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Vida e Justiça: a memória não morre jamais

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No dia 7 de agosto foi instalada a seccional gaúcha da Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19 - Vida e Justiça - Divulgação
A luta é por superar a pandemia, mas também pela responsabilização e condenação dos criminosos

Neste último dia 7 de agosto foi instalada a seccional gaúcha da Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19 - Vida e Justiça. Entidade que quer articular uma rede de apoio, solidariedade e reparações para as vítimas e familiares das vítimas fatais da covid-19, buscar a promoção de políticas públicas de direitos e proteção social e a responsabilização de gestores públicos e privados negligentes ou omissos no enfrentamento da pandemia.

Enquanto escrevo, as informações que circulam pelos veículos de imprensa dão conta de 565 mil pessoas mortas e mais de 20 milhões afetados. Números de mortos e atingidos da grandeza macabra de grandes guerras, deixando 113 mil pessoas órfãs.

No atual momento, a preocupação é a transmissão pela variante delta do coronavirus. Essa variante tem quatro vezes mais capacidade de infecção e uma carga viral 1,2 mil vezes maior que as demais variantes conhecidas do vírus, segundo informações divulgadas por organismos e centros de pesquisa.

Com um ano e meio de contexto pandêmico no Brasil, percebemos que a dimensão da dor é maior do que pela morte ou do período da doença. À dor pela perda de amigos, de familiares, enfim dos nossos amores, se somam as dores, físicas e emocionais, pelas graves sequelas nos sobreviventes. São as dores do corpo e também as dores do medo. Medo de novamente faltar o ar, de não mais caminhar, não mais correr, não mais sorrir. Medo de não mais dar ou receber o beijo do filho, da mãe ou do pai, da menina e do menino que tanto desejamos. Dores inumeráveis como dizem Breno Bessa e Chico César.

Mas não houve uma única pandemia trágica na história da humanidade cujo alcance da tragédia não tenha sido ampliado pela ação dos governantes e dos poderosos. A peste bubônica na Europa Medieval, a gripe e o sarampo na América invadida pelos colonizadores, ou a gripe Espanhola no capitalismo já globalizado no início do Século XX, todas tomaram tal dimensão genocida pelas relações políticas de dominação de então.

Também a dimensão catastrófica da covid-19, sabemos agora, foi produzida meticulosamente pelo fascismo no governo. As revelações da CPI da Pandemia não deixam dúvidas, por ideologia e por interesses financeiros o governo federal produziu um número inaceitável de mortos. Assim como o nazismo, essa política é criminosa por fundamento. Um crime continuado desde as premissas ideológicas do negacionismo às omissões planejadas no combate à pandemia. A política da grande maioria dos agentes públicos, de naturalizar um número cada vez maior de “mortes aceitáveis”, ou da “imunidade de rebanho” contaminou grande parte da população brasileira, atingindo a todos nós, nos nossos valores éticos e humanitários. Ainda agora, com uma média de quase mil mortes diárias, os noticiários, e algumas vezes nós mesmos, nos percebemos comemorando quedas percentuais relativas aos quantitativos do ápice da omissão e da desumanidade, em março.

A tragédia da covid-19 não se restringe ao impacto da atividade do vírus, o que já é tragicamente gigante, mas já podemos projetar que se estende à impressionante massa de sequelados físicos e emocionais. Muito mais do que aos 20 milhões de infectados sobreviventes. Uma massa de órfãos, pais, amigos, colegas, companheiros que farão com que a memória e as consequências da pandemia sobrevivam à futura e esperada contenção do vírus.

Por se tratar de uma sindemia, uma forte e direta relação mutuamente agravante entre crise sanitária, pobreza e falta de proteção social, no Brasil essa emergência sanitária mundial foi potencializada pela política de desmonte dos serviços públicos e negacionista no enfrentamento à covid-19. Serão necessárias décadas de investimentos, democracia e proteção social para reparar os efeitos desse genocídio.

Assim, a luta é por superar a pandemia, mas também por buscar a responsabilização e condenação dos criminosos responsáveis e a reparação de perdas para as vítimas e familiares de vítimas. Mas, porque toda a população foi afetada, a luta é também pela recomposição dos sistemas de proteção social e de direitos, em especial do SUS, da renda básica e do emprego. A luta é por não permitir que essa tragédia e esse crime sejam esquecidos, assim como a luta contra a ditadura e o nazismo, é uma luta por memória e justiça.

Porque a história não para e vai passar por cima do atraso, do horror e da iniquidade, é que Bolsonaro, o principal responsável, precisa responder, inclusive internacionalmente, por seus atos. 

* Este artigo foi escrito em parceria com Iti Guimarães, Secretária-Executiva da Associação Vida e Justiça.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko