A juíza Patrícia Antunes Laydner, da 20ª Vara Cível e de Ações Especiais da Fazenda Pública de Porto Alegre, determinou nessa quarta-feira (5), em caráter liminar, a suspensão da aplicação da Lei Complementar Municipal n° 935/2022, que alterou as regras urbanísticas previstas no Plano Diretor da Capital para permitir o parcelamento do solo para a instalação de um bairro planejado na Ponta do Arado, em Belém Novo, o empreendimento chamado de Fazenda Arado Velho. A magistrada acatou uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), que apontou irregularidades no processo de licenciamento do empreendimento.
A ação do Ministério Público pede a declaração de nulidade da lei 935/2022, bem como a condenação do município de Porto Alegre a se abster de realizar novos licenciamentos, regularizações e/ou recolhimentos de contrapartida com base na legislação, aprovada em dezembro de 2021 na Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) em janeiro de 2022. Entre outras questões, o MP alega que não foram apresentados estudos técnicos prévios à alteração do Regime Urbanístico da Fazenda do Arado por meio do instrumento urbanístico Projeto Especial de Impacto Urbano de 2º Grau e que a mudança do regime urbanístico do Arado não poderia ser feita fora do debate mais amplo do Plano Diretor de Porto Alegre.
Em 2018, um inquérito aberto pela Polícia Civil para apurar as denúncias de irregularidades no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) concluiu ter havido omissões sobre a existência de fauna ameaçada de extinção, como o gato-maracajá. As irregularidades também envolviam os estudos sobre o estágio da Mata Atlântica na Ponta do Arado, além da baixa altura do terreno nas áreas próximas ao Guaíba, em nível inferior ao estipulado pelo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) para a construção de empreendimentos. A baixa altura exigiria um grande aterro dentro da Área de Preservação Permanente.
Com base na lei 935/2022, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) aprovou em agosto de 2023 o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do empreendimento da Fazenda do Arado. A área total autorizada para o loteamento é de 428 hectares. A área onde o empreendimento está previsto para ser concluído tem como característica, entre outras, ser um banhado, sendo essencial para absorver a água da chuva e proteger a região de alagamentos e inundações do Guaíba.
Em sua decisão, a magistrada avaliou que a prefeitura não comprovou nos autos do processo a existência dos estudos prévias à aprovação da lei. “(…) a alteração do zoneamento urbano versada nestes autos é desprovida de qualquer estudo técnico imprescindível para a garantia do equilíbrio ecológico e urbanístico, capaz de justificar e amparar legalmente a pretendida ampliação. O intento legislativo municipal desconsidera os interesses culturais, paisagísticos, ambientais, urbanísticos, históricos e arqueológicos, menosprezando o impacto sobre as populações indígenas e desafiando o Estatuto da Cidade”, diz a decisão.
Além disso, considerou que, mesmo que o projeto de lei não tivesse a força de um licenciamento — tese defendida pela defesa –, isso não afasta a obrigatoriedade de apresentação dos estudos previamente à sua aprovação.
“Afinal, se está diante de modificação legislativa com o escopo de regrar o direito de construir e viabilizar, juridicamente, a futura aprovação do Projeto Urbanístico do Arado. De fato, a alteração do Plano Diretor nessa área extensa e gravada com regimes de ocupação rarefeita e de proteção ambiental, somente poderia ser feita por meio do instrumento do Projeto de Urbanização disposto no art. 42-B do Estatuto da Cidade, de iniciativa do Município, no contexto de sua competência para o ordenamento do solo urbano, a teor do que dispõe o art. 30, VIII, da Constituição Federal. Indubitavelmente, esse instrumento deve ser precedido de diagnósticos e estudos que têm por finalidade fundamentar a necessidade (ou não), à luz do interesse público, da ampliação do perímetro urbano pretendido pelo Município”, diz a decisão.
A magistrada pontua ainda que a justificativa do projeto é demasiadamente frágil, desamparada de qualquer estudo ou fundamento capaz de rechaçar os riscos, problemas e impactos ambientais e urbanísticos apontados pelo Ministério Público.
Edição: Sul 21