Rio Grande do Sul

Sem ar

Fumaça das queimadas expõe falta de dados e conflito de informações sobre a qualidade do ar

Sem monitoramento da Fepam em Porto Alegre, dados de empresa suíça vêm sendo divulgados, mas levantam questionamentos

Sul21 |
O céu coberto pela fumaça das queimadas tem sido frequente no RS - Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Às 15h desta terça-feira (24), o site da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), órgão responsável pelo monitoramento da qualidade do ar no Rio Grande do Sul, classificava como “bom” o ar em Guaíba, Canoas, Esteio e Gravataí, e como “moderado” o ar em Triunfo. A falta de estações capazes de monitorar a qualidade do ar em outras cidades do RS e em Porto Alegre, assim como em outros estados brasileiros, tem levado alguns veículos de imprensa a noticiarem os dados divulgados pela IQAir, uma empresa suíça que oferece produtos e serviços voltados ao monitoramento da qualidade do ar. Porém, ao invés de colaborar para suprir deficiências de monitoramento do ar nas cidades do Brasil, os dados da IQAir têm trazido confusão. 

O RS tem apenas cinco estações de monitoramento da qualidade do ar em todo o estado, sendo todas as estações localizadas na região metropolitana, o que deixa sem informação a população que vive no interior. E apenas uma estação, a de Triunfo, mede o material particulado MP2,5, um dos principais poluentes relacionados ao fogo das queimadas.

Na estação de Triunfo, ainda segundo a Fepam, o Índice da Qualidade do Ar (IQAr) estava classificado em 61 – entre 41 e 80, a qualidade do ar é considerada “moderada”. Entre 81 e 120 IQAr, o ar já é tido como “ruim” e insalubre do ponto de vista da saúde. Os dados, entretanto, são referentes ao dia anterior, segunda-feira (23). Também nesta terça, às 8h, o MonitorAr, projeto desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente, mostrava Triunfo com IQAr em 48, um dado divergente daquele noticiado pela Fepam embora seja da mesma estação de monitoramento.

Já segundo a empresa suíça, o ar na capital gaúcha nesta terça-feira (24) está “ruim” para grupos sensíveis, como crianças e idosos, com o IQAr em 104. O detalhe é que os parâmetros utilizados pela empresa europeia são diferentes daqueles orientados no Brasil pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). No Brasil, o IQAr em 104 alcançaria a classificação de “ruim”. Há poucos dias, a empresa chegou a colocar São Paulo como a capital mais poluída do mundo, informação que levou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) a se manifestar questionando os métodos divulgados.

“De acordo com informações constantes do site da IQAir, a empresa disponibiliza diariamente um mapa global da qualidade do ar, utilizando dados fornecidos por uma ampla rede de colaboradores ao redor do mundo. Ainda de acordo com a empresa, os dados para o mapeamento incluem informações de sistemas de previsão numérica e monitoramento direto de poluentes. No entanto, não temos conhecimento dos métodos específicos aplicados para o controle de qualidade e para integração e compatibilização dessas bases de dados”, explicou, em nota, o Inpe.

O instituto brasileiro realiza o monitoramento e a previsão da qualidade do ar no Brasil por meio de um sistema de modelagem numérica da composição química da atmosfera. As emissões de poluentes feitas pelo Inpe são estimadas com base em informações de incêndios de vegetação, detectados via sensoriamento remoto, além de dados sobre emissões urbanas e fontes fixas, como a frota veicular e a malha viária. 

“Esse modelo é executado diariamente, fornecendo informações atualizadas e previsões para os três dias subsequentes”, diz o instituto. Os resultados estão disponíveis no site do Inpe e o sistema é detalhado em publicações científicas revisadas por pares. “Nesse sentido, esclarecemos que o Inpe não participa da rede de colaboradores da IQAir e que não tem como avaliar ou referendar os índices e rankings de qualidade do ar divulgados pela referida empresa”, completa o órgão.


Tabela dos Índices de Qualidade do Ar e seu efeito na saúde humana / Tabela: Fepam/RS

Divergências

Pesquisadora do Instituto Energia e Meio Ambiente, Helen Sousa explica que cada país pode ter o seu índice de qualidade do ar. “O índice é uma forma de comunicar como está a qualidade do ar, não está relacionado diretamente com o padrão de qualidade do ar. Já em relação aos índices, eles podem ser diferentes mesmo. O do IQAir (suíço) é baseado na norma da EPA (Environmental Protection Agency) dos Estados Unidos, enquanto o da Fepam é baseado na resolução Conama 506, a versão mais atualizada.” 

Marçal Pires, professor da Escola de Ciências da PUCRS, destaca que a diferença entre os índices de qualidade do ar da empresa suíça e das estações de monitoramento brasileiras podem variar em função da fórmula de cálculo usada, que pondera de forma diferente a importância de cada parâmetro medido e nas concentrações de poluentes utilizadas. 

“Os dados considerados válidos são aqueles obtidos em redes de monitoramento da qualidade do ar que usam equipamentos certificados e que tem um programa de avaliação da qualidade analítica dos dados. Em geral, isso ocorre para as estações operadas por órgãos ambientais dos estados no Brasil”, explica Pires, doutor em Química da Atmosfera pela École Polytechnique Fédérale de Lausanne (Suíça) e pós-doutor em Química Analítica Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP). 

O professor pondera que o IQAr é um índice que visa popularizar as informações complexas de qualidade do ar, de forma que o cidadão possa saber o grau de exposição a que está submetido. No entanto, destaca que a avaliação da qualidade do ar de forma mais profunda deve ser feita pelo acompanhamento dos relatórios anuais das agências ambientais que monitoram esses parâmetros ao redor do mundo. “A avaliação de um dado específico (um dia, uma semana) não tem valor científico”, afirma. 

Pires acredita que os dados publicados na internet pela entidade suíça são, provavelmente, dos monitores vendidos para diferentes locais ao redor do mundo. A qualidade desses dados, ressalta o professor da PUCRS, depende do monitor, da forma de operação e do local em que está instalado. “Vários dados são de qualidade do ar de ambientes internos (indoor), que não devem ser usados para a avaliação da qualidade do ar externo (outdoor)”, acrescenta. 

Ao mesmo tempo, Pires enfatiza que as estações da Fepam estão “sucateadas” e as que estão em funcionamento são controladas por empresas privadas que, por questões de legislação, são obrigadas a manter o monitoramento nas áreas de entorno dos empreendimentos.

No último dia 17 de setembro, a Prefeitura de Porto Alegre publicou edital para a contratação da empresa que prestará serviços de monitoramento da qualidade do ar da cidade. Serão seis estações, uma móvel de referência e cinco compactas para medição de poluentes e parâmetros meteorológicos. Elas serão instalados nos bairros com maior risco de sofrerem ondas de calor, locais com grande fluxo de veículos, áreas com adensamento expressivo e entradas e saídas da cidade.

Edição: Sul 21