Rio Grande do Sul

SAÚDE

“Nada de pânico, mas nada de negação”, diz médico sobre o coronavírus

Dr. Ronald Wolff fala sobre os interesses por trás do pânico gerado pela doença e dá dicas de prevenção

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Ronald Wolff
"Vivemos num mundo onde o melhor remédio para as pessoas não terem doença é dois ou três pratos de arroz e feijão por dia, e não amoxicilina três vezes por dia" - Sheyden AfroIndígena

Nesta semana, o Rio Grande do Sul registrou os primeiros casos do coronavírus. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a doença provocada pelo COVID-19 como uma pandemia. Já na China, epicentro da doença, o governo anunciou que o pico acabou e os novos casos estão em queda.

Médico do Pronto Atendimento na Lomba do Pinheiro, zona leste de Porto Alegre, e assessor de movimentos como o dos Pequenos Agricultores (MPA) e dos Sem Terra (MST), Dr. Ronald Wolff conversou com a Rede Soberania sobre o coronavírus. Ele traz dicas de prevenção e, ao mesmo tempo, fala sobre os interesses econômicos por trás de casos como esse e sobre outros problemas de saúde pública que são muito mais fatais, mas não ganham a mesma atenção por parte de mídia e do governo.

Apesar de exigir cuidados como atenção redobrada com a higiene pessoal e ao frequentar locais de grande aglomeração de pessoas, há um certo pânico relacionado à doença que acaba fazendo com que a sociedade esqueça de problemas mais graves, como a dengue, que segue adoecendo pessoas, principalmente nas periferias das cidades. “Então, nada de pânico, mas nada de negação. Vamos tomar os cuidados que sempre tomamos para não pegar gripe”, aponta o médico.

Confira a entrevista:

Rede Soberania: O que é o coronavírus?

Dr. Ronald: O corona é um vírus que se tornou uma epidemia e depois uma pandemia, por todos os continentes. Foi identificado primeiramente na China e depois se espalhou em vários países. É um vírus que produz sintomas muito parecidos com os sintomas da gripe e do resfriado. Produz tosse seca, febre, dor no corpo, dor de cabeça, a coriza (nariz correndo). Se a gente não tivesse tido notícias do coronavírus, as pessoas contaminadas seriam diagnosticadas com resfriado. Estão sendo tomadas várias medidas nos países para conter essa disseminação, mas com relação à situação mundial que temos, existe muito mais um pânico do que uma realidade.

RS: Qual a diferença da gripe comum para o coronavírus?

Dr. Ronald: São praticamente iguais, o que muda é o código genético. Eu já vi geneticistas renomados dizendo que é uma variante do vírus da gripe, outros dizendo que não. O estudo do vírus não é tão simples, ele não é como outros seres que tem DNA, com fita dupla em seu código, ele tem uma fita única. Então não tem DNA, mas RNA, isso mais na biologia molecular. Mas é um vírus que produz efeitos semelhantes ao da gripe.

A contaminação também se dá igual à gripe, com transmissão pelo ar e pelo toque. Então, todos aqueles cuidados que foram indicados para o H1N1 devem ser tomados em relação ao coronavírus, assim como para a gripe comum. Pode matar? Claro que pode. Mas a gente tem que deixar claro que precisamos tomar os cuidados porque é ruim ter qualquer virose ou gripe. Mas não vejo motivo para pânico, por enquanto, assim como foi nos anos anteriores com o H1N1, quando alguns pensavam que morreriam milhões de pessoas, mas pouquíssimos casos causaram um dano maior.

RS: Quantas pessoas morrem de gripe comum atualmente no Brasil?

Dr. Ronald: Esse é um dado importante que faz com que a gente se pergunte: porque se cria toda essa celeuma em cima de um surto ou epidemia, como foi também com o H1N1? Me lembro que, no começo, o H1N1 havia causado sete mortes e saiu no Jornal Nacional e em todas as redes. Mas a gripe comum mata em torno de 70 mil pessoas por ano no Brasil. Aí morreram sete e teve toda essa exposição. Qual o interesse por trás dessa divulgação com tanta intensidade, primeiro em relação aos perigos da gripe suína, que depois foi renomeada para H1N1. Antes ainda, havia tido a gripe aviária. Agora temos o coronavírus.

