Rio Grande do Sul

Crise Climática

Professor destaca uso do Orçamento Participativo após tempestade em NY como exemplo para o RS

Michael Menser, docente da The City University of New York, acompanhou recuperação de região após super tempestade

Sul21 |
Imagem aérea mostra estragos causados pela super tempestade Sandy em Nova Jersey, em 30 de outubro de 2012 - Foto: Air Force/New Jersey National Guard

Em 28 de outubro de 2012, a costa leste dos Estados Unidos, em especial os estados de Nova York e Nova Jersey, foi atingida pela super tempestade Sandy. Os efeitos foram sentidos por semanas e o saldo final, na região, foi de 110 mortes — outras 72 foram registradas no Haiti, Cuba, Bahamas, República Dominicana, Canadá e Jamaica. Professor de Estudos de Sustentabilidade Urbana na Brooklyn College e de Ciências Ambientais e Psicologia Ambiental na The City University of New York, Michael Menser acompanhou de perto os processos de recuperação dos bairros e cidades localizadas ao longo de Jamaica Bay, estuário localizado no Estado de Nova York e que banha bairros como o Brooklyn e Queens, na cidade de Nova York.

Menser também já esteve em Porto Alegre em duas oportunidades. Em 2005, para participar de uma edição do Fórum Social Mundial, e, em 2019, para colaborar com atividades do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (Propur) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nesta semana, o professor conversou com a reportagem o Sul21 sobre as lições que Porto Alegre pode aprender com o processo de reconstrução de um evento climático extremo a partir do que ele acompanhou em Nova York e em outros locais. Uma dessas lições que ele recomenda, inclusive, é fortalecer um processo que é original de Porto Alegre, o Orçamento Participativo.

“A grande coisa do Orçamento Participativo é que interconecta as pessoas e os lugares em que moram com as diferentes agências governamentais. A maior dificuldade para um governo depois de um evento como esse é fazer com que todas as suas agências [departamentos] atuem juntos em um novo planejamento. A agência de transportes, de lixo e saneamento, de energia, de água, todas elas têm que se comunicar e planejar juntas como a cidade vai ser reconstruída. Então, essa coordenação interagencial é sempre o maior o desafio. Segundo, do lado da comunidade, ela tem que se educar sobre como esse futuro se será, o que é possível, o que não é possível. E como essas pessoas pensam sobre o futuro no contexto dos planos das agências governamentais. Um terceiro elemento é que você precisa trazer o pensamento inovador para empurrar a cidade em diferentes direções de pensar sobre a sua economia, taxação, finanças, e o Orçamento Participativo pode dar esse impulso”, diz o professor.


Professor Michael Menser conversou com o Sul21 sobre a experiência de recuperação de áreas após a super tempestade Sandy, de 2012 / Foto: Arquivo Pessoal

Menser foi fundador do Participatory Budgeting Project (Projeto de Orçamento Participativo, em inglês) e ajudou a implementar processos do tipo em áreas de Jamaica Bay atingidas pela super tempestade Sandy. De forma semelhante a Porto Alegre, a região é vulnerável para alagamentos e precisou fazer discussões sobre a forma como os seus bairros e cidades estão construídos.

“Jamaica Bay tem 100 milhas de área costeira, também similar a Porto Alegre. O que acontece é que há algumas regiões no entorno de Jamaica Bay que têm mais pessoas, que tiveram mais redesenvolvimento, tentaram fazer de um jeito mais inteligente, então há um melhor sistema de drenagem, há melhores opções reserva para a rede de energia e esse tipo de coisa. Isso aconteceu na Península de Rockaway. Eles também refizeram um distrito comercial depois de Sandy na península, mas fez sentido porque é uma parte da área que está mais elevada, muito acima do nível do mar, cerca de 25 metros, então não era diretamente na costa. Então, sim, revitalize onde é mais alto, não onde é mais baixo. Eu acho que a outra coisa que aconteceu é que há muitas famílias de baixa renda que simplesmente não podiam mais morar ali, perderam o carro e não puderam pagar, não puderam fazer os consertos, e pessoas de renda mais alta que se mudaram. E isso é uma dessas coisas complicadas, porque muitas vezes pensamos que são as pessoas mais pobres que estão presas nesses locais, e isso é verdade. Mas, em outros locais, os pobres se mudam e os ricos chegam. E você sabe o que é o ruim disso? Quando essas pessoas de renda mais alta são atingidas pela tempestade, custa ainda mais compensá-las pelas perdas, porque eles, sim, têm seguro, têm todos esses ativos e atraem mais ativos”, explica.

A seguir, confira a íntegra da conversa com Michael Menser.

Sul21 - Qual foi o papel do Orçamento Participativo na recuperação da área de Jamaica Bay?

Michael Menser: Então, o Orçamento Participativo estava acontecendo na cidade de Nova York desde 2009. A super tempestade Sandy atingiu em 2012. Existiam três bairros ao redor da Jamaica Bay que já estavam aplicando o Orçamento Participativo e todas as três foram inundadas. Todas as três estavam utilizando o OP para enfrentar as mudanças climáticas e problemas de inundações antes da Sandy. Depois da Sandy, eu diria que, porque o Orçamento Participativo na cidade de Nova York representava uma soma tão pequena de dinheiro, confinado a conselhos distritais da cidade, não estava bem posicionado para ser utilizado na recuperação. A quantidade de dinheiro era simplesmente muito pequena. Contudo, houveram comunidades que, após a Sandy, quiseram implementar o Orçamento Participativo, porque entenderam que não possuíam um processo público pelo qual elas poderiam se juntar para pensar sobre suas necessidades, conversar com especialistas e apresentar propostas. Nós, do Science and Resilience Institute at Jamaica Bay, do qual eu sou parte desde que foi criado, em 2012, as comunidades do North Side de Jamaica Bay, especialmente em Canarsie, que fica no Brooklyn, foi uma comunidade que se sentia muito abandonada pela cidade antes da Sandy e, definitivamente, depois da Sandy. Então, nós tivemos que criar um processo público, ainda que não tivéssemos muitos recursos, que durou muitos meses, mais de um ano, em que a comunidade se reuniu com especialistas, com autoridades de agências governamentais.

Eles já tinham feito algo, mas isso permitiu que eles atraíssem mais atenção e mais foco de financiamentos de capital para ajudar a dar resposta após a Sandy. E foi bem sucedido em certa medida, permitindo que eles obtivessem mais fundos para a proteção contra enchentes e mais envolvimento nos projetos de proteção contra enchentes que a cidade passou a elaborar. E também ajudou os membros da comunidade a elaborarem os seus próprios planos de reposta emergencial, bem como a se unirem em torno de outros projetos que ajudaram a criar coesão social no bairro.


Menser foi fundador do Participatory Budgeting Project e ajudou a implementar políticas de Orçamento Participativo na área de Jamaica Bay / Foto: Arquivo Pessoal

Mas, infelizmente, é uma pena, porque o Orçamento Participativo está muito bem posicionado para ser ativado em contextos de recuperação. Não na resposta emergencial, isso é muito rápido, mas no período de recuperação. A pior coisa que pode acontecer nesse período é muito dinheiro ser destinado para um projeto que não vai ajudar muitas pessoas. E pior que isso é muito dinheiro ser destinado para projetos que, na verdade, deixam as pessoas mais vulneráveis, porque se tratam de reconstruir uma área que continuará a ser vulnerável ou ficará mais vulnerável. Então, o pior tipo de projeto, nós vemos isso o tempo todo e espero não vermos em Porto Alegre, é ‘nós vamos construir de novo, vamos segurar a água e vamos colocar mais dinheiro’, isso atrai mais investimentos para a área. E o que você fez foi aumentar o número de pessoas expostas, porque você trouxe mais desenvolvimento urbano e elas estão mais vulneráveis, porque as mudanças climáticas estão piores. E isso tira dinheiro de outros projetos que poderiam fazer muito mais sentido e permitir outro jeito de pensar a cidade, que a fariam mais equitativa, orientada para o futuro, inovadora e menos intensa em capital.

Em Nova York, a área de Lower Manhattan foi inundada. A ideia era ‘nós vamos reconstruir’, reconstruir as estações de metrô e esse tipo de coisa. E havia engenheiros que, em reuniões das quais eu participei, diziam que tínhamos que passar a ter um plano para evacuação de Lower Manhattan, o que levaria 30 anos. Não era como se fosse ocorrer nos próximos dois anos, mas ter um plano. Nós deveríamos planejar desativar espaços após um evento, não planejar para reconstruir. Você tem que cuidar das pessoas e, então, pensar ‘ok, isso não faz sentido mais, nós temos que encerrar isso’. É similar a Porto Alegre, porque é uma região central, tem muitos investimentos, muita atividade econômica que acontece e das quais a cidade depende, então não pode ser simplesmente desativada, mas é preciso ter um plano. Você tem que pensar uma Porto Alegre que terá uma geografia diferente. Em Nova York, a mesma coisa, mas como você pode pensar na cidade de Nova York sem Lower Manhattan? Nós vamos encontrar um jeito, não é tão difícil. É isso que os desafios climáticos te obrigam a fazer, a ter uma nova relação com o meio ambiente do local.

Sul21 - Eu iria lhe perguntar qual o papel que o Orçamento Participativo pode ter para prevenção e para ajudar na recuperação de áreas afetadas por eventos climáticos extremos. Tu já respondestes em parte, mas teria algo a acrescentar?

Michael Menser: Sim, tenho três coisas. A primeira delas é que a grande coisa do Orçamento Participativo é que interconecta as pessoas e os lugares em que moram com as diferentes agências governamentais. A maior dificuldade para um governo depois de um evento como esse é fazer com que todas as suas agências [departamentos] atuem juntos em um novo planejamento. A agência de transportes, de lixo e saneamento, de energia, de água, todas elas têm que se comunicar e planejar juntas como a cidade vai ser reconstruída. Então, essa coordenação interagencial é sempre o maior o desafio.

Segundo, do lado da comunidade, ela tem que se educar sobre como esse futuro será, o que é possível, o que não é possível. E como essas pessoas pensam sobre o futuro no contexto dos planos das agências governamentais.

Um terceiro elemento é que você precisa trazer o pensamento inovador para empurrar a cidade em diferentes direções de pensar sobre a sua economia, taxação, finanças, e o Orçamento Participativo pode dar esse impulso. Paris [na França] tem um Orçamento Participativo para o orçamento do próximo ano e para os próximos anos, em Porto Alegre é a mesma coisa, você tem um planejamento plurianual. Você precisa que essas coisas aconteçam e o OP pode trazer o input e a expertise para direcionar o debate para escolhas que serão muito difíceis, porque haverão escolhas muito difíceis que precisarão ser feitas. Não há soluções óbvias.

Sul21 - O senhor falou de áreas que se sentiam abandonadas antes da Sandy e onde isso ficou pior. Em Porto Alegre, algumas das áreas mais afetadas são justamente aquelas que já estavam “abandonadas”, como o 4º Distrito, que era um distrito industrial no passado. Quais foram os componentes que levaram essas áreas a ficarem piores depois da Sandy?

Michael Manser: Eu penso que uma área, que se chama Red Hook, que fica na parte oeste de Brooklyn, na beira da água, não diferentemente de Porto Alegre, onde muitas coisas já tinham fechado, empresas tinham mudado, então você tinha uma área industrial que já tinha se desindustrializado, a população caiu. A cidade de Nova York tem muitas habitações públicas que eram muito vulneráveis a tempestades e foram muito alagadas. Eu estive lá diversas vezes e mesmo 12 anos depois [da Sandy] há supermercados, quarteirões abandonados e há projetos para qualificar as habitações públicas, deixá-las mais preparadas, uma vez que elas tinham condições muito difíceis das pessoas suportarem em razão da poluição e da poeira das construções. Então, o que acontece é que exige muito capital para arrumar essas áreas industriais de larga escala. E isso exige um compromisso. A questão central é que não há um modelo de desenvolvimento econômico que realmente consiga pensar muitos desses desafios. Especialmente essas áreas desindustrializadas, que podem nunca mais ser parte vital para a economia.

No Brooklyn, está ocorrendo um processo de redesenvolvimento por causa da energia renovável, das turbinas de vento que estão sendo instaladas na costa. Então, há redesenvolvimento, porque há oportunidades reais. ‘Ok, nós vamos dar um jeito nisso, vai ser mais resiliente’. E há um outro exemplo de uma vizinhança próxima, chamada de Sunset Park, onde estão fazendo isso. Red Hook não é parte disso, eles não sabem se querem fazer parte disso, enxergam as coisas de forma diferente. Há uma situação completamente diferente em Canarsie, uma área mais residencial, que é uma dessas comunidades que era muito vulnerável a enchentes, mas que nunca tinha alagado muito em razão do formato da cidade. Agora, alaga o tempo todo, na lua cheia, quando a maré sobe. O grande problema da área é o seguro, muitas pessoas não tinham como pagar o seguro e o jeito que os prédios estão não dá para simplesmente erguê-los. Do jeito que a água chega, é muito difícil protegê-los. E como há um déficit de habitações nos EUA, para onde as pessoas supostamente devem ir? ‘Ok, nós devemos mudar, mas não conseguimos’. Vão mudar para o Canadá? Não há nenhuma opção na área de Nova York, é preciso andar centenas de milhas para encontrar casas decentes com valores acessíveis. Essas são famílias de rendas baixa e média. Então, não diferente do Brasil, é um desafio enfrentar essas situações e negociar quando você tem um problema de moradia. Isso exige um novo modelo econômico. Não conseguimos enfrentar nenhuma dessas questões sem um novo modelo econômico, não podemos nos enganar.

Sul21 - O Quarto Distrito é uma região para a qual havia vários projetos voltados à revitalização. O prefeito apresentou um grande programa em 2022 e nós ainda não sabemos como a área vai se comportar após as enchentes. O que aconteceu nas áreas do entorno de Jamaica Bay que passavam por revitalizações? Os planos continuaram?

Michael Menser: Então, Jamaica Bay tem 100 milhas de área costeira, também similar a Porto Alegre. O que acontece é que há algumas regiões no entorno de Jamaica Bay que têm mais pessoas, que tiveram mais redesenvolvimento, tentaram fazer de um jeito mais inteligente, então há um melhor sistema de drenagem, há melhores opções reserva para a rede de energia e esse tipo de coisa. Isso aconteceu na Península de Rockaway. Eles também refizeram um distrito comercial depois da Sandy na península, mas fez sentido porque é uma parte da área que está mais elevada, muito acima do nível do mar, cerca de 25 metros, então não era diretamente na costa. Então, sim, revitalize onde é mais alto, não onde é mais baixo. Eu acho que a outra coisa que aconteceu é que há muitas famílias de baixa renda que simplesmente não podiam mais morar ali, perderam o carro e não puderam pagar, não puderam fazer os consertos, e pessoas de renda mais alta que se mudaram. E isso é uma dessas coisas complicadas, porque muitas vezes pensamos que são as pessoas mais pobres que estão presas nesses locais, e isso é verdade. Mas, em outros locais, os pobres se mudam e os ricos chegam. E você sabe o que é o ruim disso? Quando essas pessoas de renda mais alta são atingidas pela tempestade, custa ainda mais compensá-las pelas perdas, porque eles sim têm seguro, têm todos esses ativos e atraem mais ativos. Então, paradoxalmente, é um impacto financeiro maior quando pessoas de renda mais alta são atingidas, porque você pensa ‘eles vão ficar bem’, mas muitos deles são atingidos e viram renda baixa. Essa é uma outra coisa. Muitas pessoas dizem: ‘Por que você se importa com a classe média, deveríamos nos preocupar com a classe baixa?’ Por que não queremos que a classe média fique pobre. Teríamos mais problemas!

