Rio Grande do Sul

Coluna

Da velha inquisição à nova censura! Sim, ela está de volta e passa bem

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Atores da obra para teatro infantil “Abrazo”, da Cia Clowns de Shakespeare, foram informados que a peça estava cancelada cinco minutos antes de exibi-la na Caixa Cultural de Recife - Foto: Pablo Pinheiro
No Dia Mundial do Teatro, queremos arte e comida, um país sem censura, sem covid e sem Bolsonaro

“Não é o Santo Ofício. É que em nome dele, em nome da Igreja, do próprio Deus, às vezes cometem-se atos que Ele jamais aprovaria. Em nome de um Deus-misericórdia, praticam-se vinganças torpes, em nome de um Deus-amor, pregam-se o ódio e a violência. Os rosários são usados para encobrir toda sorte de interesses que não são os de Deus, nem da religião.”

Texto extraído da peça “Santo Inquérito” de Dias Gomes


Recentemente, o projeto de encenação da peça “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes, pela companhia teatral BR116, para a Lei de Incentivo à Cultura, foi arquivado pela Secretaria Especial da Cultura do governo federal sem nenhum motivo ou explicação. Pensar que se trata de um caso isolado é ingenuidade, pois com uma rápida passagem de olhos vemos que a censura voltou e já se institucionalizou no governo de Bolsonaro. É claro instrumento de controle da produção de pensamento que, obviamente, é inimiga de um governo como este, que prima pela ignorância, descrença da lógica, da ciência, estimula as fobias, a desumanização do outro, a banalização da violência e das armas.

Enfim, poderia ficar escrevendo linhas e linhas sobre o quão execrável é tal governo e seu projeto, mas me parece que os leitores já sabem, dada a postura deste em relação à pandemia e a ideologização da vacina num dramático momento que o Brasil já soma 3650 mortos por covid-19 num intervalo de 24 horas. Nós, do Sul, estamos vivendo o pior momento, O estado do Rio Grande do Sul está com bandeira preta, em alerta geral, a contaminação está em alta e as mortes não param de aumentar.

Voltando à censura, os motivos vão do ideológico ao moral, ou, como preferem os conservadores de extrema direita, em defesa dos “interesses da família”. O que eles nunca nos contam é que a única família que de fato lhes interessa é a sua própria. Porque usam o espaço público que lhes foi atribuído para benefício próprio e nunca, digo nunca, em benefício da maior parte da população.

O presidente Jair Bolsonaro exigiu que o Banco do Brasil retirasse do ar uma de suas campanhas publicitarias, porque trazia atrizes e atores negros, pessoas com tatuagens, dreadlocks e cabelos longos. Como é de esperar, o responsável pela comunicação no BB teve que deixar o cargo. Trabalho de censura bem feito, nenhum diretor de comunicação do BB ousaria uma campanha tão real dali para frente. O marketing do Banco irá fingir que esses tipos não constituem uma nação “de bem” e, portanto, não devem figurar em propagandas do BANCO DO BRASIL CONSERVADOR.

Em julho de 2019, Bolsonaro disse que não iria admitir filmes como Bruna Surfistinha com dinheiro público, além de afirmar ter intenção de filtrar as obras cinematográficas para que sejam subsidiadas apenas as que atenderem os preceitos da moral judaico-cristã. E claro, sua declaração incluía a frase “Não vamos censurar ninguém, mas...”

Em agosto, o Banco do Brasil lançou um edital para selecionar longa-metragens e questionava, em seu formulário de inscrição, se a obra teria cunho político ou religioso e ainda, se faria referência a crimes e prostituição ou possuiria cenas de nudez.

Mais ou menos no mesmo período, a CINCO MINUTOS de começar a apresentação (a segunda sessão daquele dia) da obra para teatro infantil “Abrazo” da Cia Clowns de Shakespeare, na Caixa Cultural de Recife, os artistas foram informados que a peça estava cancelada. O problema neste caso era que um dos temas da peça era justamente a repressão e a censura. E parece que não gostaram do bate-papo que houve após a sessão, porque responderam a questões que o público perguntou acerca da obra e da conjuntura política do país. É proibido ter opinião.

Ainda no mesmo contexto, espetáculos que foram selecionados em edital para circular pelos teatros da Caixa Cultural, como “Abrazo”, a Companhia Dos à Deux ganhou um edital para mostrar seu repertório. Seriam mostrados os espetáculos Aux Pieds de la Lettre, e Gritos, espetáculo em que uma personagem, que é travesti, tem uma cena de nudez. Após solicitar a sinopse e pedir maiores informações sobre o trabalho, sem dar explicações, exigiu que o espetáculo fosse substituído. É proibido ter nu e travestis em cena.

A hipocrisia é uma das facetas mais lamentáveis da extrema direita bolsonarista. Eles estão sempre atolados em operações ilegais, fizeram mil manobras para roubar o Estado através das rachadinhas, peculato mesmo, funcionários fantasmas e etc. O próprio clã Bolsonaro tem enriquecido às custas do Estado. A preocupação número 1 do “nosso” presidente é livrar os filhos da condenação e cadeia. E se dão ao direito de decidir o que é moral ou não. Pergunto: essa putaria seria algo bonito de ser assistido pelas nossas crianças?

Enfim, tão tacanho esse governo e seu projeto que eu não me admiraria que acontecesse algo como o pedido de prisão de Sófocles pela censura durante a ditadura.

E o que ainda queria dizer: Enquanto governo se ocupa com isso, morre um brasileiro de covid-19 a cada 36 segundos!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko