Rio Grande do Sul

Coluna

Melhor morrer do que perder a vida

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Indígenas Xavante carregando o corpo de Dom Pedro Casaldáliga - Dagmar Talga / CPT
Dom Pedro Casaldáliga foi entregue à terra, sem cimento, sob um pé de pequi, dia 12 de agosto 2020

Nesta semana faleceu Dom Pedro Casaldáliga. Um homem de verdade, exemplo para todos os sapiens sapiens. Uma pessoa que não olhava para si, que mantinha plena atenção aos outros, às mazelas e necessidades dos desvalidos. Um bispo contra todas as cercas, como escreveu Ana Maria Tavares, que foi entregue à terra, sem cimento, sob um pé de pequi, dia 12 de agosto de 2020.

Momento de luto comentado por tantas organizações atuantes em defesa de direitos e necessidades humanas, que não cabe reproduzir aqui. Façam uma busca por Pedro, no Google. Isto revelará uma vida sob permanente ameaça de morte, a demonstrar que todos temos o dever, a responsabilidade de atuar em defesa dos discriminados, dos perseguidos, dos marginalizados, dos abandonados, dos sem teto, dos sem terra, dos sem voz. Ele dizia que os diferentes em cor, credo, paixão, interesses e cultura, em suas singularidades são a força da vida e a luz de humanidade que se oculta em cada um de nós.

Na mesma data, 12 de agosto de 2020, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, enviou 200 policiais, cães, máquinas, helicópteros, para destruir uma comunidade rural estabelecida há 22 anos, em terras de uma usina falida, ociosa e alheia à obrigatoriedade de toda terra ser útil, cumprindo sua função social. As 450 famílias do Acampamento Quilombo Grande asseguram isso, como pede a Constituição. A área estava sendo produtiva.

As famílias eram autossuficientes, com sobras que comercializavam e com excedentes que inclusive doavam, em vastas quantidades para alimentar comunidades desvalidas de Campo do Meio, ajudando-as a enfrentar o desemprego e a penúria destes tempos. Produziam para eles e para os outros. Eram destaque internacional pela exportação do café orgânico Guaií, gerando impostos e ampliando a renda do município

Primeiro, sob ordem do governador, foi destruída a Escola Popular Eduardo Galeano. Ela foi derrubada enquanto crianças corriam para salvar livros, cadeiras, cadernos. Depois foi a vez dos barracões. Como entender o fato de que, quando a covid-19 supera os 100 mil mortos no Brasil, quando a OEA, o Conselho Nacional de Direitos Humanos, e o bom senso recomendam isolamento, a ação do governo mineiro obriga centenas de famílias a se reunirem em bloco, para impedir a destruição de suas casas e plantações. Vinte e dois anos de vida produtiva, em área que descumpria a função social da terra e que por isso devia, por lei, ser transformada em assentamento de reforma agrária, jogados fora? Para onde irão aquelas famílias, que até dia 11 produziam vida, riqueza e cidadania? Que fim resultará desta diáspora forçada pela desumanidade, em plena pandemia?

Se depender do povo brasileiro, com certeza aquelas famílias permanecerão naquela terra. Com a benção de D. Pedro Casaldáliga, seguirão seu rumo, ajudando a construir o Brasil que merecemos e que corre o risco de escapar entre os dedos de todos, por força da maldade de alguns e da omissão de outros.

Frei Tito, torturado pela “equipe” de carrascos orientados por Sérgio Fleury, delegado que também era admirador de Ustra, teria recebido choques elétricos na língua. Os torturadores, por deboche, diziam que aquilo era a óstia sagrada, chamavam aquilo de comunhão, contribuindo assim para o fim que teve.

Frei Tito, além do exemplo de vida digna destruída sob martírio infame, nos deixou uma frase que com certeza se aplica aos desafios de todos, nos dias tristes de hoje. Ele escreveu: “é melhor morrer do que perder a vida”.

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Edição: Katia Marko