Então, de novo, você tem que mudar o modelo econômico, não vamos conseguir resolver o problema achando que vamos ter crescimento, aumentar a base tributária, atrair capital. Não, tem que haver novos conceitos do que é público, do que é propriedade pública, de espaço, de investimentos, de participação em como definir quais devem ser as prioridade. Isso é uma questão para o mundo todo, mas certamente o Brasil e os EUA têm que pensar nisso.

Sul21 - É possível implementar um sistema que impeça a região de Jamaica Bay de ficar alagada? Porque, em Porto Alegre, existe um sistema de proteção que falhou. Claro que é possível evitar, mas e prevenir? E, além disso, essa coisas que são possíveis de fazer, foram feitas depois da Sandy?

Michael Menser: Boa pergunta. Então, a principal coisa que pode ser feita é colocar um sistema de comportas para evitar que a água chegue. Isso foi proposto, mas não foi feito, ainda está sendo debatido, porque isso vai afetar o ecossistema da baía, afetar a circulação dos peixes, ter um impacto grande. Então, esse grande projeto não foi feito. Em vez disso, diversos pequenos projetos foram feitos para reduzir as enchentes e proteger as vizinhanças ao redor da baía. Além disso, o aeroporto JFK, que fica na baía, recebeu mais de US$ 1 bilhão para ajudar a protegê-lo e criar uma situação melhor.

Sul21 - Foi dinheiro público ou da iniciativa privada?

Michael Menser: Público.

Sul21 - Aqui nós também estamos discutindo sobre quem deveria pagar a conta do aeroporto e das obras que são necessárias.

Michael Menser: Há uma autoridade portuária que faz a gestão dos aeroportos, então não vem diretamente do orçamento municipal ou estadual, mas recursos do Estado de Nova York foram colocados para reconstruir o JFK. Então, em diversos níveis, dinheiro público foi colocado.


Michael Menser destaca que, mesmo com exemplos graves, muitos erros se repetem após eventos climáticos nos EUA / Foto: Arquivo Pessoal

Sul21 - No Brasil, resiliência se tornou um conceito popular, especialmente a partir dos anos 2010. Porto Alegre fez um Plano de Resiliência, criado em 2016 e tornado lei em 2019, mas pouco dele foi implementado. Quais seriam as medidas que uma cidade poderia adotar para se tornar resiliente diante da mudanças climáticas?

Michael Menser: A cidade de New York tinha plano de resiliência também, um dos primeiros. Eu li alguns dos planos de Porto Alegre. Rualdo Menegat foi um dos professores que escreveu sobre o assunto e tinha todo um plano [o Atlas Ambiental] de sustentabilidade, não apenas de resiliência. Eu penso que há duas coisas principais que as cidades têm que fazer. É engraçado que a cidade de Nova York finalmente passou uma lei recentemente para aplicar uma delas. Todas as agências municipais, seja quando forem elaborar um projeto, reparar uma casa ou construir uma via, devem olhar para os dados climáticos para os próximos 30 anos e ajustar o que estão fazendo para lidar com esses novos desafios. Em Nova York, isso se chama de orçamento climático, não é participativo, mas é a ideia de trazer as variáveis climáticas, porque chove muito, há mais tempestades, por causa das ondas de calor, então agora temos que responder a isso. Mas isso não é um plano sistêmico geral. O desafio real é como pensar de forma sistêmica a habitação, as interconexões de transportes, empregos e como você coloca a cidade numa direção em que essas agências cooperam umas com as outras para elaborarem os projetos que vão nos colocar em um patamar melhor para os próximos 20 anos. E, de novo, isso não é fácil de fazer. Isso, em termos de resiliência, você tem que incorporar esse processo internamente para que essas agências possam trabalhar e aprender juntas, e também para que o público possa direcioná-las. Esse é o principal desafio. Não é simplesmente sobre dinheiro, mas sobre o tipo certo de projetos. E, mais uma vez, voltamos a ter que pensar no modelo econômico, que precisa mudar.

Sul21 - Os EUA tiveram uma série de eventos climáticos extremos nas últimos décadas, mas há um que foi o mais extremo, estamos falando do furacão Katrina, em 2005. Você acredita que Nova York e outras cidades aprenderam alguma coisa a partir do Katrina que ajudou a minimizar o impacto ou acelerar o processo de reconstrução?

Michael Menser: A resposta seria curta seria não. Eu acho que precisou do furacão Katrina e da super tempestade Sandy. Após a Sandy, as pessoas pensaram: ‘ok, espere um minuto, nós realmente temos que fazer algo’. E a gente sabe disso pela literatura, um evento não muda as pessoas, geralmente precisa de dois ou três. E esses dois eventos precisam acontecer perto um do outro. Katrina foi em 2005, Sandy, em 2012. Foi um longo período entre os dois principais eventos. Mas agora os eventos ocorrem um atrás do outro. E aqui há um exemplo de como não aprendemos. Houston, no Texas, foi atingida por um furacão muito fraco há cerca de um mês. Duas milhões de pessoas ficaram sem energia e boa parte da cidade alagou. Levou cerca de uma semana para 1 milhão de pessoas recuperarem a energia, enquanto estava 34º, 35º na rua. Pessoas morreram. Pessoas morreram. Especialmente pessoas mais velhas e pessoas com problemas de saúde.

Agora, estou lendo vários artigos questionando o porquê de Houston não ter aprendido com o furacão Harvey, que foi em 2016, uma série de fortes tempestades que devastaram a cidade. E há diversas razões para isso. Uma delas é a questão do desenvolvimento econômico, cidades só têm acesso a dinheiro com impostos e só tem mais impostos se atraem mais investimentos. Há razões que nos impedem de pensar de uma forma diferente e isso está prevenindo que nós possamos nos adaptar. Mas há outra coisa nos EUA, também semelhante ao Brasil, há lugares que praticamente não acreditam em mudanças climáticas, o que é incompreensível em lugares como Texas e Flórida, que são atingidos a toda hora. Mas, apesar disso, eles não pensam nisso da mesma forma como a cidade de Nova York, como a Califórnia, onde há uma resposta sistêmica.

E vou dizer que há um outro problema atualmente, diferente de 20 anos atrás, é que estamos tentando mudar o sistema de energia, dos combustíveis fósseis para energia renovável. Então, agora precisamos mudar as nossas estruturas para lidar com a água, lidar com o calor e outras tempestades, mas estamos tentando mudar as nossas fontes de energia para que consigam suportar os desafios climáticos e, ao mesmo tempo, serem menos poluentes, etc. Isso é muito difícil. Mas também é muito excitante, porque temos que mudar o sistema todo e estamos mudando o sistema de energia. Demora, mas ao menos há uma grande quantidade de pessoas que está transformando o sistema. Contudo, as pessoas não estão pensando em como mudamos todo o sistema com relação às cidades, infraestrutura e todas essas coisas. Temos que nos inspirar na transição energética para pensar a transição com relação à água, o que exige uma grande mudança em como pensamos na água, como lidamos com ela e trazer a criatividade para a questão.

Edição: Sul 21