Rio Grande do Sul

DIREITO À MORADIA

Assentamento 20 de Novembro: sonho de morar no Centro se torna uma realidade para 40 famílias

Governo Lula e seus agentes entregam imóvel público para famílias pobres que lutam por habitação digna há 18 anos

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Contrato para a obra do Assentamento 20 de Novembro foi assinado na Caixa Econômica Federal com presença de moradores e autoridades - Foto: Rafa Dotti/BdF RS

Foram tempos difíceis, mas a resistência e a luta contínua passaram por cima de todas as burocracias e dificuldades: enfim, hoje, 10 de outubro de 2024, foi assinado o contrato para a obra do Assentamento 20 de Novembro, localizado na rua Dr. Barros Cassal, 161, na região central de Porto Alegre.

Vitória difícil, mas a comemoração foi grande para as 40 famílias que passaram por imensos problemas nos últimos 18 anos. Tudo começou no dia 20 de novembro de 2006 com a ocupação do local, patrimônio da União, abandonado há mais de 40 anos, sem utilidade nenhuma e completamente degradado, já que a ideia de ali construir um hospital não avançou e empacou nas negociações ao longo do tempo.

O local foi palco de tensões por parte de organizações de moradores que lutavam por moradia. O assentamento foi resultado de um processo de negociação com o governo federal, que definiu que imóveis desocupados ou subutilizados seriam revertidos para moradia popular.

O projeto de reforma do Assentamento 20 de Novembro foi assinado pelo Ministério das Cidades e agora vai em frente. A solenidade de hoje (10), realizada na agência da Caixa Econômica Federal da avenida Independência selou o início das obras, previsto para 30 dias. Em ato festivo, cheio de emoção e também de alívio para todos os beneficiados, a ocupação inicialmente ganhou o nome de batismo de Cooperativa. Dez anos depois, em 2016, a Cooperativa recebeu a concessão do direito real de uso do prédio abandonado, dando início ao processo para se transformar em moradia digna e honesta para uma comunidade carente e que sempre viveu à margem da sociedade.


Alegria após 18 anos de luta para a regularização e início das reformas / Foto: Rafa Dotti/BdF RS

Na solenidade, estavam representantes do Ministério das Cidades, Fundo de Desenvolvimento Social, Patrimônio da União, Ministério da Reconstrução, Caixa Econômica Federal, Secretaria Nacional de Habitação e tantos outros órgãos que contribuíram para que “o sonho se transformasse em realidade”. Não se viu representantes do estado e do município.

Todos discursaram brevemente, mostrando o final exitoso da luta. Houve também a apresentação de um breve vídeo com o histórico do local e no que vai se transformar, "logo, logo", conforme acreditam futuros moradores da área que estavam presentes na cerimônia. O presidente Lula, com suas "políticas sociais e públicas, em favor dos pobres", foi ressaltado em todos os momentos.

Projeto

O projeto será financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida Entidades. É coordenado pelos próprios moradores ligados ao Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e à Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam). Organizados, principalmente por mulheres na sua grande maioria, elas foram, nestes 18 anos de espera, arrumando o prédio e confiando na solução positiva que esperavam.

Juntavam cada tijolo, limpavam, empilhavam em um canto e esperavam que um dia todos eles voltassem para o lugar certo na construção.
Estes tijolos terão uma utilidade especial. Eles retornarão ao prédio na forma de cobogós, tão característicos da arquitetura brasileira, de paisagismo e de mobiliário das áreas externas. Cobogó é a denominação dada ao elemento vazado, normalmente feito de barro, cimento ou tijolo, que completa paredes e muros para possibilitar maior ventilação e luminosidade no interior de um imóvel, seja residencial, comercial ou industrial.

O assentamento, que agora se tornará real, um novo mundo para estas famílias, vai finalmente se tornar um lar, um sinal claro de que é possível conviver harmonicamente e integralmente com a cidade para as pessoas de todas as vertentes sociais. “Lugar de pobre não é só na periferia, o povo também pode morar no Centro”, destacaram os discursos.


Assentamento 20 de Novembro aguardando reformas / Foto: CAU/RS

Desde dezembro de 2018 a obra está licenciada no município e o projeto está pronto e aprovado pela Caixa Econômica Federal, mas empacou em 2019 pela burocracia e pelo governo que estava assumindo o poder, comandado por Jair Bolsonaro, cheio de má vontade com as lutas sociais. Cada uma das 40 unidades deverá ter um custo de cerca de R$ 200 mil, totalmente financiado pela Caixa. A arquitetura do  prédio a ser reconstruído e de todas as unidades do imóvel são do grupo de profissionais da empresa Arquitetura Humana.

"Finalmente teremos a nossa casa"

A líder do assentamento é Ceniriani Vargas da Silva, cientista social, ativista e integrante do MLNM, presente em todas as etapas do movimento.  “Eu tenho dedicado os últimos 18 anos da minha vida na construção deste projeto. É o projeto da minha vida”, disse ela, em entrevista.

“Foi uma luta, passo a passo. Avanços, recuos, sofrimentos, alegrias. Nosso projeto é de moradia popular sustentável no Centro, com energia solar, cisterna, horta comunitária, ciranda, biblioteca, pracinha, espaço cultural e espaços de geração de renda. É o lugar onde meus filhos irão crescer, fruto de uma luta que elas ajudaram a construir desde a barriga. Finalmente teremos a nossa casa, de onde ninguém mais vai poder nos despejar”, diz, entusiasmada.


Elis Regina e Ceniriani / Foto: Rafa Dotti/BdF RS

Também discursou na ocasião outra líder do assentamento, Elis Regina, da Coman. Chorou, se emocionou, bateu palmas para o fim da luta e o início de uma outra etapa do local. “O prefeito Sebastião Melo se recusou a dar aluguel social no período das obras, mas vamos nos reinventar e encontrar uma solução”, afirmou.

Ceniriani e Elis, ao final, puxaram o grito de guerra dos moradores – “Na luta e na garra a casa sai na marra” – e foram aplaudidas.

Bota pra Andar

Na cerimônia de anúncio do contrato, o governo federal também lançou a nova edição do “Bota pra Andar” na Capital, onde será acompanhada a construção de 5.577 moradias pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. A iniciativa busca acelerar a retomada e conclusão de obras paralisadas, envolvendo órgãos públicos, construtoras e entidades parceiras.

Durante o evento, estiveram presentes o secretário-executivo do Ministério das Cidades, Helder Melillo e representantes das equipes técnicas da Caixa Econômica Federal e do ministério. “Garantir moradia para as famílias viverem com dignidade é uma missão do governo federal. E, aqui no Rio Grande do Sul, em face dos eventos trágicos que tivemos este ano, o governo está mais que empenhado e dedicado nessa missão. Garantir que as famílias gaúchas tenham um lar digno e seguro é uma missão de fé para todos nós”, afirmou o representante do secretário de Reconstrução do Rio Grande Sul da Casa Civil, Maneco Hassen, Engenheiro Comassetto.


Engenheiro Comasseto (centro) e outras lideranças da entidades / Foto: Rafa Dotti/BdF RS

MNLM

A organização, hoje denominada Assentamento 20 de Novembro, surgiu a partir da criação em âmbito nacional do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, no ano de 1990. Desde o seu início, a entidade propôs o enfrentamento ao déficit habitacional, por meio do estímulo à  articulação nacional dos movimentos de luta pela moradia, desenvolvidos por sem-teto, inquilinos, mutuários e ocupantes, unificando suas ações pela conquista da moradia e o direito fundamental à cidade. Hoje o MNLM está presente em vários estados brasileiros e municípios do Rio Grande do Sul, e tem como principal eixo de luta a reforma urbana.

O debate proposto compreende não apenas a questão da casa, mas todo o seu contexto: educação, saúde, economia, trabalho, comunicação, meio ambiente, mobilidade urbana, relações humanas e assim por diante. A sua dinâmica de atuação consiste, inicialmente, na ocupação de prédios públicos desocupados para provimento de habitação social em diversas regiões do território nacional.


Moradores acompanharam cerimônia / Foto: Rafa Dotti/BdF RS

Foi a partir do MNLM que um grupo de famílias sem moradia ocupou, em Porto Alegre, o prédio da Rua Caldas Júnior nº 11, em 20 de novembro de 2006. Permaneceu no local até março de 2007, quando, por meio de reintegração de posse, foi removido do local e realocado em um terreno próximo ao Estádio Beira-Rio, na Avenida Padre Cacique, em condições precárias. A Copa do Mundo de 2014 arrasou o local e todos foram jogados para outras áreas da cidade.

Mais uma vez a ocupação foi a solução encontrada pelo grupo de pessoas que optaram pela moradia no prédio da Rua Dr. Barros Cassal, até que as tratativas para a solução do impasse cumprissem os seus trâmites burocráticos. Foi apenas no mês de março de 2016 que a escritura do imóvel foi lavrada em nome da Cooperativa 20 de Novembro/Assentamento 20 de Novembro.

Em abril do mesmo ano foi assinada a documentação referente às obras de requalificação do edifício para fins de moradia, inseridas no Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, segundo o estudo “A Produção Social do Espaço/Tempo e os Vazios Urbanos: o caso do Assentamento 20 de Novembro em Porto Alegre” de Marcos Pereira Diligenti, Maria Alice Medeiros Dias e Isadora Teodoro.


Edição: Marcelo Ferreira