Rio Grande do Sul

DENÚNCIA

Reflexões sobre assédio sexual e demissão do ministro dos Direitos Humanos

Acusação contra Silvio Almeida provoca debates, opiniões e polêmicas

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
O ex-ministro Silvio Almeida, demitido nesta sexta-feira (6) - Rovena Rosa/Agência Brasil

A jornalista gaúcha Jeanice Ramos continua chocada com as acusações de assédio e importunação sexual do ministro Silvio Almeida contra outra ministra, Anielle Franco. “Ele era a nossa maior referência intelectual, professor, autor de vários livros e um estudioso prestigiado mundo afora por suas posições claras e bem definidas sobre a questão racial. Não dá para acreditar que isso tenha acontecido, foi muita fraqueza”, me disse horas antes da sua demissão do cargo de ministro dos Direitos Humanos na sexta-feira. “Como pode um cara com esta bagagem se deixar levar”, dizia ela, incrédula com o volume de notícias que circulavam por redes sociais e todos os meios de comunicação.

Ex-integrante da equipe que editou a revista Tição, no final dos anos 1970 e início dos 1980, Jeanice é uma pessoa com visões corretas e coerentes sobre a questão racial. Ela conta que a publicação encerrou suas atividades após três edições, afetada por dificuldades, como racismo estrutural, falta de investimentos e dificuldade de distribuição. A Tição se destacou por discutir a história e a participação dos negros, temas que, muitas vezes, são mal contados ou distorcidos. A revista era vendida em espaços culturais, estudantis e redutos negros, além de uma precária comercialização em bancas de jornais. Não deu certo, mas a luta contra o preconceito é constante. Jeanice ainda milita em grupos que atuam para valorizar o trabalho e a condição do negro na sociedade cheia de preconceitos que vivemos.

O escritor gaúcho Rafael Guimaraens, autor de mais de 20 livros, progressista, tem uma visão ampla sobre a questão. Para ele, todos perdem. “O Silvio com a reputação manchada e a Anielle porque sempre vai ficar a dúvida. E o Lula porque vai ficar com a imagem de que é influenciado por sua mulher, Janja, que apoiou incondicionalmente Anielle sem ouvir a outra parte, o governo, a esquerda, os negros, os direitos humanos e assim por diante.” Não dá para dizer que ficou alguém sobrando, tal o volume de opiniões emitidas por todos os cantos.

O jornalista e escritor André Pereira acha que Lula, ao demitir Silvio, tratou o assunto com parcialidade. “O Juscelino Filho, ministro das Comunicações, que andou envolvido em pesados casos de corrupção, foi mantido.” E pergunta: “Qual a diferença de crimes?”. E responde: “O Juscelino tem as costas quentes por apoio partidário ao governo. O outro, não. Então, o ladrão sai ganhando.”

A jornalista Nina de Oliveira discorda de André e diz que “assédio ou importunação sexual é bem diferente de crime de roubo. Igualar os dois é desprezar a mulher”. Em grupo de jornalistas experientes, o debate mostra o quanto o assunto suscita questionamentos, polêmicas e discussões. André respondeu a Nina: “Feminismo à parte, do ponto de vista institucional, a diferenciação de crime despreza a corrupção, que é dinheiro do povo.”

Prioridades

“Vamos elencar prioridades em crimes?”, questiona Nina. “Não se trata de feminismo, mas de machismo estrutural. Não vou ficar debatendo uma situação que eu, aqui de longe, não tenho muito o que fazer, a não ser me posicionar do lado da vítima/mulher. O Silvio vai poder se defender e provar a sua inocência, caso ele seja.”

Outro jornalista, também com mais de 40 anos de experiência no Brasil e no exterior, Marco Estivallet, diz que “Juscelino deveria também ser demitido porque esteve envolvido em grossa corrupção. Mas eu também acho que importunação e assédio sexual, e também feminicídio, são pautas que só avançaram nos governos progressistas do PT, Psol, o que significa que não existe machismo na esquerda. Centro, Direita e Extrema Direita pouco ou nada se importam com estas pautas e jamais vão se importar. A ficha ainda não caiu totalmente em relação ao Silvio, mas vejo mais e mais casos com o envolvimento dele, é muito triste pelo histórico dele, mas se é culpado tem que pagar como aquele Juscelino também.”

O ator Lázaro Ramos, conhecido por seu trabalho e por suas posições mundo afora, também utilizou suas redes sociais para falar do assunto. "Em 24 horas, retrocedemos alguns anos. Vivemos um capítulo triste e devastador na luta pelo direito das mulheres, na luta antirracista, no campo político e na luta dos direitos humanos", escreveu. Lázaro demonstrou seu apoio à ministra Anielle Franco. "Quero deixar meu apoio total e irrestrito a todas as mulheres que tiveram a coragem de expor uma denúncia de assédio sexual", afirmou.

A Associação Nacional da Advocacia Negra (Anan) distribuiu nota sobre Silvio de Almeida. O ministro, que também é advogado, professor, filósofo e escritor, recebeu apoio da entidade. “Precisamos ver todas as investigações, as comprovações e as certezas daí emanadas. Não temos condições de firmar juízo concreto e verdadeiro”, disse a nota.

O próprio ministro, abalado pela situação e pela reviravolta na sua vida, garantiu no fim de semana que vai provar a sua inocência, custe o que custar. Anielle Franco divulgou comunicado no Instagram garantindo que “não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência. Reconhecer a gravidade dessa prática e agir imediatamente é o procedimento correto, por isso ressalto a ação contundente do presidente Lula e agradeço a todas as manifestações de apoio e solidariedade que recebi.”

Como diz, com clareza, a experiente jornalista Regina Vasquez, do grupo Coonline: “Nada impede que Silvio Almeida seja um excelente teórico e acadêmico dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, um predador das mulheres. Ainda mais numa sociedade machista como a nossa. O fato de ser negro e de estar numa posição de grande destaque social e político e de ter sido acusado de um crime é triste, mas não retira dele os demais atributos. Na vida real, cada indivíduo é um ser complexo, com aspectos positivos e outros negativos. E cada grupo inclui toda nossa diversidade humana e social. O mundo de mocinhos e bandidos só existe no cinema!”


Edição: Katia Marko