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Coluna

Tributo a Wilhelm Reich

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A vida de Reich sempre foi marcada por sua honestidade científica e sua busca incansável por entender e transformar a origem social e sexual do sofrimento humano - Divulgação
Reich trabalhou no sentido de entender a origem psicológica e emocional dos comportamentos fascistas

No dia 24 de março deste ano Wilhelm Reich (1897-1957) completaria 124 anos. Foi na terça-feira desta semana, que se encerra hoje, domingo, dia em que escrevo estas palavras.

Impérios nascem e morrem. Nações se constituem e se desfazem. Grupos humanos se identificam como tal e depois se desidentificam, e se esfarelam. Existem tempos de paz e tempos de guerra. Reich viveu em um tempo de guerra. Seu pensamento e seu conhecimento permanecem – e talvez sejam, mais do que nunca – atuais.

Ele nasceu na Galícia, região que pertencia, naquela época, ao antigo Império Austro-Húngaro. Após a dissolução do Império e após ter conquistado independência política, parte dessa região se transformou na Ucrânia. Reich cresceu em uma grande fazenda na Bucovina (atualmente parte da Romenia), sendo educado em casa por tutores. Em 1915, deixou a fazenda para se alistar ao exército austríaco e serviu como tenente, indo lutar no front italiano por três vezes durante a Primeira Guerra Mundial.

Em 1918, com a perda da guerra pela Áustria, Reich se muda para Viena, e lá começa seus estudos universitários. Durante o curso de Medicina, após ter ingressado por um breve período no curso de Direito, ele se encontra com Freud e a Psicanálise. Estava então interessado em sexologia e organizava um grupo de estudos sobre esse tema na universidade.

O encontro com Freud mudou o curso de sua vida para sempre. Reich desenvolveu a psicanálise, trabalhando em cima das evidências apresentadas pelo próprio trabalho analítico. Ao longo da década de 1920, foi coordenador da Policlínica Psicanalítica de Viena ao lado de Freud, tendo também se oferecido, a pedido deste último, para coordenar o seminário de técnica psicanalítica. Suas experiências nesse seminário foram a principal matéria-prima para o desenvolvimento da técnica de análise do caráter e, com ela, para sua abertura ao terreno do organismo vivo.

Reich se comprometeu profundamente com a psicanálise, tentando fundamentá-la cientificamente, buscando a fonte orgânica da libido. Qual seria a energia que animava o movimento das pulsões? O psiquismo estaria sustentado por uma energia física? Qual era a energia do desejo? O que acontecia com essa energia quando as pulsões, os movimentos da libido, os desejos, eram sistematicamente negados, bloqueados, reprimidos?

Reich descobriu, ao longo de sua carreira, que a mesma energia que alimenta o processo sexual, é aquela que nutre o psiquismo e movimenta as emoções corporais. Não há uma separação entre essas instâncias da existência. No processo de encouraçamento, usamos contrações corporais para conter nossas emoções, desenvolvemos formas de nos comportar, de falar, hábitos posturais, padrões neurofisiológicos, pensamentos, ideias sobre nós mesmos e sobre o mundo que têm a função de conter emoções e recalcar processos psíquicos.

A experiência orgástica regula o funcionamento pulsional, por meio da promoção de descarga total do excedente de tensão e posterior relaxamento. Ela consiste em contrações involuntárias e prazerosas do corpo, ritmicamente, desde os genitais até a cabeça, em que a experiência total do organismo, inclusive o funcionamento psíquico, está sequestrada pelas sensações corporais de prazer.

O comprometimento desse sistema regulatório de energia é o que podemos chamar de neurose, segundo Reich.

O comprometimento da função do orgasmo, ou seja, da função do prazer e da fusão, torna necessário ao organismo que se reconfigure, de maneira a equilibrar as tensões por vias alternativas. Essas vias alternativas são os traços de caráter neuróticos e as couraças corporais (alterações do tônus muscular ou do funcionamento neurovegetativo e emocional), que passam a operar de maneira automática e inconsciente o “equilíbrio” da bioenergia.

Esse conjunto de descobertas levou Reich a se perguntar o motivo de nossa organização social ser repressora da sexualidade. Ele queria entender se a repressão sexual era realmente a única condição para que houvesse cultura e padrões construtivos de sociabilidade, tal como advogavam muitos estudiosos, inclusive o próprio Freud.

Analisando profundamente importantes instituições sociais como a família, o Estado, a igreja, o trabalho, a educação, ele pôde entender os processos específicos a partir dos quais estas últimas promovem o encouraçamento, fixando nos organismos um estado crônico de repressão sexual, que ele chama impotência orgástica.

Ele percebeu também como, a partir da fixação da couraça no organismo, a ideologia e a própria estrutura econômica são introjetadas nos organismos psíquicos indivíduais, se tornando forças materiais que atuam sobre a sociedade (na forma de escolhas, padrões de comportamento, ações sociais). A economia capitalista, os valores patriarcais, a valorização do narcisismo, do consumismo, do individualismo, os ódios e preconceitos sociais, de gênero, classe, raça, orientação sexual, etnia, são efetivamente introjetados e corporificados a partir da distorção permanente do funcionamento orgânico natural das pessoas.

Tendo se mudado para Berlim em 1930, Reich estava no auge de sua atuação social, baseada em suas descobertas acerca do orgasmo e da formação e tratamento das neuroses.

Ele descobriu que a sexualidade natural não era perversa nem suja, e que o organismo humano que pudesse viver livre e amorosamente sua sexualidade, desenvolveria em paralelo o melhor de suas faculdades, tanto intelectuais, quanto motoras, criativas e executoras, e também compassivas, relacionais e humanitárias. O amadurecimento sexual e o amadurecimento psicoemocional são uma e mesma coisa. A desorganização da sexualidade desorganiza também o funcionamento autônomo no mundo e a possibilidade de amadurecimento e da construção de um ego saudável e da capacidade de trabalho.

Na Alemanha, ele ajuda a fundar a Associação Alemã para a Política Sexual Proletária, um movimento amplo que visava promover uma reforma sexual, na tentativa de que as instituições sociais se adaptassem às necessidades biológicas e psíquicas de amadurecimento, se constituindo como afirmadoras e não repressoras da sexualidade natural. Além disso, presenciando a ascensão do nazismo, ele trabalhou no sentido de entender a origem psicológica e emocional do sentimento e comportamento fascistas, concluindo que eles estavam atrelados ao processo de encouraçamento.

Com a chegada de Hitler ao poder, Reich deixa a Alemanha. Entre 1933 e 1939, ele migra para a Dinamarca, para a Suécia e finalmente para a Noruega. Em cada um desses países, Reich constituiu seus laboratórios, as editoras para seus livros e jornais científicos, atendeu e pesquisou clinicamente, colaborou com diversos pesquisadores, trabalhou como formador de terapeutas, e desenvolveu mais seu conhecimento acerca da biologia do aparelho psíquico e das neuroses.

Desenvolveu nesse período a técnica da vegetoterapia, que atua diretamente na regulação do sistema neurovegetativo, promovendo a recuperação do funcionamento espontâneo e natural do sistema de emoções, dos órgãos e de sua resposta às expressões do meio externo. Além disso, aprofundou seu conhecimento acerca do movimento vivo, comprovando que a antítese emocional básica em todo organismo vivo, desde os unicelulares até os mais desenvolvidos animais, tais como os seres humanos, é a pulsação entre prazer e angústia.

Estabeleceu e aprofundou também o que ele vai chamar de fórmula do orgasmo (ou fórmula da vida), descobrindo que em todo o organismo vivo, o movimento energético primário é uma combinação entre momentos de tensão mecânica acompanhados de excitação e de descarga energética acompanhados de relaxamento. Ele comprovou e fundamentou sua hipótese de que o orgasmo é um fenômeno bioelétrico, um processo de descarga energética.

Logo, estamos falando de economia energética ao analisar o orgasmo, o aparelho psíquico, a formação de neuroses e o tratamento de neuroses. Foi nesse período, inclusive, que ele descobriu as primeiras evidências da energia orgone, em seus experimentos microbiológicos.

Reich se muda para os Estados Unidos em 1939, com o acirramento das tensões na Europa e a iminência de uma nova guerra, tendo sido convidado a lecionar em uma universidade de Nova York. Em 1940 ele compra uma fazenda no estado do Maine, cercado por lagos e por natureza selvagem, em uma região muito pouco populosa e coberta de neve. Ali desenvolve suas últimas pesquisas com o orgone, descobrindo maneiras de influenciar o fluxo e a concentração dessa energia, bem como aplicando suas propriedades regenerativas no tratamento da neurose e de outras patologias, como o câncer.

Ali também desenvolve seus últimos trabalhos de prevenção de neuroses, estudando os processos de desenvolvimento e formação de couraças em crianças saudáveis, a partir do acompanhamento de casais que queriam ter filhos, que eram orientados por ele e sua equipe quanto a como manter as condições saudáveis de desenvolvimento para as crianças que participariam do estudo.

Ao final de sua vida, Reich foi processado pela Food and Drug Administration (FDA), que alegava que a energia orgone não existia, demandando judicialmente que ele deixasse de trabalhar e fazer experimentos, bem como deixasse de produzir literatura a respeito da energia orgone. Ele foi condenado a dois anos de prisão e morreu no cárcere.

A vida de Reich sempre foi marcada por sua honestidade científica e sua busca incansável por entender e transformar a origem social e sexual do sofrimento humano. Ele se sentia no dever de dizer a verdade dos fatos, mesmo que isso lhe custasse a hostilidade dos grupos dos quais fazia parte.

A descoberta do processo de encouraçamento, de suas origens sociais e de sua lógica de funcionamento e estruturação no organismo individual até hoje são profundamente úteis para compreendermos o caos social e sexual em que vivemos imersos. Conceitos como o de peste emocional e seu estudo detalhado da psicologia de massas do fascismo são chaves importantíssimas de compreensão do nosso tempo e uma grande ferramenta para pensarmos soluções coletivas para nossas dificuldades sociais. Além disso, Reich deixou para nós um brilhante legado para a atuação terapêutica, com ferramentas eficazes de promoção de transformação pessoal, bem como um amplo referencial para o cuidado com as nossas crianças.

Seu trabalho com a energia orgone, na ciência da Orgonomia, nos fornece parâmetros para atuar sobre a saúde energética individual e ambiental, com ferramentas eficazes de manejo dessa energia, como os aparelhos acumuladores de orgone.

Para ele, na semana de seu aniversário, gostaria de deixar um agradecimento amoroso, pois ele, por meio de tudo isso, mudou e muda constantemente a minha vida – e a vida de muitas pessoas que amo. Os efeitos de seu trabalho ainda impactam positivamente a vida de inúmeras pessoas pelo mundo!

Obrigada, Reich, por ter feito tanto!

Descrição da imagem: trata-se de uma fotografia em preto e branco. Reich e sua família estão sentados em volta de uma mesa ao ar livre. Da esquerda para a direita temos sua filha, Eva Reich, sorrindo; o companheiro de Eva, também sorrindo: o filho de Reich, Peter, ainda criança; Wilhelm Reich e sua esposa de então, Ilse Ollendorff.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko