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Opinião

Artigo | Bolsonaro e Caboclo apostam sobrevivência na Copa América

"Na prática, graças a Rodrigo Caboclo, Jair Bolsonaro e a Conmebol, a Copa América será um ato político"

Porto Alegre | BdF RS |
Dois dias depois da oposição voltar às ruas com força, Bolsonaro recuperou uma poderosa bandeira de 2013, os “hospitais padrão FIFA”
Dois dias depois da oposição voltar às ruas com força, Bolsonaro recuperou uma poderosa bandeira de 2013, os “hospitais padrão FIFA” - Lucas Figueiredo / CBF

Não é exatamente uma surpresa que o Brasil seja a nova sede da Copa América 2022. Há uma semana, quando a Colômbia desistiu de sediar o torneio, o presidente da CBF, Rodrigo Caboclo, manifestou a intenção de realizar novamente a disputa no país.

Nos bastidores, a hipótese foi descartada porque o Brasil era um “covidário”. Com a desistência da Argentina, que dividiria os jogos com os colombianos, era preciso uma nova sede que tivesse bons estádios disponíveis imediatamente para únicas datas possíveis no calendário da FIFA e um governo disposto a assumir o ônus de um torneio no continente com quase 1 milhão de mortos e apenas 3% da população vacinada. O Brasil de Bolsonaro reúne as duas exigências.

Também não é uma surpresa de que a Conmebol releve o status brasileiro de “covidário” agora. Com exceção das vendas de direitos televisivos, poucas coisas sensibilizam a Confederação Sul-americana de futebol. Há menos de 15 dias, as partidas dos times colombianos na Copa Libertadores foram mantidas normalmente, mesmo com os protestos contra o governo colombiano sendo reprimidos violentamente, literalmente ao lado dos estádios, como ocorreu com América de Cali e Atlético Mineiro, interrompido cinco vezes pelas bombas de gás lacrimogênio, ou Junior Barranquilla e River Plate.

Ironicamente, a Copa é patrocinada pelo laboratório chinês Sinovac, em troca de 50 mil doses da vacina, que são usadas pela confederação para que jogadores e cartolas furem a fila da vacinação nos seus países, como fizeram Atlético-GO e Atlético-MG.

Já para o presidente da CBF, a vinda da Copa América pode lhe garantir a permanência no cargo. Rodrigo Caboclo é ex-assessor do ex-presidente Marco Polo Del Nero, banido do futebol pela FIFA por corrupção em 2017. Recentemente, a emissora ESPN revelou que decisões centrais na confederação, como a permanência do técnico Tite e contratos milionários foram tomadas com o aval ou a última palavra de Del Nero, um ano depois do seu banimento do esporte. Porém, desde abril, criador e criatura romperam relações e clubes e federações, também descontentes com o comportamento do presidente, articulavam um impeachment do dirigente.

Desde então, Caboclo buscava assegurar sua sobrevivência com as boas relações e troca de favores que construiu com o Planalto, como a cedência dos direitos de transmissão de jogos da seleção para a oficialista TV Brasil. Com a Copa América, Caboclo tanto mantêm o prestígio com o bolsonarismo, quanto tem em mãos a possibilidade de ofertar ingressos e mordomias para um evento restrito para os descontentes presidentes de federação.

Caboclo tem mais chances de ser bem-sucedido do que Bolsonaro. Se o governo esperava criar um fato positivo que abafasse a crise sanitária, não entendeu o recado da Argentina e da Colômbia. Sem colocar milhares nas arquibancadas ou movimentar o comércio das cidades-sedes, há pouco o que o governo pode realmente extrair positivamente do torneio. O torneio sul-americano não tem a força de uma Copa do Mundo ou de uma Olimpíada para paralisar o país e mesmo a edição passada, vencida pelo Brasil depois de 12 anos sem títulos, despertou pouco mais do que indiferença.

Ainda que o governo nunca tenha se preocupado de fato com sua imagem no exterior, o torneio dá visibilidade para a incompetência brasileira em enfrentar a pandemia. E é pouco provável, mas não impossível que alguma equipe decida não vir disputar o torneio ou ainda que algum jogador mais politizado se manifeste.

Mas, principalmente, dois dias depois da oposição voltar às ruas com força, Bolsonaro recuperou uma poderosa bandeira de 2013, os “hospitais padrão FIFA”. Afinal, como o país que recusou e não comprou vacinas, vai destinar recursos públicos para um campeonato de futebol durante uma crise que já matou mais de 450 mil brasileiros?

Além de uma palavra de ordem, a vinda da Copa América oferece ainda naturalmente duas datas para manifestações, a abertura e encerramento do torneio. E a última em julho quando a CPI deverá estar concluindo seus trabalhos. Na prática, graças a Caboclo, Bolsonaro e a Conmebol, a Copa América será um ato político.

* Doutorando em História pela UFRGS e integrante do Front – Instituto de Estudos Contemporâneos.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko