Rio Grande do Sul

UNIVERSIDADE

Resultado da eleição para reitoria da UFRGS aprofunda debate sobre paridade

Com 4.264 votos a menos que oposição, chapa da atual gestão venceu a consulta à comunidade para a gestão 2020-2024

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Entidades dos trabalhadores e estudantis trazem suas posições a respeito da eleição - Reprodução

Por conta da pandemia, pela primeira vez a consulta à comunidade acadêmica para a Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi realizada por meio virtual. A apuração dos votos foi realizada na noite desta segunda-feira (13), logo após o período de votação, com vitória da chapa dos atuais reitor e vice-reitora, Rui Oppermann e Jane Tutikian.

Foram recebidos 15.725 votos – mais que o dobro de votantes da consulta de 2016 –, sendo 2.605 votos de professores, 1.828 de técnicos administrativos e 11.292 de estudantes. O resultado ainda precisa do referendo Conselho Universitário, cuja reunião ocorrerá dia 17 de julho.

Mesmo que a maioria dos votos de técnicos e estudantes tenha sido para a chapa 3, o resultado da consulta deu vitória para a chapa 2, da gestão atual. A explicação para isso está na forma como a escolha é feita. O voto dos docentes tem peso de 70%, enquanto o dos técnicos administrativos tem 15%, assim como o dos estudantes.

No início do processo eleitoral, conforme reportagem do Brasil de Fato RS, entidades representativas dos trabalhadores e estudantes haviam se posicionado a respeito da paridade na consulta para a reitoria. Com o resultado, a reportagem procurou as entidades. A maioria reforçou a necessidade da paridade.

Para a coordenadora-geral do DCE da UFRGS, Tirza Gabriela Drumond Ferreira, é um absurdo não ter como modificar a forma de escolha, o que reforça um projeto de universidade que não se baseia e não se preocupa com o estudante e com o técnico. Apesar de reconhecer que o debate sobre a paridade foi feito, em sua avaliação ele foi legalista, citando o exemplo da posição da Adufrgs. “Eles foram contrários à paridade e a favor da manutenção do 70 15 15. Um debate totalmente legalista, super-recuado do que quer dizer a defesa da universidade pública, porque entendem que quem vai defender as universidades vão ser as mesmas leis que nos matam e nos impedem de avançar. Leis criadas para atacar tudo e qualquer movimentação vindo de baixo para cima. Uma estrutura que cala a gente, tanto que a gente não conseguiu passar a paridade nos conselhos”, destaca.

Para ela o resultado reflete a estrutura da universidade, constituída historicamente pelas classes dominantes. Segundo explica, para o peso dos estudantes e dos técnicos ter de fato os 15%,  todos os estudantes e técnicos teriam que ter participado, cerca 40 mil pessoas. “Nem isso a gente teve, um voto de um docente equivale a 63 votos de estudantes, é muito absurdo”.

Tirza recorda que esse processo é uma consulta da comunidade acadêmica, não é nem uma decisão em si, porque quem decide de fato é o governo federal. “Acho que o Bolsonaro vai colocar o Rui Oppermann porque tanto ele quanto a chapa 1 têm um projeto parecido, um projeto mercantil de universidade, que ignora os estudantes. Temos essa luta pela frente, não deixar Bolsonaro tocar na nossa universidade e conseguir demonstrar as contradições da falta de paridade. A concepção que a gente tem enquanto DCE é que a única coisa que vai defender a universidade é o movimento estudantil e o movimento social. Não vão ser leis porque essas leis são bastante flexíveis, podem ser modificadas por um fascista como Bolsonaro, são estruturas burguesas que não são da classe trabalhadora e nem estão a serviço da classe trabalhadora”.

Na avaliação de Vanessa Dias, coordenadora geral da Associação de Pós-Graduandos da UFRGS (APG-UFRGS) e integrante do Movimento por uma Universidade Popular (MUP), o resultado da consulta para reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul é reflexo do processo malabarista da atual gestão. “A paridade é uma pauta histórica do movimento estudantil. A APG-UFRGS tem uma longa construção no debate sobre a importância da paridade no Ensino Superior. Este debate vem sendo alavancado pela entidade há pelo menos dez anos, mas, até o momento, a UFRGS se mantém atrasada e conservadora nesse aspecto. Essa forma de votação onde professores tem um peso maior (70%) que técnicos administrativos e estudantes (15%) é organizada nas universidades desde o período da Ditadura Civil Militar, atualmente, cerca de 60% das IFES já adotam esse modelo de consulta de forma paritária”, afirma.

Não bastasse o voto desproporcional para estudantes e técnicos administrativos, assim como Tirza, Vanessa ressalta que o fato mais agravante foi a implementação pela reitoria, também na última sessão do Conselho Universitário, do "fator redutor" que reduz o peso de voto dos estudantes de acordo com a participação do corpo discente.

“Nas eleições de 2016 e as eleições que se encerram no dia de ontem comprovam que não há processos democráticos na UFRGS, não deveria ser normal a chapa mais votada na história da Universidade não ser eleita, mas é isto que ocorre quando não há processos paritários. A Chapa 2 venceu a consulta à comunidade acadêmica para a reitoria na Gestão 2020/2024 com 4 mil votos a menos do que a Chapa 3, que ficou em 2° lugar, sendo que deste votos, mais de 11 mil votos foram dos estudantes, uma votação histórica! Diante dos dados eleitorais, cabe problematizarmos: quem tem medo da democracia? Quem tem medo da paridade? A quem tem servido a atual lógica de consulta? Porque este sistema eleitoral dá mais poder ao voto dos professores?”, questiona

Ao comentar o resultado da eleição, a presidenta do ANDES/UFRGS, Rúbia Vogt, afirma que a entidade continua a defender a paridade como um princípio. “Pensamos que o procedimento de lista tríplice deve ser revisto, pois defendemos que a escolha de dirigentes se encerre dentro da própria instituição, e não no MEC. Nesse sentido, nos opomos às intervenções, às nomeações de reitores que não foram os escolhidos em primeiro lugar pela comunidade universitária. Na UFRGS, dois segmentos, o dos técnicos e dos discentes, têm menor peso do que os docentes, que levam 70% tanto na consulta à comunidade, quanto na eleição, que ocorre no Conselho Universitário. Precisamos avançar na democracia interna, que fortalece a democracia como um todo”, ressalta.

Por sua vez, o presidente do Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul (Adufrgs-Sindical), Lúcio Adufrgs, destacou a grande participação da comunidade no processo. “Quase 90% dos professores votaram. Outro aspecto relevante foi o elevado nível da campanha e o comprometimento dos candidatos com a defesa da universidade pública”.

Sobre a discussão acerca da composição do colégio eleitoral e o peso percentual de cada segmento da comunidade acadêmica, explica que a Adufrgs-Sindical, ao final do ano passado, preocupada com a política que vinha sendo promovida pelo MEC em relação aos processos de escolha dos reitores, promoveu um debate amplo entre os professores e realizou na sequência, consulta sobre a posição dos associados quanto ao peso dos votos. Participaram da votação 744 professores, sendo que 75,7% votaram por manter a atual proporcionalidade. “Dessa forma, havia o entendimento que isso retiraria do governo qualquer argumento para justificar uma intervenção alegando descumprimento da lei”.
 
Lúcio destaca que o debate da paridade deve ser aprofundado, levando em conta as diferentes experiências, com destaque ao modelo paritário já em vigência para a escolha dos reitores dos institutos federais por força da lei de criação. “Para tanto, passado o momento de nomeação do próximo reitor, defendemos a abertura de debate interno sobre o tema, destacando que o dirigente máximo de uma universidade deve ter como compromisso o papel da instituição em relação à sociedade promovendo o ensino de qualidade, a inclusão, permanência e o aprendizado dos alunos, produzindo pesquisa e extensão, defendendo a autonomia conforme preconiza o artigo 207 da Constituição Federal. Há que se reconhecer, nesse debate, os diferentes papéis que exercem cada segmento”, finaliza.

Para a Associação dos Servidores da UFRGS (Assufrgs), sindicato representante dos técnico-administrativos, a eleição para reitoria da UFRGS também se mostra antidemocrática. Conforme afirma Tamyres Filgueira, coordenadora de imprensa da Assufrgs, “ao contrário da maioria das universidades federais brasileiras, não temos uma eleição democrática, não existe paridade entre os três segmentos,  o voto dos docentes tem um peso de 70% enquanto técnicos administrativos e estudantes tem peso de 15% cada".

Segundo ela, essa falta de democracia fez com que a chapa 3, das professoras Karla Maria Müller e Claudia Wasserman, que foi a mais votada, com 8.947 votos, não fosse a vencedora do pleito. "A chapa 2, que com 4686 votos venceu a eleição, é justamente a chapa da atual gestão, que não mediu esforços para impedir a implementação da paridade. Infelizmente na UFRGS quem ganha a eleição de reitoria não é quem assume", conclui.

Resultado das eleições

Docentes (Peso 0,7):
Chapa 1 – 436 votos
Chapa 2 – 1.454 votos
Chapa 3 – 679 votos
Branco – 7 votos
Nulo – 29 votos
Votos válidos: 2.576
Votos totais: 2.605
Votantes habilitados: 2.932

Técnicos administrativos (Peso 0,15):
Chapa 1 – 208 votos
Chapa
 2 – 516 votos
Chapa 3 – 1.056 votos
Branco – 15 votos
Nulo– 33 votos
Votos válidos: 1.795
Votos totais: 1.828
Votantes habilitados – 2.545

Discentes (Peso 0,15):
Chapa 1 – 1.216 votos
Chapa 2 – 2.713 votos
Chapa 3 – 7.212 votos
Branco – 76 votos
Nulo – 75 votos
Votos válidos: 11.217
Votos totais: 11.292
Votantes habilitados – 40.128

Edição: Katia Marko