Entrevista

Gilberto Carvalho: "Lula está onde sempre esteve"

Para secretário nacional, essencial para o presidente é combater a fome e defender os interesses do povo

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Secretário Nacional da Economia Popular e Solidária esteve em Curitiba, no sábado (04) - Foto: Lucas Botelho

Num evento da Economia Solidária, em Curitiba, o Brasil de Fato Paraná entrevistou o secretário da pasta no governo federal. Gilberto Carvalho, um dos assessores mais próximos de Lula, falou da importância da participação popular no governo, da necessidade de aproximação com as “periferias” e a base dos evangélicos, das iniciativas da economia solidária que frutificam, apesar do enfraquecimento das políticas públicas nos últimos anos, além de uma suposta “radicalização” de Lula no atual mandato.

Veja os principais trechos abaixo:

Brasil de Fato Paraná: A gente vem num momento em que os movimentos populares demandam trabalhos de comunicação, de solidariedade, experiências de cooperativismo, de produção. Ou seja, há um caldo de cultura se formando... Para o senhor, como o governo Lula deve trabalhar com isso? Pensando também no resultado do segundo turno da eleição presidencial, como vai ser a relação desse “caldo popular” com o novo governo?

Gilberto Carvalho: As lições do passado nos ensinaram muito, que essa relação não pode ser incidental, eventual, a cereja do bolo... Ela é essencial. Você não constrói o futuro se não começar, desde já, a antecipar formas, fundamentos, princípios...Nós temos de ter um método de governo. O Lula entendeu isso. Quando ele lança o Conselho de Participação Popular, quando ele determina que na Secretaria Geral seja forte a questão da participação, coordenando isso em todo o governo, que em cada ministério haja um agente da participação popular, que se recria a Secretaria da Economia Solidária, se recria o Ministério das Mulheres, o Ministério dos Direitos Humanos, da Igualdade Racial, isso não é para agradar a plateia. Isso faz parte de uma concepção de que a sociedade precisa estar dentro do governo, construindo o projeto de governo junto com os que estão ocupando os cargos.

Tenho convicção de que novas formas vão avançar, retomar plebiscitos, referendos, conferências, conselhos. Mas, além disso, a própria elaboração das políticas terá novo grau de participação. Isso corresponde a um avanço que a própria sociedade fez. 2023 não é 2003, há problemas novos, econômicos e tal, mas há também vantagens novas. Uma delas é isso: a sociedade amadureceu e participa de forma muito mais concreta do que naquele período.

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O senhor tem uma percepção muito importante, a partir da sua própria experiência, de que a periferia hoje não é aquela na qual se inseriu nos anos 1980. Gostaria que o senhor falasse de alguns desafios da esquerda para se inserir a partir da compreensão da realidade e buscar alterá-la... O senhor também fala sobre o papel dos evangélicos na periferia, que agora existe uma liderança popular pela direita, que é Bolsonaro, e da importância da comunicação. Qual a importância dessa disputa?

Acho que esse desafio se constitui, não vou dizer no principal, mas que é um dos grandes desafios que nós temos, que é romper uma cultura que fomos criando, ao longo do tempo, de acreditar que bastava praticar políticas públicas adequadas, que com isso você teria um resultado de inclusão material, econômica, e que também haveria a inclusão cultural e cidadã. Já quebramos a cara, e a realidade nos mostrou que não é assim. Não tem essa história de você fazer a pessoa ter acesso a um bem e isso ser automaticamente um fator de consciência. O que tem se provado, em geral, é o contrário: a captação de quem tem algum acesso econômico por parte de uma cultura de classe média, no pior sentido do termo, do individualismo, da violência.

Não temos o direito de repetir esse erro. O governo vai ter de tomar, e espero que isso comece a acontecer muito brevemente, esse cuidado de a cada ação governamental haver uma leitura, uma disputa da leitura daquele acontecimento. Desse ponto de vista, se lá em 2003 nós tínhamos o trabalho de rádios comunitárias, que nós não levamos em conta, e de várias formas de imprensa, no presente há um salto enorme nessa área, que são as redes sociais. O trabalho de inclusão digital, de comunicação através das redes, se tornou dramaticamente importante. Esses veículos são essenciais para a leitura e interpretação da realidade que as pessoas fazem.

Então temos de, por um lado, valorizar as iniciativas democráticas de imprensa, muito mais do que já fizemos, fazer alianças com os setores progressistas que estão ocupando espaço na imprensa, sem chapa branca, mas valorizando uma imprensa que cria, que ajuda a desenvolver uma consciência cidadã. Além de um investimento pesado na comunicação via redes sociais, junto com a presença física, isso não pode ser esquecido. A presença física da esquerda, da militância progressista no meio da população, é essencial para a gente. Sem isso, vamos “mancar”de novo, vamos cometer o erro e nos fragilizar. Porque é também através dessa comunicação, da informação, e ter essa conscientização, que você vai estimular a organização do poder popular. Por meio dos comitês populares, das formas múltiplas que temos hoje de organização do povo.

Como fica o bolsonarismo e os pastores evangélicos na periferia, como lidar com isso?

Defendo fortemente que, principalmente nas periferias, se busque uma nova aliança com os evangélicos. Uma coisa são os grandes dirigentes das igrejas massivas-televisivas, outra coisa é lá na base. Dos 20 mil candidatos a vereador que o PT teve em 2020, mais de dois mil eram evangélicos, muitos pastores.

Há um campo de negociação, de conversa, de identificação, que é possível a gente construir. Eu acho fortemente necessário que se busque construir essa aliança. Não adianta criar guerra contra as grandes igrejas, você acaba vitimizando e dá a eles o mote para que façam suas campanhas falsas e cheias de fake news. O que nos interessa é o diálogo com aqueles que estão lá na base, fazendo o trabalho deles que, eu insisto, é de muita generosidade, de muita atenção ao povo, e nos interessa nos somarmos a eles, buscando pontos de convergência e aliança.

Falando um pouco de economia solidária. Entrevistei algumas vezes o Paul Singer, e esse era um projeto de vida dele, chegava a dizer que a economia solidária era um dos modos de superar o capitalismo. Como é essa retomada no atual governo, o que é mais importante fazer?

Primeiro, é preciso falar da enorme responsabilidade que é suceder uma figura genial como o Paul Singer. Tenho uma verdadeira reverência ao trabalho dele. Depois é reconhecer que, apesar das dificuldades, as sementes foram lançadas e frutificaram. Estou impressionado como, andando em qualquer canto do país, você vê pulverizadas as iniciativas da economia solidária, as mais diversas formas de cooperativa, enfim.

Essa retomada pretende dar um salto no sentido de tirar a economia solidária de ser um nicho dentro do governo para se tornar uma política pública efetiva. Para isso, o governo precisa investir, se ocupar com o financiamento da economia solidária, com a disponibilidade de recursos e gente para fazer um trabalho de assistência, organização e formação. Criar e ampliar as redes das diversas iniciativas.

Estou, assim como o Paul Singer, muito entusiasmado, porque a realidade está mostrando para a gente o quanto é fecundo esse caminho. Sem ilusão de que isso vá, por si só, quebrar o capitalismo, mas eu diria que é uma forma importante de antecipar valores do socialismo, como forma de reeducação.

Hoje (4/2) uma das manchetes do site UOL era algo como "Lula está mais à esquerda neste governo que no passado". O senhor, que conhece bem Lula e está perto dele, diria que isso é verdade? Ele está mais à esquerda, mais radical?

Acho divertidas essas qualificações, porque o Lula está onde sempre esteve. O que o Lula não quer fazer é faltar com os compromissos essenciais que ele fez: a questão da fome, devolver direito aos trabalhadores, retomar o crescimento do país com distribuição de renda. Se o capital está mais sensível hoje, está mais preocupado hoje pela financeirização, por tudo que está acontecendo, se a conjuntura é diferente, isso é uma reação do capital.

Eu quero insistir nisso, o Lula não está mais à esquerda, está onde sempre esteve, que é a defesa dos interesses do povo, e ele foi eleito para isso. Ele sabe que não pode falsear, que não pode faltar com aqueles que depositaram nele a confiança, que é a maioria do povo brasileiro.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Lia Bianchini