Rio Grande do Sul

AGRICULTURA

Pavilhão da Agricultura Familiar da Expointer de 2020 privilegiou apenas uma entidade

Via Campesina e Fetraf-RS criticam condução da feira neste ano, realizada em formato híbrido devido à pandemia

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O único espaço com acesso ao público foi o drive thru do pavilhão, onde consumidores podiam comprar de dentro de seus carros - Facebook Fetag-RS

A Expointer deste ano, realizada em meio à pandemia do novo coronavírus, encerrou neste final de semana com avaliações positivas do governo estadual e aplausos de grande parte da imprensa, que destacaram a superação das adversidades através da inovação. Além de uma plataforma digital para os diversos públicos da feira, com debates, eventos e salas de negócios, o Pavilhão da Agricultura Familiar contou com ambiente virtual de vendas e um drive thru, com consumidores comprando de dentro de seus carros.

Para além dos discursos positivos, o que não se ouviu foram questões relativas à participação das entidades que tradicionalmente estão no Pavilhão da Agricultura Familiar, que é o espaço de maior apelo popular do evento, onde se comercializa produtos coloniais. O drive thru teve 55 estandes, ao contrário dos mais de 300 registrados nos anos anteriores, onde foi privilegiada somente uma das entidades que compõem a comissão organizadora do pavilhão: a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no RS (Fetag-RS).

Outras entidades que fazem parte do pavilhão, a Via Campesina, que representa cooperativas da Reforma Agrária, e a Emater-RS, que traz agricultores não filiados, ficaram de fora. Situação semelhante ocorreu com os agricultores da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do RS (Fetraf-RS), que contou com apenas dois estandes. Para as entidades, a situação representa um desrespeito com a pluralidade da agricultura familiar do estado.

Na avaliação do veterinário e representante da Via Campesina, Djones Zucolotto, “o governo teve um completo descaso com as demais organizações, entidades que historicamente têm participado do Pavilhão da Agricultura Familiar. A Fetag é uma entidade que representa a agricultura familiar, mas não como um todo, representa uma parte das famílias camponesas no Rio Grande do Sul”. Segundo ele, a Via Campesina é parceira histórica do evento, representando cooperativas. “As entidades da Reforma Agrária, que participam da via Campesina, representam mais de duas mil famílias da agricultura familiar, deixadas de fora do sistema”, critica.

Questionado sobre os elogios a respeito da inovação em meio à pandemia, Djones disse que não tem como avaliar, já que o que ele sabe é o que foi divulgado na mídia. “A gente não tem como fazer essa avaliação porque a gente não fez parte desse processo, a gente não ajudou a construir isso, na hora de organizar a gente simplesmente ficou de fora. Então, não podemos avaliar se foi de sucesso ou não porque nós da Via Campesina não tivemos nenhum produto sendo comercializado, sendo exposto aí nesse formato de venda que é o drive thru."

O coordenador geral da Fetraf-RS, Rui Alberto Valença, afirmou que esta edição foi a pior Expointer, não pela questão da pandemia, mas com relação à falta de diálogo. “As decisões e a construção da Expointer, ou pelo menos do Pavilhão da Agricultura Familiar, não se deu, não se tomou a decisão na comissão, quem fez foi o governo do estado e a Fetag. Nós somos quatro organizações que fazem parte: que é a Fetraf, a Via Campesina, a Emater e a Fetag, além de, obviamente, a Secretaria da Agricultura e o Governo do Estado. Mas não fomos ouvidos”, relata.

Ele critica o privilégio dado à Fetag no sistema drive-thru. “A nossa avaliação é que o drive thru poderia ser mais amplo e com a participação de mais entidades. Nós da Fetraf-RS tivemos apenas dois empreendimentos, sendo que geralmente nós temos nas feiras tradicionais entre 50 a 60 agroindústrias participantes, então só duas participaram e isso depois de muita insistência e muita briga, vamos dizer assim.”

A Fetag-RS, em nota sobre o drive thru da agricultura familiar, “considera que o modelo adotado foi um sucesso, e que isso só foi possível graças a parceria com todas as 55 agroindústrias familiares que aceitaram o desafio de participar do drive thru, mesmo sem saber se teriam resultados satisfatórios e correndo o risco de terem prejuízos”.

Destaca que, mesmo com somente a participação de 17% das agroindústrias que estiveram na edição de 2017, “obtivemos quase 10% do valor total de comercialização do ano passado. Ou seja, mesmo com o formato diferenciado, os empreendimentos alcançaram uma boa margem de vendas”. Segundo a federação, as 55 agroindústrias comercializaram aproximadamente R$ 400 mil, ultrapassando a marca de 2.100 mil veículos visitando o pavilhão.

Problemas na plataforma de vendas online

Djones conta que o que foi oferecido pelo governo, com diálogo via Secretaria da Agricultura, foi uma plataforma de apresentação dos produtos online. “Mas também essa plataforma não funcionou da maneira como a gente esperava. Além disso, nos chamaram para uma reunião poucos dias antes de lançar ela, tipo uma coisa muito na correria”, explica. Ele critica o fato da comissão questionar desde abril como seria a organização do novo modelo. “Foi uma coisa muito conturbada, foi em cima do laço a divulgação de como seria feito esse processo. Não foram todas as cooperativas que conseguiram se organizar em tempo para apresentar seus produtos. Então, avaliamos que também esse processo foi muito mal elaborado e mal organizado pelo estado.”

Rui concorda, para ele a Expointer Digital “foi um show de atrapalhos, um show de incompetência e de desorganização, porque também foi tudo feito na última hora, de uma forma inesperada, inclusive a data também não foi acertada com ninguém”. Ele conta que a plataforma não funcionou corretamente. “Dez dias depois do início da feira e nós temos ainda inúmeros agricultores que não têm os seus produtos cadastrados, não têm valor, não têm foto, foi um fracasso de vendas, e isso, então, poderia ter sido muito melhor se tivéssemos mais profissionalismo, tanto do governo do estado, mas principalmente pela empresa que disponibilizou e cobrou da Secretaria da Agricultura valores que não sei quais são, mas certamente não são baixos”, critica.

“Obviamente de que, sim, é importante destacar que é uma nova modalidade e esperamos que todo esse fracasso sirva de aprendizado para futuros eventos, futuras situações parecidas com essa”, conclui o coordenador da Fetraf-RS.

Edição em meio à pandemia

A 43ª edição da Expointer, que ocorreu entre os dias 26 de setembro e 4 de outubro, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio (RS), chegou a ter seu cancelamento anunciado no início de julho, devido à pandemia. Com as diversas flexibilizações do isolamento social nos decretos estaduais, o evento promovido pelo governo estadual foi realizado, sem acesso ao público, exceto do drive thru.

Agricultores, criadores de animais e profissionais envolvidos nas competições ocuparam estruturas no parque nos nove dias de feira. Testagens de covid-19 foram realizadas nesses trabalhadores. Conforme a Secretaria da Agricultura, entre os dias 26 de setembro e 3 de outubro, foram realizados quase dois mil testes, sendo 54 positivos, quando as pessoas eram retiradas do parque.

A cerimônia de encerramento, realizada no domingo (4), contou com a presença do governador Eduardo Leite (PSDB) e do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB). Na ocasião, Mourão afirmou que o “agronegócio é protetor do meio ambiente”, dizendo que existem erros, mas a maioria das pessoas trabalha de forma honesta e de acordo com a legislação.

A reportagem do Brasil de Fato RS contatou a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, questionando o motivo do privilégio de uma entidade no Pavilhão da Agricultura Familiar. Até o fechamento desta matéria, a secretaria ainda não havia retornado.

Edição: Katia Marko