Rio Grande do Sul

AGROECOLOGIA

20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico do MST reúne cerca de 5 mil pessoas em Viamão

Movimento celebra colheita estimada em 16 mil toneladas e pede retomada de políticas públicas para agricultura familiar

Brasil de Fato RS | Viamão |
Festa marca o início simbólico da colheita que deve se estender até abril - Foto: Pedro Stropasolas

Um dia de celebração da luta pela reforma agrária e dos seus frutos para o povo brasileiro e para a natureza, com cerca de 5 mil pessoas de todo o país, movimentos sociais do campo e da cidade, convidados internacionais, autoridades, lideranças políticas e presenças ilustres. E, claro, com muita comida saudável. Assim foi a 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, realizada pelo Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) nesta sexta-feira (17), no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), região metropolitana da capital gaúcha.


Público chegou cedo para a 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico / Foto: Jorge Leão

Os amigos e apoiadores do MST chegaram cedo. Desde as 7h já havia uma grande fila de ônibus e carros na entrada do assentamento. Ao entrar no espaço da festa, eram recepcionados por uma feira de produtos da reforma agrária. Disponível a preço justo, a produção das cooperativas do MST oferecia itens como sucos, geleias, cachaças, pães, doces, salgados, além do arroz orgânico do movimento, distribuído a cada um dos presentes.


Feira de produtos da reforma agrária disponíveis com preços justos / Foto: Jorge Leão

"A gente vê aqui a luta do povo. Ontem eu tive a oportunidade de comer o arroz preto e o arroz vermelho", comenta Márcia de Carvalho, natural do estado do Pará e integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) no RS.

:: Festa da Colheita do Arroz Agroecológico é também espaço de encontro e troca de experiências ::

Mística, estudo e colheita

O tradicional momento místico realizado pelo MST em seus eventos abriu o dia. A intervenção demarcou as enormes diferenças entre o agronegócio e a produção agroecológica da agricultura familiar. De um lado, veneno, desmatamento, fome, condições degradantes do trabalhador e enriquecimento de poucos, representados por nomes de multinacionais do agrotóxico, uso de motossera e cruzes pretas.


Mística demarcou as enormes diferenças entre o agronegócio e a produção agroecológica da agricultura familiar / Foto: Marcelo Ferreira

Do outro lado, a diversidade e a força da luta do povo do campo e da cidade, representadas por mulheres e homens, jovens e idosos, povo negro, LGBTQIAP+. Também o respeito ao meio ambiente, o cuidado com o bem estar social e a saúde das pessoas, ilustrados pela fartura do modo de produção agroecológico e bandeiras de luta de movimentos sociais que travam a batalha de organizar o povo oprimido.


Pauta LGBTQIA+ também teve espaço na Festa da Colheita / Foto: Marcelo Ferreira

Também ocorreu um momento de estudo com a temática Direito Humano e Alimentação. A mesa contou com a participação do presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do RS (Consea RS), Juliano Sá, e da especialista em alimentação saudável, culinarista e apresentadora Bela Gil, que chamou da plateia para o palco a nutricionista Bruna Crioula. Bruna saudou o trabalho das cozinhas comunitárias no combate à fome.

:: 'Não tem como democratizar a alimentação saudável, sem reforma agrária', afirma Bela Gil ::

Juliano lembrou que a fome voltou a assolar o país a partir do desmonte das políticas públicas de alimentação promovidas após o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Destacou o papel fundamental dos movimentos sociais para amenizar o problema, em especial a solidariedade do MST. "Enquanto o agronegócio ficou lucrando e  exportando soja, agricultores a agricultoras familiares distribuíram solidariedade com a comida, mobilizando as nossas redes, as cozinhas comunitárias e solidárias e as hortas", disse.


Bela Gil participou do momento de estudo sobre Direito Humano e Alimentação / Foto: Marcelo Ferreira

Bela Gil falou de sua paixão pelo MST e seu trabalho na democratização da alimentação, principalmente a alimentação saudável. "Não temos como pensar em democratizar a alimentação saudável, sem veneno, agroecológica, sem pensar na reforma agrária, sem pensar na distribuição da terra", afirmou, lembrando que o Brasil é um dos países com maior concentração de terra. "Tenho muita esperança que nesse governo a gente consiga resolver isso", almejou.

Abertura simbólica da colheita

Enquanto isso, ocorria junto à plantação dos assentados a cerimônia simbólica de abertura da colheita. O ato demarcou a produção que levou o MST a ganhar o título de maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Neste ano, o movimento espera colher cerca de 16 mil toneladas do grão. São 3,2 mil hectares de plantação, sob responsabilidade de 352 famílias de 22 assentamentos do Rio Grande do Sul. As principais variedades plantadas são o arroz agulhinha e o cateto.


Ministro Paulo Teixeira participou da colheita simbólica do arroz orgânico  / Foto: Jorge Leão

Ato político reuniu autoridades

Um dos momentos mais esperados do evento, o ato político contou com a presença de ministros do governo Lula e dezenas de lideranças políticas e parlamentares de variados partidos da esquerda, bem como representantes de entidades parceiras do movimento. O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, disse trazer "o abraço e o apreço que o presidente Lula tem pelo MST".

Relatou algumas ações que o governo está desenvolvendo para a população, como aumento do salário mínimo e a garantia do Bolsa Família de R$ 600. Destacou ainda ações específicas para a agricultura familiar, como o relançamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) "para levar comida à mesa do povo", sob a missão de Edegar Pretto, que será o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

:: BNDES planeja apoiar produção familiar como rota para agricultura de baixo carbono ::

"As compras públicas serão realizadas por meio da agricultura familiar", afirmou. Disse ainda que o programa de reforma agrária também mudou. "A melhor forma de combater a pobreza no campo é garantir o acesso dos trabalhadores à terra e ao crédito. Eu defendo que o modelo de ocupação seja realizado por agrovilas com estrutura, internet, cooperativas", disse.

O ministro também citou a volta da educação no campo e a remodelação de crédito, em especial para as mulheres, e o potencial da transição para uma agricultura ecológica e regenerativa. "Quero saudar essa iniciativa dos bioinsumos, nós vamos promover insumos para essa produção. Queremos desenvolver os quintais produtivos, a produção de ovos orgânicos, a produção de frutas, a produção de peixes, pequenos frigoríficos para vender carne de frango."


Agricultores e agricultoras entregaram as pautas de reivindicação do MST ao ministro Paulo Teixeira e a Edegar Pretto / Foto: Marcelo Ferreira

Edegar Pretto reforçou o compromisso com aqueles que têm fome. "Quando assumirmos a Conab nos próximos dias, nenhum serviço será diminuído, faremos mais e melhor", disse, destacando que o órgão agora integra o MDA, o que mostra a vontade política de dar mais responsabilidade à companhia. Segundo ele, a política será de fortalecimento aos agricultores. "Todos que optarem por produzir comida, saibam que o governo Lula será o maior cliente daqueles que colocarem a semente na terra", avisou.

O futuro presidente da Conab também disse que os agricultores familiares, quilombolas, ribeirinhos e comunidades tradicionais poderão produzir alimentos com a certeza da venda e da renda. "A merenda escolar não pode mais ser bolacha e suco artificial", finalizou.

"A colheita é sempre um momento de celebração"

Representando a direção nacional do MST, presente no evento, João Pedro Stédile assinalou que a confraternização da Festa da Colheita do Arroz Agroecológico reproduz aquilo que os camponeses sempre fazem desde o inicio da história da humanidade: "a colheita é sempre um momento de celebração". Essa comemoração, segundo ele, chama a atenção para dois aspectos.

"Estamos diante de dois modelos filosóficos e de visão de mundo: o da morte, representado pelo agronegócio e o latifúndio, e o modelo da vida, representado pela agricultura familiar e a agroecologia", disse. Conforme avalia o dirigente, a sociedade brasileira está diante desses dois caminhos, "e não é sobre o MST ou os ruralistas, mas sim sobre o futuro da humanidade".

Segundo ele, a eleição de Lula foi uma abertura das portas, mas a luta de classe não terminou, apenas recomeça em outro patamar. Por isso, defende que o governo deu um salto de qualidade. "Não basta fazer um governo pro povo. Precisamos de um governo com o povo. É isso que vamos cobrar enquanto companheiros", afirmou.

João Pedro apontou que a crise do sistema capitalista não acabou e que o atual modo de produção não serve para a humanidade. Na sua avaliação, os grandes inimigos do governo popular são os bancos e as multinacionais que controlam o Banco Central e as políticas econômicas. "Não vamos mudar isso reclamando, temos que estar mobilizados, seguir organizando os comitês populares, organizar os militantes em grupos pequenos, formar o fermento na massa para o povo lutar por outro projeto de nação", finalizou.


MST inaugurou a Unidade de Produção de Bioinsumos Ana Primavesi / Foto: Pedro Stropasolas

Inauguração da biofábrica Ana Primavesi

Ainda neste dia de festa, o MST inaugurou a Unidade de Produção de Bioinsumos Ana Primavesi. A iniciativa é a primeira biofábrica do Grupo Gestor do Arroz para produção de fertilizantes biológicos e, segundo explica o movimento, possibilita planejamento de produção durante o ano todo, aumentando a produtividade e garantindo autonomia aos produtores e produtoras do MST.

Na safra 2022/2023 do arroz orgânico, o uso desse bioinsumo foi implementado em duas áreas de pesquisa, em 28 hectares. Já para a próxima safra, 2023/2024, os bioinsumos estarão em toda a produção do arroz orgânico dos assentamentos em Viamão, totalizando cerca de 1126 hectares.


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Edição: Katia Marko e Rodrigo Chagas