POLÍTICA EXTERNA

Artigo | Ucrânia: Bolsonaro rasga princípios do Brasil de olho em fertilizante russo

Após ter transmitido solidariedade à Rússia em reunião com Putin, Bolsonaro agora evita criticar a guerra

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Fertilizantes vendidos ao Brasil pela Rússia estão acima dos princípios de política externa que o país prometeu defender na Constituição Federal e nos tratados que endossou - Agência Brasil

Na escala de valores de Jair Bolsonaro, os fertilizantes vendidos ao Brasil pela Rússia estão acima dos princípios de política externa que o país prometeu defender na Constituição Federal e nos tratados que endossou. "Para nós, a questão do fertilizante é sagrada. E nossa posição é de equilíbrio", disse, neste domingo (27), sobre a invasão da Ucrânia. Pragmatismo diplomático? Não, cálculo eleitoral e incompetência presidencial.

Pragmatismo diplomático? Não, cálculo eleitoral e incompetência presidencial

Após ter transmitido solidariedade à Rússia em uma reunião com o presidente Vladimir Putin, Bolsonaro agora evita criticar a guerra. "Nossa posição tem que ser de bastante cautela para não trazermos problemas para o nosso país", disse. Mas foi o próprio Jair que mandou a cautela para o espaço em Moscou com sua desnecessária e não solicitada declaração de apoio no dia 16 de fevereiro.

O presidente deu uma coletiva à imprensa no Guarujá (SP), neste domingo, onde está curtindo o carnaval com recursos públicos. Alega que ligou para Putin. "Temos que ter responsabilidade em termos de negócios com a Rússia. O Brasil depende de fertilizantes", afirmou.

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Sim, depende. Mas, primeiro, a conhecida independência do Brasil em relações internacionais não pressupõe silêncio diante da violação da integridade territorial de um país e da autodeterminação de seu povo. O que aconteceria se fosse com a Amazônia? Ele ia gostar que os países ficassem em silêncio contemplativo em nome do comércio com o país invasor?

Bolsonaro poderia ter condenado incondicionalmente a invasão e, mesmo assim, afirmado que não aplicaria sanções à importação de produtos russos por questões estratégicas nacionais. A isso, daríamos o nome de pragmatismo. Mas ele não fez isso e foi além. Seu discurso na coletiva não teve nada de equilibrado, defendendo Putin e criticando o presidente ucraniano.

Um dos objetivos de Jair na viagem a Moscou foi gerar um fato político com seu colega russo para ser usado junto a seus seguidores e eleitores com propósitos eleitorais. Tentava demonstrar que não era um pária internacional. Agora, seu silêncio estabanado não é traduzido como equilíbrio, mas como uma passada de pano à invasão.

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E, de quebra, expõe que sua preocupação não é com vidas humanas ou a imagem do Brasil no exterior, mas com o impacto no preço de alimentos e, portanto, em sua reeleição, que uma redução na importação de fertilizantes poderia causar.

No dia em que o Exército russo invadiu a Ucrânia, Bolsonaro resolveu fazer campanha eleitoral em São Paulo. Coube ao vice-presidente Hamilton Mourão criticar Putin e a invasão. "O Brasil não está neutro. O Brasil deixou claro que respeita a soberania da Ucrânia, então Brasil não concorda com uma invasão", disse. Comparou as ações do governo do russo às da Alemanha nazista pré-Segunda Guerra e disse não acreditar que apenas sanções econômicas funcionarão.

Na noite da mesma quinta em que o vice soltou o verbo, Jair desautorizou as declarações, sem citar o seu nome, dizendo que é ele quem trata dessas questões. Afirmou que "quem tá falando, tá dando 'piruada' naquilo que não lhe compete".

O fato de os Estados Unidos contar com uma longa lista de invasões de outros países para saciar seus interesses econômicos e a Otan, uma aliança militar, agir de forma expansionista sobre a vizinhança da Rússia não diminui o fato que Putin, um governante autocrata, invadiu de forma inadmissível a Ucrânia, uma nação soberana, deixando um rastro de mortes, dor e destruição para forçar que o país se mantenha neutro.

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Desde que os tanques e helicópteros russos atravessaram a fronteira ucraniana, Bolsonaro ainda não repudiou a ação. Ou seja, sua última palavra ainda é de apoio ao Kremlin.

O que foi reforçado pela coletiva de hoje. O brasileiro aproveitou para dar uma cutucada no presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao dizer que a população de lá confiou em um comediante - o atual presidente era um conhecido humorista no país.

"O comediante que foi eleito presidente da Ucrânia, o povo confiou em um comediante para traçar o destino da nação", disse Bolsonaro.

Vendo os recordes de desmatamento e os quase 650 mil mortos por covid-19, o mundo também pensa que confiamos em um comediante. Mas, no nosso caso, seu humor é sombrio e involuntário.

Edição: Rebeca Cavalcante