Nos próximos dias, o litoral do Rio Grande do Norte também terá os olhos voltados para a fronteira do Rio Grande do Sul. Dois títulos gaúchos com um bom roteiro de festivais de cinema e prêmios no currículo foram selecionados para a 11ª Mostra de Cinema de Gostoso (RN), que começa nesta sexta-feira (22).
É interessante observar que os dois filmes a serem exibidos na beira da Praia do Maceió, no litoral potiguar, abordam o mesmo território geográfico: a Fronteira do RS com a Argentina. Além disso, são obras audiovisuais que têm um contexto social muito importante por trás de suas narrativas.
O evento recebeu, neste ano, um total de 855 inscrições de curtas e longas-metragens de todas as regiões do país. Para renovar e diversificar a Mostra, entraram na equipe Janaína Oliveira, Mariana Souza e Carine Fiúza para se juntar a Eugenio Puppo e Matheus Sundfeld no trabalho de seleção dos filmes e de montagem da programação desta edição.
Melhor curta gaúcho de Gramado em 2024, Chibo, dos premiados realizadores Gabriela Poester e Henrique Lahude, concorre com mais sete filmes de outros estados brasileiros. Produção da cidade de Tiradentes do Sul (RS), terra natal da diretora, o título mostra uma família vivendo da travessia clandestina de mercadorias entre as margens do Rio Uruguai.
Produzido entre Tiradentes do Sul (RS) e El Soberbio (Misiones), Chibo é estrelado por Daniela Schmitz e retrata uma família que mora às margens do Rio Uruguai, vivendo da travessia clandestina de mercadorias entre Brasil e Argentina para subsistência e comércio (prática denominada como “chibo”). Os realizadores Gabriela Poester e Henrique Lahude acompanham o cotidiano deste núcleo familiar na época em que Dani, a filha mais velha, está prestes a concluir o ensino médio e enfrenta as decisões desta fase da vida.
“Esse lugar tem uma fronteira fluvial, não tem nenhuma ponte, na verdade, que faz esse trânsito entre a província e o nosso estado. Então, é tudo com balsa, é uma fronteira dos barquinhos, como a Dania atravessa em Chibo. É um cenário diferente das fronteiras terrestres, que tem mais ali pro Uruguai, ou até mesmo ali com a província de Corrientes (ARG), com as pontes, em São Borja e Uruguaiana. Essa é uma fronteira um pouco mais desconhecida”, explica Lahude, sobre o território que investigam por meio do audiovisual.
Já A Transformação de Canuto, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho, melhor longa gaúcho em Gramado e reconhecido ainda mundo afora, será projetado na Sala Petrobras, como parte da Mostra Panorama (fora de competição). O filme utiliza ficção e linguagem documental para recriar a história de Canuto, um homem que se transformou em onça e depois morreu tragicamente. O episódio já virou lenda e ainda povoa o imaginário de uma pequena comunidade Mbyá-Guarani na fronteira entre o Brasil e a Argentina.
A travessia clandestina de mercadorias no Rio Uruguai
Desde 2019, os diretores Henrique Lahude e Gabriela Poester vêm pesquisando e registrando a Fronteira entre o Rio Grande do Sul e a província de Misiones. Recentemente, na quarta-feira (20), estiveram na cidade argentina para o 4º Mercado Audiovisual Entre Fronteras (MAEF). Organizado pelo Instituto Estadual de Cinema (Iecine) da Sedac/RS, Instituto de Artes Audiovisuales de Misiones (IAAVIM) e Instituto Nacional del Audiovisual Paraguayo (INAP), o evento reuniu produtores e representantes da indústria audiovisual de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Contemplados em edições anteriores (com Chibo e Messi, produzido durante a Copa de 2022), Gabriela e Henrique receberam o Prêmio de Assessoramento (CAiC) e o Prêmio Consultoria de Mercado (Ausgang), para o projeto de longa-metragem Caça.
Já selecionado para outras iniciativas de mercado, laboratórios, convocatórias e prêmios de desenvolvimento, o futuro filme dos cineastas conta com a consultoria da experiente Ana Luiza Azevedo, para aprimorar o roteiro. A trama traz a história de uma bióloga que trabalha nesse Parque do Turvo e, pra impedir a construção de uma hidrelétrica, precisa provar a existência do último exemplar de jaguaretê (onça-pintada) no extremo sul do país.
“Procuramos ganhar visibilidade do projeto, que é uma coisa que a gente acha fundamental, e estabelecê-lo nesse lugar de Fronteira, porque também está nessa Fronteira de Messi e Chibo. Ele é um ficcional, ele se afasta bastante do documentário. Nem vamos pro híbrido. Queremos trazer elenco ao filme, com grande produção, de grande orçamento. Estamos bem situados na ficção, dentro do gênero de um thriller, de um suspense. Estamos bem animados e ansiosos para conseguir financiamento”, conta Henrique.
Animados e ansiosos eles estão ainda com a trajetória do seu segundo curta, Chibo, e com as seleções para Gostoso, Belém e Brasília. Regionalmente e também muito recentemente, o título foi exibido na Mostra de Cinema das Missões (no sítio arqueológico de São Miguel Arcanjo, na região Noroeste do Rio Grande do Sul), no Festival de Canoas (onde ganhou prêmio de roteiro) e no Festival Latino-Americano 3 Margens (menção honrosa).
O diretor reflete sobre a carreira do filme: “A gente fica muito feliz nesse lugar, de um interesse, eu acho, pelo lugar do Interior, pelo lugar da Fronteira. Realmente, desde Gramado nos surpreendeu muito já o prêmio de Melhor Filme. Mas agora a gente percebe que esse lugar do Brasil talvez esteja em um cenário ainda pouco explorado na nossa filmografia nacional. É bem específica desse lugar essa mistura também, um ‘portuñol’ diferente, daquela região”.
Lahude destaca ainda sobre os retornos positivos que recebem e do olhar também de fora: “Bem legal, nos estimula mais a pensar nesse próximo projeto do Caça, a investir também nesse outro projeto, mas aí na ficção”.
Acerca da projeção na Mostra de Cinema de Gostoso (RN), o cineasta brinca sobre um contexto dos sonhos: “Acho que é o sonho de todo realizador e realizadora, de exibir numa praia incrível do Nordeste, com uma qualidade técnica impecável, com público gigante, todos os elementos. A gente tá incrivelmente feliz. A Gabi comentou que via as fotos e que este era o Festival dos Sonhos dela”.
Sobre a “coincidência” ou não na seleção dos títulos gaúchos, Henrique comenta: “Acho legal também a proposta de curadoria que fizeram, de levar o filme do Ariel (A Transformação de Canuto), porque é exatamente nessa mesma fronteira do Rio Grande do Sul com o Missiones o trânsito do coletivo indígena Ara Pyau, que fica nesse lugar quase transfronteiriço. É um destaque para essa região do estado do RS naquele festival”.
“Acho que o mais importante realmente segue sendo público. O cinema conseguir chegar nas pessoas, não importa o local, não importam as condições. Esse é o nosso grande gargalo, a nossa maior atenção precisa ser dada a isso. Eu acho que nada justifica a gente seguir produzindo filmes se os filmes não chegam no público. Então, para além de todas as maravilhas do Festival de Gostoso, o principal ainda é o público, esse público grande ainda que eles têm, aquela Sala Petrobras também, que eles conseguem fazer sessões climatizadas, dentro também de possibilidades de exibir de dia. A força do cinema é o público e que bom que existem esses festivais e essas frentes, que mais frentes dessas sejam fomentadas”, conclui o realizador.
Mostra de Cinema de Gostoso
Com a exibição de longas e curtas-metragens ao ar livre em São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, a 11ª Mostra de Cinema de Gostoso vai até 2 de novembro. O evento se consolidou como único no Brasil, ao promover a exibição de filmes a céu aberto na sala de cinema montada na paradisíaca praia do Maceió, em São Miguel do Gostoso (RN), aliando conforto e alta qualidade de projeção.
Ao longo de cinco dias, os espectadores presentes assistirão em 700 espreguiçadeiras os mais recentes lançamentos cinematográficos em uma sala de cinema de alta tecnologia. Os filmes concorrem ao Prêmio do Público (definido pelo voto do popular) e ao Prêmio da Crítica, concedido por jornalistas presentes no festival.
A sessão de abertura ocorre na noite desta sexta-feira (22), às 20h, com a estreia mundial do filme Kubrusly: Mistério Sempre Há de Pintar por Aí, de Caio Cavechini e Evelyn Kuriki. A música é o fio que o conecta ao momento presente, depois que uma doença consumiu a notável capacidade de comunicação e todo o repertório de um dos mais conhecidos repórteres do Brasil. Maurício Kubrusly já não reconhece quem foi Maurício Kubrusly. Ele vive hoje com a mulher, Beatriz Goulart, em uma comunidade à beira mar no Sul da Bahia.
Na Mostra Competitiva, serão os seguintes longas-metragens:
O DESERTO DE AKIN, de Bernard Lessa
KASA BRANCA, de Luciano Vidigal
MANAS, de Marianna Brennand
TIJOLO POR TIJOLO, de Victória Álvares e Quentin Delaroche
Ainda serão apresentados na Sala Petrobras, nas projeções vespertinas, os longas:
AINDA NÃO É AMANHÃ, de Milena Times
BABY, de Marcelo Caetano
SALÃO DE BAILE, de Juru e Vitã
A TRANSFORMAÇÃO DE CANUTO, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho
Entre os curtas, são oito concorrentes:
AXÉ MEU AMOR, de Thiago Costa
BATI DA VILA, de Raquel Cardozo
CALUIM, de Marcos Alexandre
CHIBO, de Gabriela Poester e Henrique Lahude
HOJE EU SÓ VOLTO AMANHÃ, de Diego Lacerda
PEQUENAS INSURREIÇÕES, de William de Oliveira
RAPOSA, de Margot Leitão e João Fontenele
YBY KATU, de Kaylany Cordeiro, Jessé Carlos, Ladivan Soares, Geyson Fernandes e Rodrigo Sena
Compõem ainda a programação da Mostra Panorama os curtas-metragens:
AQUELA CRIANÇA COM AIDS, de Hiura Fernandes
BOI DE CONCHAS, de Daniel Barosa
O LADO DE FORA FICA AQUI DENTRO, de Larissa Barbosa
MAR DE DENTRO, de Lia Letícia
A MENINA E O POTE, de Valentina Homem e Tati Bond
PONTO E VÍRGULA, de Thiago Kistenmacker
PULMÃO DE PEDRA, de Torquato Joel
SE EU TÔ AQUI É POR MISTÉRIO, de Clari Ribeiro
Edição: Katia Marko