Rio Grande do Sul

OPINIÃO

As mulheres e a megamineração no Rio Grande do Sul

Organização do 8M - Greve Internacional de Mulheres Porto Alegre relata diálogo com mulheres atingidas pela Mina Guaíba

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Segunda parte do artigo que mostra a organização das mulheres frente à instalação da mina de carvão na Região Metropolitana de Porto Alegre - Foto: Igor Spetorro

A produção de carvão no RS e os novos projetos de mineração

No Brasil, a mineração se situa principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste. A estratégia de assumir uma economia baseada em commodities – agropecuária e minérios – tem tido impactos sociais e ambientais alarmantes, principalmente, a partir do atual governo, onde a invasão de terras indígenas se alia ao genocídio e à destruição da floresta.

No Rio Grande do Sul, a mineração assume atualmente um lugar pouco relevante com relação aos demais estados brasileiros, ainda que as reservas de carvão mais significativas estejam situadas no RS e em Santa Catarina. Entretanto, desde o governo Sartori, está em gestação o projeto de implantação de mais quatro minas no Estado.

A Mina Guaíba, que é focada nesse artigo, é um projeto da Copelmi, empresa proprietária da mina de Candiota, com investimento chinês e norte-americano, que pretende extrair carvão mineral, areia e cascalho de uma área junto ao Rio Jacuí.

:: Confira aqui a primeira parte deste artigo ::

A Resistência das populações atingidas pela Mina Guaíba

A análise do projeto por técnicos das mais diversas áreas e vinculados ao meio acadêmico e inúmeros movimentos sociais trouxe à tona inúmeros riscos envolvidos no mesmo: rebaixamento de lençol freático e poluição de suas águas, assim como da bacia do Jacuí, para onde os rejeitos seriam direcionados; derrubada de matas nativas; destruição do habitat de inúmeras espécies silvestres; poluição atmosférica e dispersão de micropartículas; alteração da área de alagados em torno do Guaíba, essencial para o equilíbrio das cheias na região; redução da atual área de cultivo de arroz orgânicos da região; e retirada e ou desagregação de comunidades inteiras - área indígena, condomínio popular e assentamento da Reforma Agrária.

Os assentamentos da Reforma Agrária, como o Apolônio de Carvalho, situado em Eldorado do Sul, organizam o beneficiamento e escoamento de sua produção por meio de cooperativas. Este, em particular, compõe uma espécie de complexo do arroz orgânico, constituído pelos assentados, na articulação entre os assentamentos presentes à Região Metropolitana de Porto Alegre. Juntos, têm – ano a ano – colocado o Rio Grande do Sul no lugar de maior produtor de arroz orgânico da América Latina.

Em contrapartida, na busca por constituir uma narrativa pública que justifique o propósito de retirada do assentamento para implantação da maior mina de carvão a céu aberto da América Latina, a Copelmi tem feito um movimento deliberado de geração de desgastes políticos e econômicos do Apolônio de Carvalho. Desde 2014, eles têm trabalhado uma via de divisão interna do assentamento, pela qual buscam cooptar parte dos assentados, com propostas de vantagens econômicas, mas, principalmente, pela afirmação, por um lado, de que o processo é irreversível e de que é melhor eles apoiarem a implantação da mina e, por outro, de que o reassentamento será realizado em um local melhor. Conforme algumas das assentadas nos relataram em entrevista, a incidência de representantes da mineradora já geraram situações bastante delicadas:

“Eles botaram na cabeça desses que são a favor da mina, de plantar o arroz convencional. Quando chegaram no Incra, tem um documento que aqui só pode plantar orgânico. E agora eles não tem a colheita deles para este ano, eles estão apavorados E aí, o que aconteceu? E hoje tem pai com cinco, seis, sete filhos, que não vai ter aquele dinheirinho da colheita e tá trabalhando e passando tudo quanto é dificuldade.”

As mulheres preocupam-se ainda com outro resultado possível desta interferência:

“O assentamento que cultivava 500 hectares de arroz orgânico, este ano vai cultivar menos. E isso aí o que é? É ponto para a mineradora. Porque aí eles vão dizer o quê? Eles vão dizer ‘quando que plantam 500 hectares de arroz aqui, onde é que tá, se estão plantando só cento e poucos?’”

Elas percebem que parte da dificuldade que enfrentam na ampliação de seus ganhos vem do interesse econômico que a mineração tem no local. O escoamento de sua produção, por exemplo, é dificultado pela péssima infraestrutura local, como chama a atenção uma das participantes da roda:

“Não colocar uma estrada boa, não dar acesso para as pessoas saírem com seus produtos, não dar infraestrutura para os agricultores, para eles não acharem que é ruim. Quanto mais a gente achar que é ruim aqui, quanto mais a gente quiser sair, menos eles querem pagar, menos valorizado.”

Mas ela arremata: “Aí eles dizem ‘vocês vão para um lugar melhor’. Mas quem disse que não é melhor a minha casa?”

Esta pergunta, aparentemente ingênua, marca o ponto entre a dimensão do cuidado, já referido, como o papel social estruturalmente atribuído a mulheres pode assumir outro caráter e contribuir para repensar nossa relação com a economia e as condições de produção e reprodução. Isto porque, no caso delas, quando falam em “casa” estão se referindo a algo bem mais amplo do que o teto que cobre a família. Trata-se da convivência em uma comunidade que permite uma experiência de liberdade que está distante da realidade de nossas cidades. Como elas afirmam, “as crianças correm soltas” e todas cuidam de todas e, ainda, há uma aproximação do que poderíamos chamar de soberania alimentar:

“O alimento para casa, a maioria é produzido no assentamento.”; “Eu tenho uma horta onde eu planto mandioca, verdura também, (crio) porco, um terneiro para carne. Então tudo isso é tirado daqui né, tenho também uma vaquinha de leite, de onde vem meu leitinho.”; “Hoje se vocês for ali na minha casa eu tenho fruta, eu não compro porque eu produzo dos meus pés de frutas, onde eu plantei; horta, eu tenho a minha, de onde eu tiro a minha salada.”

Este é um dos aspectos em que a mineração mais fortemente atinge às comunidades. Segundo o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE):

“São muitos os exemplos de economias que deixaram de ter a agricultura e a pecuária como bases a partir da instalação de empreendimentos minerários, perdendo assim as formas de vida e de relações não monetárias e não mercadológicas, tais como a troca, entre vizinhas, de legumes e verduras produzidos na horta caseira, e sofrendo com a crescente subordinação de todas as esferas do viver à lógica de mercado e da propriedade.”

Neste caso, por se tratar de área de produção orgânica, a ameaça não se restringe às mais de 400 pessoas que vivem nos 72 lotes da Reforma Agrária que compõem o Apolônio de Carvalho. A população de Porto Alegre, que se abastece de sua produção, também será atingida. Como dito anteriormente, existe a possibilidade de que a empresa comece a minerar com as famílias ainda ali. Mesmo neste caso, para além dos outros riscos já citados, haverá também a interrupção das atividades econômicas, pois, como elas lembram;

“É uma coisa que afeta o psicológico. Como eles dizem, a ideia deles é minerar com nós aqui a 2 km. Eles dizem ‘vocês podem continuar plantando’, mas como é que a gente vai continuar plantando e vai colher um orgânico com aquela fuligem da fumaça? Tu pega um pé de alface, tem tipo uma cinza, não existe orgânico, não vai existir orgânico.”

Para nós, que vivemos na Região e contamos com o esforço destas famílias na produção de alimentos de qualidade, como nos mobilizaremos para exigir que o governo volte atrás na disposição de autorizar este desastre econômico, social e ambiental que se projeta?

:: Confira aqui a primeira parte deste artigo ::

 

* Clarisse Chiappini Castilhos e Zadi Zaro são da organização do 8M-Greve Internacional de Mulheres Porto Alegre

Edição: Marcelo Ferreira