As pessoas têm que ter, em relação ao coronavírus, a mesma atitude que tiveram com o H1N1 e com as gripes: cuidados com a higiene e atenção para não estar em lugares fechados com muita gente. Também não ir correndo para os serviços de saúde por sintomas gripais comuns. Eu trabalho na emergência e, as vezes, o saguão está cheio, com pessoas tossindo ali. Quem não tinha alguma coisa pode sair com algo, então tem que cuidar aglomerações.

A gente não gera o pânico, mas não podemos deixar de ter os cuidados necessários para conter a disseminação do vírus e proteger as pessoas que têm a imunidade mais baixa. Algumas pessoas têm uma suscetibilidade maior ao vírus: idosos, crianças pequenas, pessoas que fazem tratamento para um tipo de câncer, pessoas que tem HIV, algumas pessoas cardiopatas (que sofrem de doenças do coração). Nós temos que cuidar para não estar circulante para essas pessoas estarem protegidas também.

Essa difusão é tão forte que as pessoas esqueceram a dengue, por exemplo, que há pouco tempo era um pavor. Nós estamos em alerta laranja para a dengue, em uma situação de vigilância epidemiológica gravíssima, e não se fala mais nisso porque não é a bola da vez. Quem decide isso? Quem orienta qual é o pavor que a população tem que passar agora? A dengue é pior que o coronavírus, e agora as pessoas estão aí com pavor do coronavírus e não estão mais preocupadas com cuidados como verificar se tem água parada nos pneus, em locais que podem acumular água nas suas casas. Não se fala mais na dengue, mas ela está presente em muitas comunidades de Porto Alegre. Em muitos bairros existe o mosquito Aedes aegypti contaminando pessoas. É isso que faz com que a gente tenha essa visão crítica da situação e se pergunte: por que não se fala mais em dengue?

RS: Quais os interesses por trás disso?

Dr. Ronald: O coronavírus deu gripe na bolsa de valores, assim como outras tantas doenças que movimentam trilhões de dólares. A bolsa de valores mexe com interesses. Eu sempre gosto de citar o economista Eduardo Moreira, que precisa ser ouvido para entender porque tem pobre e rico, porque tem profissões consideradas mais bonitas e outras não. Ele coloca de forma metafórica a questão da queda na bolsa de valores, relacionando com crianças brincando na areia num parquinho. Elas brincam no lugar e a areia começa a espalhar, até que não tem mais aquele montinho. Aí vem o pessoal responsável por manter o parque em ordem e coloca areia novamente no local. Essa areia criou esse monte no parque, mas deixou um buraco em outro lugar.

Toda a vez que alguém ganha, alguém perde. Então as pessoas as vezes pensam: como o governo é bom porque subiu a bolsa de valores. Mas isso só significa que os ricos ganharam dinheiro. Eu não me importo muito quando a bolsa cai porque, as vezes, quando os ricos perdem dinheiro, dificilmente vai para a mão dos pobres. Na verdade, são outros ricos ganhando. Essa briga da bolsa é um critério para decidir a qualidade de vida do 1% da população que é bilionária, que muito mais atrapalha o mundo do que ajuda. São menos de duas mil pessoas no mundo que concentram uma renda gigantesca, que resolveria todos os problemas não do Brasil, mas do mundo.

Me deixa preocupado porque essas duas mil pessoas definem, por exemplo, que doença vai ter em tal continente, para onde vai se deslocar a mão de obra em tal ano nos continentes. Então é isso, no fim o coronavírus vai fazer mal para quem está mal, porque a gente tem a capacidade de excluir aquele que já é excluído. As vezes, como vigilância epidemiológica, como sistema da saúde, ficamos mais preocupados com as doenças de pessoas que têm mais condições de resolver seus problemas. É muito sério isso, porque nós vivemos num mundo onde o melhor remédio para as pessoas não terem doença é dois ou três pratos de arroz e feijão por dia, e não amoxicilina três vezes por dia.

