Rio Grande do Sul

Coluna

As joias do coroa

Imagem de perfil do Colunistaesd
"As ilegalidades, irregularidades e anormalidades jogam luz sobre as sombras dos negócios realizados com as grandes riquezas nacionais que marcaram a gestão no governo Bolsonaro" - Marcelo Camargo/Agência Brasil/Reprodução
O comando da extrema direita no Brasil sofre de um momentâneo apagão político, uma crise de direção

O jornal O Estado de São Paulo publicou uma reportagem demonstrando que a família de Jair Bolsonaro tentou trazer, ao arrepio da lei, um conjunto de joias avaliado em R$ 16,5 milhões. As joias seriam um pequeno presente da ditadura saudita à Michele Bolsonaro.

A tentativa de internalizar a muamba milionária no país foi feita pelo então ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Alburquerque, e seu assessor, Marcos André dos Santos Soeiro, Tenente da Marinha. A tentativa restou frustrada, naquele momento, pela ação dos servidores da alfândega brasileira. A essa tentativa frustrada de retirar o presente se sucederam mais outras oito, até o último dia de Bolsonaro na presidência.

Tais tentativas mal sucedidas envolveram assessores de seu gabinete, dos ministérios da Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores, além de quase um batalhão de militares que habitavam o Planalto. Foram utilizados nessa operação de resgate centenas de e-mails, mensagens de whattsApp, ofícios e um avião da Força Aérea Brasileira. Uma força-tarefa quase tão grande quanto aquela mobilizada pelo governo Lula para enfrentar a crise humanitária da população Yanomami, em Roraima.

Albuquerque, o ministro responsável pelo transporte das joias, foi à Arábia Saudita representar o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país, em outubro de 2021. Segundo o jornal Brasil de Fato, entre 2019 e 2022 foram realizadas 151 viagens de representantes do governo federal à Arábia Saudita.

As ilegalidades, irregularidades e anormalidades - além do valor envolvido em uma peça sem importância nas relações entre Estados, mas de alto impacto na vida privada dos envolvidos - jogam luz sobre as sombras dos negócios realizados com as grandes riquezas nacionais que marcaram a gestão no governo Bolsonaro.

A Petrobras, alvo de dilapidação desde o impeachment farsesco da presidenta Dilma e da Operação Lava Jato, uma vez controlada diretamente pelos interesses privados passou a ser a grande galinha dos ovos de ouro de especuladores mundo afora. O que se revela, com o escândalo das joias, é o vínculo entre a generosidade dos ditadores sauditas e emiradenses com decisões da diretoria da Petrobras e do governo sobre ela, tais como a alienação de ativos, política de preço de combustíveis e de distribuição de dividendos.

O impacto de um episódio tão contundente, ainda que os valores sejam irrisórios em comparação ao conjunto das lesividades cometidas por Bolsonaro em relação ao erário público e à riqueza da nação, é derivado de sua objetividade comunicacional. A incompatibilidade entre o “mimo sem causa” e a tentativa de burlar a vigilância fronteiriça do país são de compreensão direta para a população brasileira. Mais que as complexas curvas e sinuosidades contábeis da gestão da Petrobras, por exemplo.

A construção da liderança política de Bolsonaro e sua eventual conservação esteve baseada, também, em uma falsa moralidade anticorrupção, habilmente construída nos campos frutíferos do lavajatismo. Para ilustrar, no segundo turno das eleições de 2022, Bolsonaro utilizou em abundância e à exaustão a retórica anticorrupção, se valendo inclusive da imagem do agora silente senador Sergio Moro.

O impacto na opinião pública nesse episódio ainda deverá ser medido por pesquisas de opinião, mas a primeira impressão é de um grande e negativo impacto político na liderança de Bolsonaro. A extrema direita não deixará de existir e agir devido a esse episódio, porém podemos imaginar que a crise de direção política se aprofundará. O insucesso da intentona golpista de 8 de janeiro, a descoberta da minuta do decreto golpista, a revelação da crise indígena, a fuga para Miami, as denúncias na justiça eleitoral, as diásporas no campo bolsonarista, se somam a um episódio de forte conteúdo criminoso, como este das joias. O comando da extrema direita no Brasil sofre de um momentâneo apagão político, uma crise de direção.

O governo Lula deverá entender essa situação para buscar uma melhor posição no tabuleiro de negociações e correlações de forças. Em especial em relação ao “centrão” que se fortaleceu em decorrência da força da extrema direita no Congresso.

O governo começa a ter uma conjuntura favorável para tomar para si a iniciativa do jogo parlamentar, já que a política sobre a opinião pública tem sabido fazer. Temas como renda mínima, recuperação do salário mínimo, criação do Ministério de Segurança, defesa da democracia, repressão ao golpismo e terrorismo podem pautar o debate público em uma situação mais favorável. Os ventos sopram em favor de Lula e, em decorrência, em favor do país.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko