Rio Grande do Sul

DESENVOLVIMENTO

A situação atual do Porto de Rio Grande é o retrato de um Brasil preso ao atraso

Apesar do aumento das exportações, análise da situação do Porto revela opções políticas contrárias ao desenvolvimento

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Opções políticas deixam indústria naval virar sucata - Ecovix / Divulgação

A Petrobras atuou como um motor econômico no Brasil inteiro, até a Operação Lava Jato. Sem necessidade, as fases dessa Operação paralisavam as atividades das empresas e pessoas investigadas, gerando prejuízo e perda de empregos. Operações de combate à corrupção acontecem em todo mundo, porém, sempre preservando os empregos e a economia. No Brasil, ao contrário, foi comandado um plano de destruição das empresas e de suas atividades, pelo então juiz federal Sergio Moro. Além disso, as políticas econômicas dos governos Temer e Bolsonaro vão contra um projeto de desenvolvimento das estruturas produtivas nacionais, piorando ainda mais o cenário.

Uma cidade que expressa diretamente esse drama é Rio Grande. A cidade é um polo naval, devido a sua localização geográfica, e sempre viveu em função das atividades portuárias. Dirceu Lopes, superintendente do Porto de Rio Grande, durante o governo de Tarso Genro, comenta sobre a importância dessa estrutura para a economia do estado.

“O Porto é o principal escoador e importador de mercadorias, tendo um papel decisivo no comércio de bens e insumos para todo o estado. O modal portuário ainda é o mais barato no mundo, dando ao Porto de Rio Grande a capacidade de agilizar a saída e entrada de cargas, não só do RS, mas também de outros estados brasileiros, que tem destino aos portos da África, da Ásia e América do Norte e Europa."

Dirceu ressalta que o Porto pode ser um grande instrumento de desenvolvimento socioeconômico para o Rio Grande do Sul, gerando emprego, renda e tributos, com seus terminais bastante profissionalizados e com muita tecnologia empregada. Por ali, passam insumos para a indústria de refino, metalmecânica e eletroeletrônica, além da indústria calçadista e produção agrícola. Por exemplo, a maior parte da exportação de soja e de frango do RS se dá através do Porto de Rio Grande, configurando-se como um elo entre o produtor e o mundo.

É importante frisar que o Porto pode ter duas dimensões econômicas. A primeira, já relatada aqui, é a comercial. Tanto a exportação quanto importação de mercadorias são operações comerciais importantes, porém, muito diferente da atividade industrial. Apesar de ambas poderem gerar emprego e riqueza, a atividade industrial tem um grande potencial de desenvolvimento de tecnologia, consequentemente, traz maiores benefícios econômicos a longo prazo. Segundo Dirceu Lopes, a perspectiva era que o ciclo econômico gerado pelo desenvolvimento da indústria naval durasse entre 20 e 30 anos. Este ciclo foi interrompido por decisões políticas, antes de completar 10 anos.

O Porto como linha de frente do desenvolvimento industrial da região

A partir do investimento estatal, as atividades do Porto ganharam outra dimensão, principalmente através da demanda comandada pela Petrobras que movimentou a indústria naval, dentro do porto comercial. Além do terminal próprio, com o abastecimento de navios, a empresa estatal direcionava a construção de plataformas e navios de exploração de petróleo para os estaleiros nacionais, sendo o de Rio Grande responsável por boa parte desta demanda. Assim, foram criados milhares de empregos diretos, movimentando a economia de toda a região Sul do estado. Segundo estudo do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo (Ineep), 1 bilhão de reais investidos na Petrobras gera 1,28 bilhões no PIB do país, além de 30 mil postos de trabalho. A paralisação das atividades causadas primeiro pela operação Lava Jato, depois pela ação dos governos Temer-Bolsonaro, gerou o desemprego de milhares de trabalhadores, muitos deles vindo de longe para assumir os postos de trabalho.

Segundo Paulo Cayres, da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM-CUT), o salário de um soldador que trabalha em um estaleiro fica na faixa dos R$ 3 mil. Possuem alta capacitação técnica e muitas vezes a cidade tem os profissionais para atender a demanda, recebendo gente de outros estados, inclusive. O trabalhador que vem de outra região do país se estabiliza numa região, planejando ali construir um futuro, ou seja, é possível ter uma ideia do enorme impacto social causado pela interrupção abrupta e sem sentido das atividades de empresas desse porte.

Em menos de 10 anos, a partir de 2014, o setor naval nacional passou a empregar sete vezes mais pessoas, sendo que, somente na cidade de Rio Grande, o Polo Naval era responsável por 24 mil postos de trabalho. A diminuição da geração de demanda da Petrobras, através das políticas dos governos Temer e Bolsonaro, são responsáveis por quase 20% do desemprego no país.

Outra ilustração desta tragédia é o destino que tiveram as peças para a montagem das plataformas P-71 e P-72. As cerca de 80 mil toneladas de peças e aço que já haviam sido compradas e estavam parcialmente montadas se encontravam no Estaleiro Ecovix, em Rio Grande. Devido à paralisação das atividades, todo esse material ficou largado, e posteriormente vendido como sucata, a preço de seu peso. O então presidente Temer decidiu realizar a produção destas plataformas na China, transferindo para lá todos esses empregos, junto com as esperanças de um projeto de desenvolvimento. Todo investimento gasto na produção, transporte e transformação desse material, foi para o lixo.

Perspectivas para a cidade, estado e país

Marcelo Lameira trabalha na Petrobras desde 1989, assumindo seu posto inicialmente no terminal de Rio Grande. Anos mais tarde, conseguiu transferência para o terminal de Tramandaí, no Litoral Norte, e relata:

“Quando comecei na Petrobras, Rio Grande era uma cidade muito difícil, muita penúria, tanto que era complicado de conseguir uma transferência. Em 1995 consegui uma transferência e, em 2014 surgiu a oportunidade de retornar, e a cidade tinha evoluído muito. Eram outras perspectivas, baseadas nos investimentos que a Petrobras fez nos estaleiros de Rio Grande, gerou mais de 20 mil empregos diretos.”

Ele deixa claro que era visível a diferença da cidade neste período em que os investimentos da Petrobras geraram muitos empregos no local, e consequentemente, desenvolvimento econômico. Marcelo lamenta que em 2014 houve a paralisação das atividades do estaleiro, com grande perda de empregos e retorno da pobreza para a cidade.

Atualmente, segue trabalhando na Transpetro, subsidiária da Petrobras que atua no transporte e comercialização de combustíveis. Relata que o perfil do seu trabalho mudou muito. Agora, não mais com as encomendas movidas pela estatal brasileira, e sim com empresas privadas que movimentam a importação de petróleo e outros produtos já industrializados, como gasolina e diesel. “A gente trabalha basicamente em função deles, apesar de ainda ter algum serviço ligado à refinaria de Canoas (REFAP).”

Relata que há a entrada de navios no terminal para abastecimento, com o chamado Marine Fuel (combustível naval, na expressão em inglês). Tal qual um posto de gasolina de embarcações que passam pelo nosso litoral, que seguirão para a Argentina, ou entrarão na Lagoa dos Patos, por exemplo, é um serviço imprescindível. Lameira relata que são poucos terminais deste tipo no Brasil e na América do Sul. Segundo ele, o combustível oferecido é de primeira qualidade, com baixo teor de enxofre e Ponto de Fulgor mais alto, o que propicia mais segurança aos motores dos navios.

Marcelo convive diariamente com a ameaça das privatizações. Junto com a venda de refinarias, é plano do governo federal se desfazer dessas importantes peças da engrenagem da economia nacional, que são os terminais de combustível. “A princípio, o terminal de Rio Grande não está na mira imediata de privatizações do governo, mas já se percebe um sucateamento muito grande. Estão havendo demissões e oferecimento de Planos de Demissão Voluntária (PDV).”

Esse movimento deixa evidente que pode faltar pessoal habilitado para o serviço, que exige muita experiência e é tocado por funcionários de carreira, com muitos anos de serviço. Marcelo relata também as situações dos funcionários que não aceitam os PDVs, que ficam expostos a transferências de estado, já que existe a ameaça de não haverem mais as unidades onde trabalham.

“Quem visualiza a área dos Estaleiros de Rio Grande e São José do Norte pode perceber muito espaço inutilizado e muito material parado, sendo vendido a preço de sucata, um desperdício de dinheiro público. Isso é uma decisão política.” Ele observa que o país deixa de gerar empregos e perde espaço nessa área da produção naval, de grande potencial em um país com uma costa tão extensa como a do Brasil. Lembra também que na época de pico das atividades, foi instalado um guindaste no Estaleiro, considerado à época uma das maiores obras de engenharia do mundo: “Uma obra enorme, gigantesca, um patrimônio que hoje está abandonado.”

Projeto de desenvolvimento abortado

Além da Petrobras, existem várias empresas privadas que atuam no Porto, do ramo do agronegócio, por exemplo. Devido ao atual momento que proporciona as exportações, essas empresas estão aumentando suas atividades e gerando empregos, mas nunca na mesma proporção do que foi o Polo Naval. De certa forma, o projeto de desenvolvimento industrial está temporariamente abortado, e as ações do governo federal deixam claro a iniciativa de abrir mão inclusive do desenvolvimento comercial. É importante deixar claro que ambas modalidades econômicas estão intimamente ligadas.

O desenvolvimento da indústria ajuda a processar e transformar os produtos, agregando valor e aumentando o potencial de geração. Do contrário, o país fica preso a um modelo econômico de exportação de produtos primários, que geram menos riqueza e inclusive transferem parte desse potencial econômico para o exterior. É o que acontece atualmente com a questão do combustível, onde o país exporta petróleo bruto e importa em seguida o produto refinado, industrializado. A riqueza natural gerada em solo nacional é vendida a preços baixos e não ajuda a desenvolver a tecnologia necessária para a produção dos produtos e bens necessários ao consumo. É justamente esse caminho que os governos Temer e Bolsonaro escolhem.

As duas fontes consultadas relataram que o Porto tem batido recordes de exportação. Inclusive, as dragagens empregadas recentemente proporcionaram a entrada de navios de maior porte no Porto. O que, a princípio, parece ser o indício de um grande sucesso, na verdade é o sintoma de uma doença crônica que impede o país de se desenvolver.

Como já ficou comprovado, o Estado tem a obrigação de tomar sua parte no desenvolvimento econômico, investimento e gerando demanda através de seus mecanismos. Desde 2014, com a paralisação das encomendas da Petrobras, o setor naval nunca mais se recuperou, deixando evidente que, se o Estado não tomar a opção política de movimentar as engrenagens, a mão mercado e dos empresários seguirá não somente invisível, mas também inútil para o desenvolvimento econômico coletivo.

Edição: Katia Marko