Estamos num mundo em que vai fazer muito melhor se as pessoas conversarem, se informarem, se andarem de bicicleta, do que ficarem na frente da televisão e das redes sociais o dia inteiro. Isso é uma estratégia muito grande da mídia internacional, de manter todos presos numa mídia e isolados dos outros. Isso as torna reféns com mais facilidade. Estamos nos tornando cada vez mais reféns daquilo que alguém quer que a gente assuma como verdade. E verdade, como dizia Foucault, é um conjunto de procedimentos gerados por um jogo. Então, existiram ideias que disputaram em um dado momento e um dado lugar, e uma dessas “verdades” venceu. Por isso que a gente tem, na sociedade, coisas de antigamente que hoje parecem tolas.

Temos que ter muito cuidado com essas verdades, enquanto outras coisas são esquecidas. Por exemplo, a cada 15 minutos uma mulher é agredida no Brasil. Temos uma mortalidade de mulheres no país que nenhum desses vírus conseguiu suplantar até hoje e ninguém está fazendo campanha ou rede de vigilância para proteger as mulheres. Só das próprias mulheres, que se organizam e precisam lutar para resolver os seus problemas, já que quando se fala em políticas para as mulheres, se diz: “não vamos gastar muito com isso”. Por isso morrem muito mais mulheres do que por doenças, mas isso não é tido como uma das causas de morte contra as quais o governo deveria implementar políticas públicas para evitar, assim como se faz política pública contra o coronavírus, o H1N1, acidentes de trânsito.

Eu vejo duas áreas em que não se produz política pública por interesse: a violência contra a mulher e o uso de medicamentos. O uso de medicamento também produz doença e morte, é a terceira causa de mortalidade no Brasil e em vários países, e isso não é atacado por política de saúde.

RS: Explica melhor isso. Como é que os remédios estão matando muita gente?

Dr. Ronald: Nos anos 2000, nos Estados Unidos, foi feita uma pesquisa sobre isso. Nesse ano, houve 102 mil mortes e 2,6 milhões de internações graves em que a causa da doença é o consumo de medicamento, prescrito, ou não, por um médico. Quanto custaram essas internações? E nada foi cobrado da indústria farmacêutica.

No Brasil é a mesma coisa. A indústria farmacêutica pauta muito os governos. Na época do H1N1, por exemplo, o governo tinha que ter o Tamiflu no SUS. Mas os estudos para verificar os benefícios do Tamiflu tiveram que ser interrompidos no segundo estágio, porque estava matando mais que a própria H1N1. Na época, tiveram campanhas e abaixo-assinados das pessoas exigindo que o governo tivesse o Tamiflu. Com isso o governo fica refém da indústria farmacêutica.

Se as pessoas morrem por uso do Tamiflu, isso não é noticiado. Agora, imagina se uma pessoa morre de H1N1 numa cidade onde o prefeito se recusou a comprar o medicamento por saber isso. Imagina o que aconteceria com esse prefeito. Na outra eleição ele certamente vai estar rejeitado, isso se não for criminalizado.

Hoje, no Brasil, as pessoas que dirigiram os institutos de pesquisa vão sendo tiradas, os ministérios vão sendo desmontados de pessoas capazes de abordar essa situação com mais embasamento científico. E aí a gente vê o número de asneiras que têm sido ditas por pessoas com um cargo nacional ou estadual importante. Se consumem bilhões para a ciência avançar um milímetro por ano. A tuberculose, hoje, tem cura, mas se morria no início do século 20. Foi a ciência que fez isso e não a boa vontade de alguém. E hoje a ciência está sendo negada e estão tirando as pessoas que têm capacidade de gerar ciência no Brasil. Daí voltamos a ter doenças medievais. Já tivemos surto de cólera, retorno do sarampo, tudo isso como consequência do obscurantismo da compreensão das coisas.

RS: Então temos que parar de vacinar?

Dr. Ronald: Não. A vacina faz parte da ciência. A gente está chegando num momento bem próximo em que teremos uma vacina contra o coronavírus. A vacina contra gripe para idosos evita que se morra por gripe comum ou outras gripes. Nós estamos compreendendo a ciência como benéfica e os medicamentos dentro disso. Os medicamentos fazem bem para saúde quando ele é indicado para aquela situação, na dose certa e com menor custo possível para a sociedade e para o cidadão. Quando bem prescrito, o medicamento é um aliado da saúde.

