “Architectural Digest!”. No entanto, o bairro também tem um prédio abandonado em processo de demolição pelo risco de desabamento na Rua da Guia, paralela à rua premiada.


A Rua do Bom Jesus é considerada a mais antiga do Recife e é assim chamada por causa do arco de Bom Jesus, que existia como porta de entrada da cidade / Visit Recife/PCR

Para os movimentos de luta por moradia, isso também é um reflexo de como a habitação impacta na preservação da cidade. Sarah Marques, co-fundadora do Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, fala sobre a questão da moradia no centro e o impacto na segurança e na preservação.

“Você chega no centro do Recife você tem medo. Se você fosse pra antigamente na rua na Imperatriz, na Rua Nova, era cheio de gente e lojas, e hoje você tem medo de ficar lá. Mas se fosse cheio de gente morando e fosse gente igual a que mora nas comunidades e você vê que a comunidade né? Você tem gente circulando, tem uma vigilância natural eles não querem isso, porque não é o modelo de cidade que eles acham que é inteligente e não cabe a gente não é não é pra gente não é esse povo”, destaca Sarah.

A Frente Parlamentar do Centro do Recife

Parte do centro histórico do Recife é considerada Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural. Lá, ficam 4191 imóveis, conforme levantamento realizado em 2018 pela Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural da prefeitura. O debate sobre a memória histórica passa também pela Câmara dos Vereadores, na Frente Parlamentar do Centro do Recife. 

Leia: Ocupe Passarinho discute moradia, transporte e outros serviços para bairro do Recife

“Foi muito importante a gente pautar a discussão do centro do Recife na Câmara de Vereadores, porque a gente costuma dizer que todo recifense tem dois bairros: o bairro de sua residência e outro bairro do coração que é o centro do Recife. A casa teve muito interesse em discutir, principalmente porque o centro é o cartão postal da nossa cidade. Sem o centro do Recife, a gente não tem a proteção patrimonial. Sem o centro do Recife, a gente não tem o desenvolvimento comercial, o setor de serviços da nossa cidade, de comércio”, afirma a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) que é presidenta da frente.

Em nota, a Prefeitura do Recife atribuiu as condições de conservação dos imóveis à falta  de manutenção periódica por parte de seus responsáveis. A prefeitura informou que vem procurando estimular ações de conservação através de incentivos fiscais e do instrumento que prevê utilização compulsória de imóveis abandonados.

Confira a nota na íntegra:

O Centro Histórico do Recife é formado pelos Bairros do Recife, Santo Antônio, São José e Boa Vista. Amplas áreas desses bairros são protegidas institucionalmente pela Prefeitura do Recife, através das Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (ZEPH). Ao todo, constam 4191 imóveis localizados nas principais ZEPH (08, 09, 10 e 14) presentes nesses bairros, conforme levantamento realizado em 2018 pela Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC), integrante do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS), da Secretaria de Política Urbana e Licenciamento (SEPUL).

A preservação desses imóveis, bem como dos conjuntos urbanos onde se situam, com seus espaços públicos e a ambiência característica, é fundamental para a valorização da memória e da identidade da cidade. No âmbito de suas atribuições, a DPPC/ICPS vem estudando e diagnosticando de maneira aprofundada todos os sítios históricos protegidos em nível municipal, desde 2016, procurando identificar a situação real dos conjuntos urbanos e bens edificados, de maneira a orientar as políticas públicas de recuperação.

É importante salientar que o principal problema que afeta as condições de conservação dos imóveis não é o tempo de sua existência – havendo inúmeros exemplos e casos de imóveis centenários em boas condições de uso e habitabilidade, no Recife, no Brasil e no mundo –, mas sim uma ausência de condutas de manutenção periódica por parte de seus responsáveis. Essas condutas podem ocorrer por motivos diversos, desde baixa disponibilidade de recursos financeiros até práticas especulativas. Com relação ao primeiro motivo, a Prefeitura do Recife vem procurando estimular ações de conservação através de incentivos fiscais – como é o caso da Lei que instituiu o Recentro. Quanto à possibilidade de abandono de imóveis com fins de especulação, o instrumento urbanístico do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC) – recentemente promulgado na cidade do Recife, busca reverter esse tipo de situação. Diversas outras possibilidades podem ocorrer, sendo necessário enfatizar o quão complexa será uma política de preservação e recuperação dos imóveis de interesse cultural, de maneira a evitar que situações-limite como a da demolição na Rua da Guia venham a ocorrer novamente.

Com relação aos processos de licenciamento de obras nos imóveis protegidos, eles são extremamente necessários, tendo em vista a necessidade de avaliação cautelosa com relação às possibilidades de intervenção nos bens culturais, de maneira a não colocar em risco seus valores e atributos. Os procedimentos podem ser mais ou menos céleres, a depender de fatores como a complexidade do bem, a natureza da intervenção, o estado de conservação do imóvel, o grau de conhecimento técnico dos profissionais envolvidos, entre outros. São procedimentos, portanto, cuja celeridade depende da colaboração dos mais diversos atores envolvidos, tendo em vista o reconhecimento de que o uso dos imóveis protegidos é fundamental para a sua conservação e preservação, mas, também, que o uso não deve ser um fator que se sobreponha aos valores reconhecidos em cada imóvel. Essa é uma avaliação de grande importância, realizada pelos órgãos de preservação.
 

Edição: Vanessa Gonzaga