Rio Grande do Sul

Entrevista Especial

“O golpe já foi dado”, afirma o cientista político Paulo Peres

“Houve um golpe político gradativo, em etapas, que resultou num governo militar de ocupação”

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Paulo Peres é professor adjunto do Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS - Foto: Jorge Campos

Apesar do frio que chegou a vários estados essa semana, o clima político esquentou em Brasília. A pressão cresce contra o presidente Jair Bolsonaro. Uma ampla aliança foi formada para apresentar o superpedido de impeachment nesta quarta-feira (30). Mas quais são as reais possibilidades de Bolsonaro sofrer o impedimento?

Na avaliação do cientista político Paulo Peres, as revelações da CPI, especialmente de indícios de um esquema de corrupção envolvendo a compra de uma vacina, podem levar ao aumento da reprovação do presidente e a um possível impeachment. Mas ele chama a atenção que Bolsonaro “balança, mas não cai” (ainda) porque se apoia em dois pilares: (a) aprovação de uma parcela relevante da população e (b) apoio da aliança dos três “Ms” no Legislativo. “O bolsonarismo antecede Bolsonaro. É um populismo de direita que emerge como uma aliança entre o mercadismo, o moralismo e o militarismo.”

Peres chama a atenção que o cenário de um possível golpe obscurece um fato que deve ser percebido: o golpe já foi dado. “Houve um golpe político gradativo, em etapas, que resultou num governo militar de ocupação. Quero dizer com isso que não há apenas um tipo de golpe político, denominado de golpe de Estado e relativamente comum na América Latina até os anos de 1970.”

Professor adjunto do Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Peres possui mestrado e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Foi coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS (2015-2017), e diretor da Associação Brasileira de Ciência Política, Regional Sul, no período 2017-2019.

Confira a íntegra da entrevista exclusiva ao Brasil de Fato RS.

Brasil de Fato RS - Qual a sua avaliação da popularidade de Jair Bolsonaro após as manifestações pelo impeachment e também pelas informações que estão vindo na CPI da COVID?

Paulo Peres - A popularidade presidencial pode ser analisada em diversas dimensões. Uma das mais relevantes é mensurada pelas pesquisas de opinião a respeito da avaliação geral do desempenho do governo. Como diversos levantamentos vêm mostrando, a desaprovação ao governo é crescente, atingindo valores próximos ao dos seus piores momentos de 2020.

De acordo com as amostragens realizadas pelo instituto Ipespe desde o início do mandato – cujo último levantamento foi divulgado em 11 de junho –, a desaprovação chegou agora a 50% do eleitorado, valor idêntico ao registrado em maio de 2020. Diante de tudo o que aconteceu de negativo e extrema gravidade nesse período, não deixa de ser espantoso que, ainda assim, cerca de metade da população considera o desempenho do governo “regular” ou “ótimo/bom”.

Além disso, para uma compreensão mais realista desse quadro, penso que devemos considerar que aqueles que julgam que o governo é “regular” estão mais propensos a manifestar uma “aprovação com ressalvas”, e não uma reprovação moderada. Desse modo, podemos dizer que a somatória dos que consideram o governo “regular” com aqueles que o consideram “ótimo/bom” indicaria algo que chamo de uma “aprovação ampla”. Por consequência, o grupo que considera o governo “ótimo/bom” corresponderia a “aprovação restrita”. Pois bem, acompanhando a evolução histórica desse grupo de “aprovação restrita”, ou seja, “ótimo/bom”, segundo os dados do Ipespe, Bolsonaro começa o seu governo com 40%, caindo para 19% em julho daquele ano. Em maio de 2020, esse indicador chega ao seu menor valor, atingindo 25%. Porém, em outubro, essa “aprovação restrita” retorna aos valores elevados de janeiro de 2019, numa recuperação que, em parte, pode ser atribuída ao auxílio emergencial. Porém, desde janeiro de 2021, a proporção de “ótimo/bom” volta a decrescer, chegando agora a 26%, portanto, valor similar ao menor de toda a série histórica. Tudo indica, então, que 40% é o seu teto de “aprovação restrita" e, cerca de 25%, o seu mínimo.

Bolsonaro começa o seu governo com 40%, caindo para 19% em julho daquele ano. Em maio de 2020, esse indicador chega ao seu menor valor, atingindo 25%

Penso que isso dimensiona o tamanho do seu apoio quase incondicional. Num cenário mais otimista, digamos assim, poderíamos cogitar que há cerca de 20% de eleitores que estão plenamente alinhados a Bolsonaro. A questão central, nesse contexto, é o movimento da “aprovação ampla”, mais precisamente, do grupo de eleitores que avaliam o governo na categoria “regular”. Estes podem se deslocar tanto para o grupo de “ótimo/bom” como para o grupo “ruim/péssimo”. As revelações da CPI, especialmente agora que veio à tona um conjunto de indícios de um esquema de corrupção envolvendo a compra de uma vacina, podem levar ao aumento da reprovação. Isso seria necessário para que algum processo de impeachment possa ser desengavetado, pois, de acordo com o conhecimento já produzido sobre o assunto, os parlamentares se organizam para interromper o mandato de um presidente quando a sua popularidade é muito baixa – muito menor do que os atuais 50% – e há massivos e recorrentes protestos de rua.

BdFRS - Na sua visão, a direita está construindo uma terceira via e qual seria essa?

Peres - A direita, vez ou outra, tenta lançar alguma alternativa eleitoral à esquerda e à centro-direita, mas carece de nomes, de lideranças com projeção nacional e capacidade de empolgar o eleitorado. Por isso, a direita pegou “carona” em lideranças da centro-direita, ou seja, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e, depois, nas candidaturas frustradas de José Serra [2002 e 2010], de Geraldo Alckmin [2006 e 2018] e até de Aécio Neves [2014], todos do PSDB. Uma parcela dessa direita, inclusive alguns partidos que talvez pudéssemos classificar como centro-direita, pegaram “carona” ou nas candidaturas ou mesmo nas gestões do PT, em amplas coligações eleitorais e coalizões de governo. Também carente de nomes de expressão nacional, esses partidos seguiram a tática de atuar como coadjuvantes nessas administrações de centro-esquerda [tais alianças “puxaram” a esquerda para o centro], assegurando, assim, o seu quinhão de recursos advindos do “governismo”.

Mas, na base desses movimentos estratégicos, há algo mais estrutural que, penso, é elucidativo a respeito da dinâmica da política brasileira há muitos anos. Desde 1945, quando, pela primeira vez, o país experimentou um processo um pouco mais democrático, a competição para a Presidência da República se estruturou de maneira bipolar e vem se mantendo assim desde então – descontando-se, obviamente, o período autoritário inaugurado em 1964. Essa bipolaridade opõe um projeto de país que poderíamos chamar de trabalhista a outro que é anti-trabalhista ou, mais precisamente, mercadista. Grosso modo, o trabalhismo consiste em defender uma agenda de direitos sociais amplos, maior protagonismo do Estado, nacionalismo, desenvolvimentismo e autonomia do país no cenário internacional. O mercadismo, em contraposição, defende a desregulação, a redução do Estado, o mínimo de direitos sociais, etc.

Essa bipolaridade, com as devidas adaptações históricas, permanece até hoje. O que mudou foi o partido que ocupa a liderança na defesa de cada uma dessas agendas. Em 1945-64, o trabalhismo foi a bandeira do PTB, via de regra em parceria com o PSD, a despeito de alguns poucos desencontros eleitorais e programáticos; o mercadismo, por sua vez, foi o projeto liderado pela UDN. Com a recente democratização, Collor tentou ser a liderança mercadista, mas o seu impeachment abriu espaço para que o PSDB, via reformas econômicas, assumisse essa posição, embora de maneira um pouco mais branda.

A bipolaridade opõe um projeto de país que poderíamos chamar de trabalhista a outro que é anti-trabalhista ou, mais precisamente, mercadista

No caso do trabalhismo, PT e PDT disputaram esse campo desde o início, mas o Partido dos Trabalhadores conseguiu assumir o protagonismo do polo trabalhista já na primeira eleição direta para presidente. A onda liberalizante dos anos de 1990, associada ao sucesso do Plano Real em algumas frentes da economia, deram ao PSDB as duas eleições consecutivas de FHC logo no primeiro turno. Mas, FHC não era exatamente um líder popular como havia sido Mario Covas, tampouco José Serra. Alckmin e Aécio empolgavam mais os eleitores dos seus estados, sem projeção nacional. Além disso, as políticas mercadistas costumam gerar insatisfação a médio e longo prazos, de maneira que surgiu um ambiente favorável não apenas ao discurso trabalhista como à liderança popular de Lula.

Essa competição bipolar seguiu com a oposição PT/trabalhismo versus PSDB/mercadismo, mas amplamente favorável ao PT. Algumas terceiras alternativas sempre estiveram presentes, mas sem poder eleitoral de ir ao segundo turno. Marina Silva, Anthony Garotinho e Ciro Gomes se revezaram nessa posição.

A crise política que se instalou no país desde 2013, que resultou no impeachment de Dilma, no governo Temer, na prisão de Lula e na eleição de Bolsonaro, fez emergir uma radicalização nessa polarização. Uma radicalização à direita. O PT seguiu no seu discurso padrão desde 2002, ou seja, de sinalização ao centro, de alianças amplas e de moderação, mas com uma agenda trabalhista [vale lembrar que o trabalhismo não é nem capitalista e nem socialista, mas uma forma de conceber uma relação socialmente justa entre capital e trabalho, com distribuição da riqueza, mas dentro da sociedade de mercado]. Essa polarização radicalizada à direita promoveu o esvaziamento do centro e da centro-direita, prejudicando sensivelmente o PSDB, que foi retirado da posição de liderança do mercadismo. Esse lugar foi ocupado por Bolsonaro que, além de radicalizar no mercadismo, também radicalizou no moralismo religioso e tradicionalista e no militarismo.

Bolsonaro, além de radicalizar no mercadismo, também radicalizou no moralismo religioso e tradicionalista e no militarismo

Como os atores se movimentarão nessa estrutura de competição agora em 2022? Quem assumirá a liderança do mercadismo? Bolsonaro seguirá como expressão desse polo? A bipolaridade voltará ao seu padrão mais moderado, anterior a 2018, ou persistirá radicalizada à direita? Até o momento, temos apenas estas certezas: (1) não há tempo hábil para uma “terceira via” capaz de alterar algo que é estrutural da competição presidencial brasileira, ou seja, a bipolaridade; (2) o polo trabalhista, da esquerda e da centro-esquerda, continua sendo liderado pelo PT, que deverá estar no segundo turno, seja com Lula ou com outro candidato; o mercadismo deverá estar no segundo turno. Com Bolsonaro? Com outro nome? Penso que a direita gostaria de outro nome. Mas quem? Se não tiver uma alternativa, vão seguir com Bolsonaro ou vão se dobrar à necessidade de resguardar a democracia?

BdFRS - Em uma live de avaliação do ato #19J, você afirmou que o Bolsonaro está com uma estratégia de fidelizar a sua base de 30%, e que o Brasil já teria sofrido um golpe civil-militar. Pode nos explicar sua posição?

Peres - Bolsonaro vem adotando políticas e dando claros sinais de que, se for candidato – caso não sofra impeachment –, não aceitará a derrota. Se vencer, diz que venceu; se perder, diz que foi fraudado. Então, a eleição seria a ratificação de uma vitória já dada, uma aclamação popular do líder que realmente representa a vontade da maioria. Fidelizar 30%, 25% ou 20% de apoio corresponde a uma estratégia de construção de três cenários favoráveis ao seu grupo. Em primeiro lugar, ele poderia resistir ao impeachment, contando com manifestações populares incisivas de apoio ao seu mandato. Em segundo lugar, ele poderia alcançar uma vaga no segundo turno, supondo que a rejeição ao PT seja suficiente para assegurar a sua reeleição. Finalmente, em terceiro lugar, a parte armada e mais radical desse grupo poderia provocar atos de violência no processo eleitoral e, no limite, contestar uma possível derrota. Sendo assim, se ele (1) resistir ao impeachment, (2) chegar ao segundo turno, mas, (3) perder a eleição, os distúrbios sociais provocados pelos seus seguidores poderiam criar um quarto cenário de emergência: a intervenção militar para garantir a “lei e a ordem”.

As Forças Armadas, mais especificamente, o Exército, se prestariam a isso? Talvez sim, talvez não. É incerto o desdobramento desse cenário turbulento que tenderá a uma trepidação ainda maior até as eleições de 2022. No entanto, o cenário de um possível golpe obscurece um fato que deve ser percebido: o golpe já foi dado. Houve um golpe político gradativo, em etapas, que resultou num governo militar de ocupação. Quero dizer com isso que não há apenas um tipo de golpe político, denominado de golpe de Estado e relativamente comum na América Latina até os anos de 1970. Nesses eventos, os militares, e aliança com grupos civis, tomavam o poder de assalto, colocavam os tanques nas ruas e fechavam o Congresso. Em alguns deles, presidentes foram assassinados ou tiveram que fugir do país.

Neste recente período democrático emergiu uma nova modalidade de golpe político, que, paradoxalmente, ocorre dentro das democracias, sem interrompê-las

Entretanto, neste recente período democrático emergiu uma nova modalidade de golpe político, que, paradoxalmente, ocorre dentro das democracias, sem interrompê-las, e fazendo uso de instrumentos democráticos. O uso casuístico de leis e de regras regimentais, a manipulação de dispositivos constitucionais, o conluio entre instituições, a disseminação de valores antidemocráticos, a promoção do confronto social, entre outros, são características desse tipo de golpe político. Assim, embora a democracia não seja interrompida, não obstante, as instituições representativas [eleições, partidos, parlamento, presidência] e as instituições liberais [direitos individuais, garantias constitucionais e o sistema de justiça] são seriamente debilitadas à medida que políticas e ações autoritárias se avolumam. As manifestações de 2013, o processo eleitoral de 2014, a contestação do resultado por Aécio Neves, o impeachment de Dilma, a operação Lava-Jato, o governo Temer, a prisão de Lula e a sua retirada forçada das eleições de 2018 foram processos encadeados que resultaram no fenômeno populista de Bolsonaro.

BdFRS - Você também falou sobre uma aliança que chamou dos 3Ms - mercadismo, moralismo e militarismo - que ocupa o governo federal. Como essa aliança se manifesta?

Peres - Esse processo que falei acima se deu mediante uma conjunção de fatores que deram oportunidade à formação de uma aliança entre grupos de interesse que podem ser rotulados como os três grandes Ms da política brasileira: mercadismo, moralismo e militarismo. Um grupo importante dos militares nunca esteve satisfeito com os governos civis, inclusive o de FHC. A chegada ao poder de um partido de esquerda, ainda mais quando Dilma assumiu a presidência e patrocinou a Comissão da Verdade, levou esse grupo a trazer a política para dentro dos quartéis e, já em 2014, a apoiar a construção da candidatura de Bolsonaro. As políticas identitárias e de ação afirmativa dos governos do PT vinham, há tempos, incomodando os grupos religiosos mais conservadores, seja do neopentecostalismo seja do catolicismo. Para eles, o PT é uma ameaça comunista aos valores da família tradicional e à moral cristã. O mercadismo, especialmente aquele de rapinagem do Estado, ficou ainda mais alvoroçado desde 2008 e, em especial, no governo Dilma – privatizações, desregulação e apropriação do setor energético são pratos apetitosos para esses atores nacionais e internacionais.

Até 2010, o PSDB representava o mercadismo, mas não sinalizava tão fortemente ao moralismo, algo que mudou com a candidatura de Serra à presidência. Depois de sucessivas vitórias do PT, o tucano promoveu uma campanha mais alinhada ao conservadorismo moral, trazendo ao debate o tema do aborto. Em 2014, Aécio radicalizou um pouco mais o moralismo, procurando vincular o PT ao comunismo. O impeachment de Dilma contou com muitos movimentos de direita nas ruas, defensores tanto do moralismo como do mercadismo. Porém, o PSDB tinha um limite que não ousou ultrapassar: aliar-se com o militarismo. Bolsonaro não apenas não tinha esse limite como era o representante do militarismo. Sua aliança cruzou o caminho em sentido contrário, ou seja, foi o militarismo que se associou ao moralismo e ao mercadismo. No clima de combate insano à corrupção, de antipetismo, do fantasma do comunismo, de crise econômica, essa “santa aliança” retirou o PSDB da liderança da competição bipolar, radicalizando-a à direita. Sem Lula no caminho, a vitória foi possível.

O impeachment de Dilma contou com muitos movimentos de direita nas ruas, defensores tanto do moralismo como do mercadismo

Portanto, o bolsonarismo antecede Bolsonaro. É um populismo de direita que emerge como uma aliança entre o mercadismo, o moralismo e o militarismo. Algo similar ocorreu com a eleição de Jânio Quadros, em 1960. Apoiado pela UDN, com um severo discurso anticorrupção, Quadros obteve maciço apoio de grupos conservadores. Sua renúncia traria de volta à presidência um líder trabalhista, João Goulart. Foi o gatilho para atrair de forma ostensiva o militarismo para essa aliança, que foi às vias de fato em 1964.

Agora, a novidade é a formação de um governo de ocupação militar, ao invés de um governo de invasão militar. A ocupação se deu por um golpe em etapas, repito, que possibilitou a eleição de dois militares à Presidência e à Vice-Presidência. Antes disso, Temer, como presidente da República, e Dias Toffoli, como presidente do STF, abriram as portas para a ocupação. Com Bolsonaro, o Estado vem sendo ocupado de maneira sistemática, de maneira que, mesmo que o PT volte ao poder, terá de governar sob essa tutela às vezes sutil e invisível, outras vezes bastante à vista de todos.

BdFRS - Como você interpreta as narrativas construídas pelos grupos bolsonaristas, principalmente via redes sociais?

Peres - A atuação do bolsonarismo nas redes sociais corresponde a uma intrincada estratégia de propaganda, no sentido clássico, ou seja, de apelos a preconceitos e sentimentos latentes. Ela é potencializada pelos novos meios de comunicação, pulverizada e destinada a alvos precisos, possibilitada tanto pelas redes sociais como pelas técnicas de inteligência artificial e linguagem de máquina. A conhecida empresa Cambridge Analytica foi um dos primeiros exemplos desse tipo de mecanismo sofisticado e perigoso de persuasão e de polarização social. Há diversas nuances nesse sistema complexo e que deve contar com muito planejamento e recursos para a sua execução. Podemos dizer que, seguindo os parâmetros estabelecidos pela direita norte-americana para uma “guerra cultural” contra a esquerda, trata-se de se buscar a vitória na luta pelos corações e mentes, pela “hegemonia” política.

A conhecida empresa Cambridge Analytica foi um dos primeiros exemplos desse tipo de mecanismo sofisticado e perigoso de persuasão e de polarização social

Para compreender isso de maneira mais detida, eu recomendo estas leituras básicas, algumas já bastante conhecidas: Os Engenheiros do Caos, do italiano Giuliano Da Empoli; Guerra pela Eternidade: O Retorno do Tradicionalismo e a Ascensão da Direita Populista, do norte-americano Benjamin Teitelbaum; O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida: Militares, Operações Psicológicas e Política, do brasileiro Piero Leirner; e Guerra Cultural e Retórica do Ódio: Crônicas de um Brasil Pós-Político, do também brasileiro João Cezar de Castro Rocha.

BdFRS - Recentemente assistimos mais um ataque do presidente Bolsonaro a jornalistas. Isso também faz parte da sua estratégia política?

Peres - Sim, faz parte da estratégia de distração, deslegitimação e de reforço ideológico. Ao ser agressivo com uma mulher, ele reforça os valores da virilidade, do macho dominador, do discurso contra a “ideologia de gênero”. Sua base conservadora mais radical regozija com tal comportamento. Claro, além de ser uma estratégia, isso também é autêntico porque Bolsonaro sempre teve esse comportamento. Ele acredita nisso, sente isso, expressa isso como parte do que ele é. Ao ser agressivo com uma jornalista, ele atua para seguir minando a legitimidade da imprensa, dos meios de comunicação, assim como ocorreu com Donald Trump. Desacreditar instituições da democracia liberal, como a imprensa, faz parte da construção de um mundo de narrativas, ou seja, das verdades relativas.

A pós-verdade não é a mentira, é a verdade de cada um de acordo com o seu sentimento e a sua crença. A premissa básica do jornalismo, embora seja adotada à risca por poucos, é a de que se transmite uma informação baseada em fatos. Se há fatos, há alguma verdade objetiva que pode ser transmitida e que, por lógica, não admite versões alternativas. No mundo das narrativas é necessário convencer todo mundo que a imprensa não é mais do que uma produtora de narrativas. Tem aquela imprensa que narra o que nos interessa e aquela que narra o que não nos interessa. O que não nos interessa, portanto, deve ser atacado veementemente ou, conforme o caso, agressivamente.

No mundo das narrativas é necessário convencer todo mundo que a imprensa não é mais do que uma produtora de narrativas

Ao mesmo tempo, isso também é uma estratégia de distração, pois a cada comportamento absurdo, impensável, condenável, a imprensa se apega a esse fato e deixa de abordar temas que Bolsonaro e o seu governo não querem que ganhem projeção no debate público. Assim, ele pauta a imprensa. Está mais do que na hora de a imprensa deixar de comparecer ao “cercadinho”, de seguir Bolsonaro e de dar espaço para o seu discurso. A imprensa poderia se concentrar no pronunciamento de membros do governo e em fatos que incomodam o seu grupo. É lá que está a notícia. É assim que se manterá a legitimidade e, também, poderá ser reduzido o espaço para a misoginia difundida pelo presidente.

BdFRS - Se pudesse fazer uma previsão para a eleição de 2022, qual seria?

Peres - O PT estará no segundo turno.


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Edição: Marcelo Ferreira