Corpo e movimento

Como o ensino do balé se tornou uma política de Estado em Cuba?

Ilha caribenha se destaca na expressão artística pelo mundo e preserva suas raízes culturais ao mesmo tempo

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Treinamento de balé em Havana, Cuba - Yamil Lage / AFP
Tudo vem do povo. Toda arte deve ter raízes, e de fato tem. Se você cortar essas raízes, ela murcha

A Escola Nacional de Balé Fernando Alonso, em Havana, está entre as melhores do mundo e se destaca também por estar profundamente enraizada na cultura de Cuba. Longe de ser uma atividade elitista e exclusiva dos setores sociais privilegiados, o balé cubano é parte da cultura e história popular.

A sorveteria mais famosa da ilha, local visitado por muitos turistas, leva o nome de uma das obras mais importantes do balé: Coppélia. Os teatros são lotados, temporada após temporada, com as apresentações das diversas academias de dança. E mesmo nos bairros da classe trabalhadora, as pessoas são ensinadas a dançar.

"O balé clássico vem do folclore, das cortes da Espanha e da França. Aqui em Cuba, através da minha família, somamos os novos descobrimentos no atletismo. A maneira de desenvolver mais técnica, mais controle no corpo. Mas também foram incluídas técnicas de dança das culturas negras da ilha", diz Laura Alonso, mestre de balé, professora e criadora do ProDanza.

Com um sobrenome inconfundível, Laura é filha da bailarina Alicia Alonso e do bailarino Fernando Alonso, fundadores do Balé Nacional de Cuba. Fiel a esta tradição, hoje Laura Alonso dedica-se ao ensino do balé às novas gerações.

"Tudo vem do povo. Toda arte deve ter raízes, e de fato tem. Se você cortar essas raízes, ela murcha. Se você a tira do povo, ela se perde. Ela deve ser mantida. Vamos aos lugares, aos locais de trabalho e ensinamos o que fazemos", continua Laura e pergunta: " Há quantos anos a revolução está ocorrendo? Quantos anos você acha que estamos ensinando, indo aos lugares de estudo e trabalho?"

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Embora a história do balé em Cuba remonte aos anos 1930, foi com o triunfo da Revolução que a família Alonso teve o impulso de difundi-la maciçamente por toda a ilha. Após uma brilhante carreira no exterior, mas também um corajoso confronto contra a ditadura Batista, a família Alonso voltou a Cuba com o triunfo da revolução. Em 1959, Fidel Castro contatou Alicia Alonso para formar o que viria a ser o Balé Nacional de Cuba.

"Em Sierra Maestra combateu um médico ortopédico, amigo de minha família, chamado Martínez Páez. Foi ele quem explicou a Fidel sobre o trabalho que minha família vinha fazendo na criação de uma companhia de balé. Uma noite, quando eu era pequena, me esgueirei até a cozinha para roubar um doce da geladeira - agora eu posso contar isso, porque o roubo desse doce é um crime que já está prescrito. Enquanto eu estava na cozinha, alguém bateu na porta. Ao abri-la, vejo um homem muito alto parado ali e ele me pergunta se minha mãe se encontra ali. Eu respondi com um gesto que eu não estava, ao qual ele me perguntou novamente se meu pai estava lá. Eu disse que sim e corri para o quarto dele".

Laura recorda e acrescenta, "naquela noite meu pai se lembra que conversou por muitas horas com Fidel Castro. Quando ele estava prestes a partir, Fidel olhou para ele e perguntou-lhe quanto dinheiro precisava para fundar uma companhia de dança. Meu pai lhe deu uma cifra e Fidel respondeu com um sorriso: 'Vou lhe dar o dobro disso, mas você tem que fazer a melhor companhia de dança do mundo'".

Evento internacional

Com a participação de 14 países, Havana foi a sede do 28º Encontro Internacional de Academias para o Ensino do Balé. Um dos mais importantes e prestigiados encontros pedagógicos de dança que, nesta edição, reuniu mais de 300 participantes. Com jovens bailarinos de 5 anos de idade a jovens adultos, esta edição foi realizada em abril passado, após várias apresentações e competições no Teatro Nacional José Martí. O evento celebrou o balé cubano e sua interação com a cultura popular da ilha.

"A Escola Nacional de Balé Fernando Alonso organiza esta atividade todos os anos. Este ano, estamos celebrando o 28º encontro, onde estudantes, professores, bailarinos e especialistas se encontram e participam de conferências, oficinas e aulas. É um encontro fraterno com o objetivo de dar a conhecer o que está sendo feito no mundo relacionado com o ensino do balé. Um encontro muito didático", diz a diretora da Escola Nacional Fernando Alonso, Marisol Hernández Méndez, ao Brasil de Fato.

Composto por importantes figuras internacionais, o júri deste ano inclui Viengsay Valdés, diretor geral e primeira-bailarina do Balé Nacional de Cuba; a brasileira Michele Bittencourt, tutora oficial da Técnica Progressing Balé na América Latina; o venezuelano Carlos Paolillo, crítico de arte; a cubana Rosario Cárdenas, do Conselho Internacional de Dança; o professor e coreógrafo mexicano Eglé Mendiburu; o bailarino e professor sul-africano Dirk Badenhorst, entre outros. Eles serão responsáveis pela premiação dos diversos participantes das competições.

Na abertura, com uma voz trêmula que continha sua emoção, a vice-diretora da Escola Nacional de Balé Fernando Alonso, Martha Iris Fernández, disse: "A artista, diz Alicia, e não há necessidade de um sobrenome, é como uma árvore que precisa ser nutrida pela terra. Absorvendo dela todos os seus nutrientes para crescer e se fortalecer. Só assim podem nascer dele frutos saudáveis. Este é o segredo do Balé Nacional de Cuba e da Escola de Balé Cubano. Em suas raízes profundamente enraizadas nesta terra, esta ilha jacaré do Caribe".


Apresentação de Balé em Havana, Cuba / Yamil Lage / AFP

Além disso, Fernández destacou que o evento deste ano foi dedicado "ao 75º Aniversário do Balé Nacional de Cuba e seus fundadores: Alicia Alonso, Fernando Alonso, Alberto Alonso e Chery, a seus continuadores, às quatro joias, a seu público e à Escola Nacional de Balé Fernando Alonso".

Entre a plateia, dezenas de crianças aguardaram por sua vez de subir ao palco e mostrar suas peças. Entre elas, crianças de todos os cantos do país que viajaram até a capital para participar do evento.

"Aqui o ensino em um sentido geral é gratuito. Inclui todo o material técnico necessário, como instrumentos musicais, acessórios de pintura e trajes de dança. Apesar das dificuldades que temos, o Estado cobre tudo para que os alunos possam aprender diferentes disciplinas artísticas", diz Ana Margarita González, professora de música da Escola Fernando Alonso.

Edição: Thales Schmidt e Daniel Lamir