14 dias de greve

Mobilização indígena rejeita proposta do presidente do Equador e se mantém em greve

Após duas semanas de paralisação, cinco pessoas morreram, 80 foram detidas e deputados discutem impeachment de Lasso

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Apesar da suspensão do estado de sítio, a paralisação nacional no Equador se mantém pelo 14º dia - Rodrigo Buendia / AFP

No Equador, completam-se duas semanas de paralisação nacional com um cenário de instabilidade nacional. O presidente Guillermo Lasso levantou o estado de sítio em seis províncias, anunciou a redução no preço dos combustíveis, enquanto a Assembleia Nacional discute um pedido de destituição do mandatário. Em resposta, a Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie) disse que as medidas anunciadas não são suficientes e a greve continua.

Em 14 dias de protestos e bloqueios de rodovias, foram registrados cinco mortos e mais de 80 detidos em confronto com a Polícia Nacional, segundo levantamento de organizações de direitos humanos. O controle das Forças Armadas estava vigente em seis províncias desde a última segunda-feira (20): Cotopaxi, Imbabura, Tungurahua, Chimborazo, Pastaza e Pichincha, onde está localizada a capital Quito, que estava sob toque de recolher.

Embora tenha suspenso o estado de exceção, o presidente equatoriano declarou que as forças de segurança continuam autorizadas a usar a força "de maneira progressiva para reestabelecer a ordem e devolver a tranquilidade aos cidadãos", declarou em transmissão televisiva na noite do último domingo (26).

:: No Equador, pesquisas indicam que cerca de 56% reprovam gestão do presidente Guillermo Lasso ::

A Aliança de Organizações de Direitos Humanos publicou uma nota acusando o Estado de cometer um massacre contra os povos indígenas e outros setores mobilizados. 

"Repudiamos a forma irresponsável como o Executivo usou a figura de estado de exceção [...] Rechaçamos a campanha de estigmatização promovida pelo governo de Guillermo Lasso", escrevem.

"Pronunciamento: rechaçamos o irresponsável e ilegal uso da figura de estado de exceção pelo Executivo."

O Papa Francisco também comentou a situação de violência no Equador no último domingo (26). "Acompanho com preocupação o que está acontecendo no Equador. Estou próximo desse povo e alento todas as partes a abandonar a violência e as posições extremas", disse.

A Organização das Nações Unidas (ONU) defendeu um "diálogo urgente" entre governo e grevistas. O representante para a América do Sul do Escritório da Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU pediu que se investiguem de maneira "exaustiva" todas as mortes registradas durante a greve. "Os agentes do Estado devem atuar com apego irrestrito às normas internacionais de direitos humanos", ressaltou Jan Jarab.

Lasso afirma que seu pacote representa um desembolso de cerca de US$ 600 milhões. Além da redução de 10 centavos no preço do diesel e da gasolina, o Executivo propõe subsídio a 50% do preço de fertilizantes a pequenos agricultores; o aumento de US$ 5 no Bônus de Desenvolvimento Humano que será pago a 1,5 milhão de famílias; o perdão de dívidas de até US$ 3 mil no Banco do Equador. 

Na última semana, o governo também reuniu-se com empresários e ofereceu um crédito de US$ 20 milhões para amortecer os "prejuízos da greve".


No centro da imagem, Leonidas Iza, presidente da Conaie, quem foi preso no segundo dia de greve geral, acusado de "interromper os serviços públicos". / Cristina Vega Rhor / AFP

"Não insistiremos com quem não quer dialogar, mas também não podemos esperar para dar respostas que o povo equatoriano tanto espera. Assumimos diretamente o compromisso de resolver todos os pontos da agenda dos nossos irmãos indígenas e camponeses, com resultados reais", disse.

A Coanie, que convocou a greve geral no dia 13 de junho, e outras duas federações indígenas assinaram um comunicado declarando que as medidas anunciadas são insuficientes e a mobilização permanece. 

"Uma decisão sem garantias e que não se compadece com a situação de pobreza de milhões de famílias. O anúncio é insuficiente e insensível, no entanto demonstra que a luta do movimento indígena e outros setores sociais estão dando frutos", publicam.

"Fazemos uma avaliação coletiva do anúncio feito pelo presidente Guillermo Laso com nossas bases para definir o caminho a seguir."

Com uma plataforma de dez pontos, a Conaie demanda a criação de empregos, a proibição da mineração em terras indígenas, combate à miséria, a retomada da política de subsídios aos combustíveis e a suspensão das privatizações.

Desde 2019, com a gestão do presidente Lenín Moreno, o Equador suspendeu uma política de subsídios aos combustíveis, vigente há mais de 20 anos, para adotar a paridade com preços internacionais — similar ao modelo aplicado pela Petrobras, no Brasil.

Ao mesmo tempo em que ressalta sua disposição em atender as demandas dos setores em greve, Lasso voltou a criminalizar os protestos. "Durante os últimos dias nosso país foi alvo de atos de barbárie e sabotagem, nenhum desses delitos ficará impune, todos que estiveram envolvidos serão levados à justiça. Para aqueles que buscam o caos, a violência e o terrorismo: toda a força da lei", declarou.

"Assumimos o compromisso de resolver os problemas de todos os equatorianos. Escutamos a todos os grupos sociais e, pensando no bem comum, tomamos esta decisão pelo bem dos equatorianos."

As novas propostas do governo aparecem no mesmo momento em que a Assembleia Nacional discute uma proposta de destituição do presidente e pede explicações dos ministros de Defesa e do Interior sobre a atuação das forças de segurança na contenção da greve. 

A bancada de oposição, liderada pela União pela Esperança (Unes), propôs o impeachment de Lasso por "grave crise política e comoção interna". O texto foi discutido na última sexta-feira, após a intervenção de 71 parlamentares, a sessão foi suspensa e será retomada na próxima terça-feira (27). Para ser aprovada, a destituição deve contar com 92 votos entre os 137 parlamentares em duas rodadas de votação. 

Já para a sessão desta segunda, está prevista uma sabatina com os ministros Patricio Carrillo (Interior) e Luis Lara (Defesa) sobre a ação dos militares no controle dos atos. 

Na última semana, as forças armadas ocuparam a Casa de Cultura do Equador e universidades públicas, que costumavam ser pontos de encontro das organizações indígenas na cidade de Quito.

Edição: Thales Schmidt