Agora, a automedicação ou a população sendo convencida de tomar medicamento pela indústria farmacêutica, isso nós não somos aliados. Inclusive, o Brasil é um país de quinto mundo por permitir propaganda de remédios na televisão. Em países sérios, é proibido propaganda de medicamento na televisão, assim como é de cigarro e de álcool. No Brasil, antes, tinha de cigarro e álcool.

O medicamento tem que ser prescrito por um médico e não pela propaganda no horário da novela. Meu conselho, inclusive, é que se saia da frente da televisão e vá conversar com o vizinho, com um amigo. As vezes temos uma situação em que um adolescente tem problemas com drogas e um pai se pergunta: “o que eu fiz para merecer essa situação?” A gente pode devolver a pergunta dizendo: “o que tu não fez?” A gente entende que os pais chegam cansados do trabalho e querem relaxar, mas a criança ficou o dia inteiro sem os pais, ela quer o pai e a mãe. Vamos dar atenção, porque a gente se acostumou a chegar do trabalho e ligar a televisão, mas a gente pode se acostumar a fazer como era antigamente. Chega em casa, beija e abraça o filho, pergunta como foi o colégio, abre o caderno e vê se tem tema para ele fazer. A criança gosta de ter os pais preocupados com ela. A criança não pode ser secundarizada por conta de uma novela ou mesmo de um programa jornalístico.

Tem uma parábola que eu lembro sempre. A criança pergunta para o pai quanto ele ganha por hora e ele diz que é cerca de R$ 100,00. Ela começa a juntar um dinheiro aqui, outro ali, e quando junta os cem, dá ao pai e pede para ele então ficar uma hora com ela. É uma parábola simples e que causa um sentimento profundo em quem a escuta.

Quando estamos espertos e comunicativos, a gente não se assusta com o coronavírus. A gente vai querer saber o que está por trás de tanta notícia, se eu estou vendo todo o dia o pavor na TV e não vi até agora ninguém com a doença. Nem eu que sou médico vi. Enquanto isso, duas mil crianças morrem de frio e de fome por hora no mundo.

RS: Como saber se alguém está com o vírus?

Dr. Ronald: São três situações que fazem com que a gente defina um caso como suspeito de coronavírus. Já falamos de febre, dor de cabeça, tosse seca e dor no corpo. Na primeira situação, a suspeita se dá se a pessoa apresenta febre e mais um desses outros sinais, somado ao contato com alguém que esteja com suspeita. Outro caso é se a pessoa tem febre, um dos sinais é ter viajado para países como Alemanha, Itália, China, Camboja, Irã, Coreia do Sul e do Norte e todos os outros países que estão no mapa de maiores números de casos no mundo. Ou ainda, ter um dos sinais citados, mesmo sem febre, mas ter tido contato com alguém que tenha um caso confirmado. São esses os casos suspeitos que serão investigados.

RS: O que determina se a pessoa teve contato?

Dr. Ronald: Quando se esteve a menos de dois metros de uma pessoa com suspeita ou com caso confirmado, ou se esteve junto dentro de uma sala fechada. Se teve aperto de mão, abraço, beijo. As vezes a gente recebe uma pessoa no aeroporto e dá um abraço, um beijo, por exemplo.

Então nada de pânico, mas nada de negação. Vamos tomar os cuidados que sempre tomamos para não pegar gripe. Cuidar quando entra em sala de aula, num posto de saúde, em locais públicos, quando se entra num local e se coloca a mão na maçaneta, onde muitas pessoas colocaram a mão. O cuidado não é só com o coronavírus, mas com outras tantas. Se botou a mão na maçaneta, quando dá uma coceirinha no olho, não coça com a mão. Nem leva a mão ao nariz e ou boca.

Não precisamos do coronavírus para a gente saber que precisa lavar as mãos, que quando se chega em casa, não devemos nos atirar em cima da cama com a roupa que veio de rua. Para a gurizada que veio da escola e sentou no chão, não tem nada de errado em sentar no chão, mas para se atirar na cama, antes toma um banho e bota uma roupa limpinha.

Só deve ir ao serviço de saúde se tiver com esses sintomas, ou ainda se tiver falta de ar, febre que não ceda com medicamento, sem energia. Daí sim, põe uma máscara e vai no serviço de saúde. Se essa pessoa for diagnosticada, vai ser tratada e isolada.

* Com informações da Rede Soberania

Edição: Katia Marko