Rio Grande do Sul

Coluna

Crianças e rotas alteradas

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"O que será das crianças, quando adultas, escutarem que seus pais foram omissos ou cúmplices na construção desta época de alienação e terror?" - Anselmo Cunha/PMPA
Como no poema "A Rosa de Hiroshima", de Vinicius de Moraes, as rotas estão sendo de fato alteradas

Esta semana escutei de novo, como vindo do fundo dos tempos, que “O RISO NA BOCA DO BURRO ABUNDA”. Lembrei de tudo. Tios debochando de sobrinhos, adultos intimidando crianças, impondo inseguranças e contenção à alegria natural das pequenas descobertas. O riso na boca do burro abunda. Lembrei das cautelas que aquela rejeição à expressões de felicidade impunham à autenticidade, cada vez mais contida. Lembrei de crianças se fazendo tristes e caladas, para serem aceitas e acolhidas. Lembrei ainda das artimanhas que levavam determinadas crianças a provocar reações, para receber alguma atenção, ainda que dolorida, na forma de deboche ou castigo. E pensei aonde aquilo poderia levar, ou que responsabilidade aquilo teria, por chegarmos onde estamos.

Então, me vi entre os adultos que assistiram esta semana, na TV, um senador da República questionando o diretor do Butantan sobre se de fato as vacinas ali elaboradas, para as quais o governo não providenciou ingredientes, iriam conter células de bebes abortados na China. Também lembrei das mentiras de ex-ministros e outras autoridades orgulhosas de seu caráter duvidoso, mentindo, sérias como crianças que batem e escondem a mão. Se mentirem de novo, serão punidos, afirma tranquilo o presidente da Comissão. Difícil de crer. Serviçais a reboque de um líder capaz de rir, não só das mortes de milhares, como também do sofrimento dos muitos que agonizam em UTI, por falta de vacinas. Querem mais é ser como ele: desumanos.

Como no poema "A Rosa de Hiroshima", de Vinicius de Moraes, as rotas estão sendo de fato alteradas. Não só por conta das contaminações por venenos, agrotóxicos e campanhas de colonização. Vejam um caso pessoal: criança que conheço, na escola para onde retornou a conviver com coleguinhas, apesar dos riscos, aprendeu um novo jogo. Voltou para casa brincando de “fugir do corona”, de “caçar o corona”. Aí está o novo bicho papão, o maior dos males e ameaças. O limite que nos separa do outro mundo agora é invisível e pode estar em qualquer local, em todos os momentos. E só o Messias, e seus paus-mandados, não têm medo dele.

O que será das crianças, quando adultas, escutarem que seus pais foram omissos ou cúmplices na construção desta época de alienação e terror? Diante do escárnio, do descompromisso, da falta de ética e da imoralidade de lideranças públicas, neste município, neste estado e neste país, me veio uma mistura de tristeza e indignação. E creio que isso tem a ver com aquela frase inicial: “o riso na boca do burro abunda”.

Confira aqui a coluna em áudio.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira