Rio Grande do Sul

Série temática

Artigo | "A gente não quer só comida": A mística da Esperança Camponesa

No primeiro texto da série, Frei Sérgio aborda os elementos simbólicos que envolvem o campesinato

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
A força do campesinado vem da luta e também do simbolismo místico que compõe a Esperança e o Esperançar - Marcos Corbari

A esperança não é o resultado de uma espera, mas de uma luta. Esperança se constrói.

A desesperança foi uma marca na vida camponesa por muito tempo na história do Brasil. A desgraça ameaçou a vida dos pobres do campo, sem amparo e sem horizontes, por longos anos, anuviando os céus da esperança e ameaçando direitos conquistados e os caminhos do futuro.

Mas a luta camponesa é sempre a fonte de nova esperança. Os Movimentos Camponeses em luta são os alicerces para enfrentar as ameaças e abrir os caminhos.

Nada é dado, tudo é conquistado.

Num mundo onde a natureza e a vida estão ameaçadas em suas raízes, os camponeses e a vida camponesa passam a ter um novo papel civilizatório.

A classe camponesa constituiu-se num sujeito coletivo da humanidade com história, tradição e sabedorias para produzir alimentos saudáveis e limpos, e ao mesmo tempo cuidar e preservar a mãe natureza. E manter, criar, recriar espaços de convivência comunitária humanizadora, alternativa ao caos instalado nas concentrações urbanas desordenadas.

Produzir alimentos com menos máquina, menos químicos e mais trabalho. Também nisto o mundo camponês é horizonte de esperança, numa sociedade em que a tecnologia extingue postos de trabalho. E trabalhar, numa perspectiva humanizada e humanizadora, dá sentido às existências pessoais e coletivas. No mundo camponês, o trabalho tem um sentido ético, é um valor humano.

As razões da esperança estão na crise ambiental e social vivida pela humanidade. Somente os séculos de sabedoria camponesa, indígena e quilombola têm no seu baú reservas de saberes e experiências vitais capazes de responder aos desafios de alimentar a humanidade preservando os recursos naturais e convivendo em ambientes socialmente justos.

A agroecologia camponesa está se firmando como a nova e grande alternativa para produzir alimentos saudáveis, cuidar da natureza, alimentar o mundo e dar trabalho para milhões e milhões de pessoas.  

Não é sonho, nem romance, nem lenda. É futuro batendo na porta.

A agroecologia é a nova ponta da tecnologia agrícola e ela só é possível de ser praticada por comunidades camponesas. É impossível a convivência entre agroecologia e latifúndio, agroecologia e monopólios de multinacionais.

Aí reside um dos pilares da esperança camponesa. Ela será necessária para toda a humanidade e não só para os camponeses.

Aí nasce a nova missão camponesa na sociedade. Produzir alimentos limpos e saudáveis. Cuidar e preservar a mãe natureza. Cuidar e preservar a água irmã. Cuidar e tratar bem a terra mãe. Equilibrar o ambiente de todos. Formar e preservar comunidades de convivência saudável. Construir ambientes socialmente justos. Construir famílias sem dominação de gênero nem de gerações.

E esperançar é o novo verbo conjugado e cultivado desde o ventre da terra.

 


 

* Frei Sérgio Antônio Görgen é religioso franciscamo, pertencente a Ordem dos Frades Menores. É dirigente do Movimento dos Pequenos /agricultores (MPA) e da Via Campesina. Autor dos livros Trincheiras da Resistência Camponesa, O Plano Camponês e Agricultura Camponesa Familiar: essencial para reconstruir o Brasil, entre outros.

** Este é o primeiro texto da série temática "A gente não quer só comida: agricultura camponesa familiar imprescindível para reconstruir o Brasil", realizada por Frei Sérgio e disponibilizada para livre publicação aos meios de comunicação de matriz progressista, movimentos sociais, blogueiros e comunicadores populares.

*** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcos Corbari