Rio de Janeiro

violência doméstica

"Medida protetiva não é suficiente para proteger mulheres da violência", avalia pesquisadora

Últimos casos de feminicídio ocorridos no RJ são exemplos do desamparo que muitas mulheres enfrentam após a denúncia

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Cena de violência doméstica
Ocorrência de crimes contra a mulher é o principal motivo de ligações para o 190, telefone de emergência da Polícia Militar do RJ - Agência Brasil/Reprodução

O Observatório Judicial da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), registrou mais de 15 mil emissões de medidas protetivas de urgência até maio deste ano. Pela Lei Maria da Penha, a proteção tem por objetivo preservar a integridade física da vítima e impedir que o agressor se aproxime. A mulher que sofrer uma violência ou se sentir ameaçada pode solicitar a medida em qualquer delegacia ou pela internet. 

Leia mais: RJ tem aumento de 20% nos casos de feminicídios e três mortes em um dia

Para Camila Belisario, antropóloga e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) que estuda narrativas de mulheres que denunciam violência doméstica na Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), localizada no centro do Rio, além de grupos de apoio no Facebook, a denúncia é um passo importante para romper o ciclo de violência, no entanto, o amparo institucional tem limitações. Uma delas é a demora do judiciário no andamento dos processos que podem levar à prisão do agressor. 

Há mais de 124 mil processos em trâmite no estado do Rio relacionados à violência doméstica, segundo o TJ-RJ. Nesse sentido, Camila acredita que a medida protetiva é um dispositivo mais ágil e que pode inibir a escalada de violência pela possibilidade da prisão em flagrante do agressor. A detenção varia de três meses a dois anos.

“Da medida protetiva até a eventual prisão é um tempo longo. Vejo depoimentos de até anos. Mas se há descumprimento da medida protetiva é prisão em flagrante. Em geral são os casos onde se vê de fato a prisão, mesmo que seja por um período curto, algo que as mulheres reclamam”, disse a pesquisadora, que integra o Grupo de Pesquisas em Antropologia do Direito e Moralidades (Gepadim) do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC-UFF). 

Outro desafio que ela aponta é o acompanhamento das medidas protetivas por meio do programa "Patrulha Maria da Penha", da Polícia Militar, que fiscaliza e realiza visitas em domicílio das mulheres vítimas de violência.

“O pós-denúncia e o cumprimento das medidas protetivas é o nó que precisamos desatar. Vemos alguns casos de feminicídio em que a vítima tinha medida protetiva e mesmo assim acontece a violência, até o assassinato. A lei e os mecanismos são importantes, mas isso não garante que a mulher vai estar em segurança. É necessário que se trabalhe em outras frentes”, reforça Camila. 

Ciclo de violência

A pesquisadora lembra que a medida protetiva em favor de Letícia Dias, por exemplo, não foi suficiente para impedir o assassinato da jovem de 27 anos que aconteceu em Niterói, na região metropolitana do Rio, na última semana. 

Antes do crime, Letícia chegou a se mudar para fugir do ex-companheiro. Ela deixou dois filhos pequenos desse relacionamento. O caso é um exemplo recente do desamparo que muitas mulheres enfrentam mesmo após a denúncia. Além dela, pelo menos outras duas mulheres foram assassinadas somente na última terça-feira (26) no estado do Rio.

“O sentimento de desproteção posterior a denúncia ainda é um ponto que a gente precisa chamar atenção. Claramente os casos têm mostrado que só isso não está funcionando. Elas se sentem desprotegidas mesmo tendo a medida protetiva”, completa Camila.

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Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que de janeiro a julho foram registrados 57 casos de feminicídio no estado. No ano anterior foram 48, o que representa um aumento de quase 20% na comparação com o mesmo período.

“É muito difícil que ocorra um crime de feminicídio sem um histórico de violência doméstica antes. Em geral são relacionamentos marcados pela violência. O homem fica agressivo, pede desculpa e depois começa tudo de novo. Isso se convencionou chamar de ciclo da violência. Com o agravante de que a cada novo ciclo fica mais violento”, observa a pesquisadora.

Canais de denúncia

Além das delegacias, qualquer pessoa que presenciar ou sofrer a violência pode ligar para a Polícia Militar pelo número 190 e solicitar uma viatura ao local. A Central de Atendimento à Mulher também atende 24h pelo telefone 180. A ocorrência de crimes contra a mulher se mantém como o principal motivo de acionamento da PM com 25.684 casos de janeiro a maio deste ano.

A Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que no período de 2019 a junho de 2022 “realizou mais de 115 mil atendimentos a mulheres em situação de violência em todo o Estado do Rio de Janeiro”. A maior parte são fiscalizações de medidas protetivas e visitas de acompanhamento às mulheres vítimas de violência.

“No mesmo período citado, também houve 436 prisões efetuadas, sendo a maior parte devido ao crime de descumprimento de medida protetiva”, diz a nota.

Em caso de risco de vida, existem os Centros Especializados de Atendimento à Mulher (CEAM) para acolhimento no abrigo municipal Casa Viva Mulher Cora Coralina, destinado às mulheres e seus filhos. O endereço é sigiloso.

Confira os contatos para atendimento no Rio:

- CEAM Chiquinha Gonzaga

Telefone: (21) 98555-2151 / (21) 2517-2726

Endereço: Rua Benedito Hipólito, n° 125, Praça Onze, Centro

- Centro de Referência para Mulheres Suely Souza de Almeida da UFRJ

Telefone: (21) 3938-0600 / (21) 3938-0603

Endereço: Praça Jorge Machado Moreira, n° 100, Cidade Universitária

- Centro de Referência de Mulheres da Maré Carminha Rosa

Telefone: (21) 3938-0904 / (21) 3938-0905

Endereço: Rua 17, s/n°, Vila do João - Maré

- Centro Integrado de Atendimento à Mulher Márcia Lyra

Telefone: (21) 2332-7200

Endereço: Rua Regente Feijó, n° 15, Centro

Edição: Mariana Pitasse